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5. ÉTICA ANIMAL

5.2. A Ética do Direito Animal

5.2.5. A perspectiva dos Direitos

Portanto, a partir das críticas que Regan faz às diversas teorias éticas supracitadas conclui- se que para uma proteção efetiva dos animais não-humanos, a moralidade não se deve pautar tendo em conta apenas os interesses de agentes morais, mesmo que para a satisfação desses interesses se assegure indiretamente o bem estar animal. As consequências de se atormentar animais – benefícios (experimentações que visam o bem estar humano) ou malefícios (fomentar a violência entre humano, violentando um animal) – para a comunidade humana também não devem ser consideradas um princípio norteador; nem mesmo a compaixão, pois não assegura moralmente a proteção dos animais não-humanos. O utilitarismo, mesmo tendo em conta diretamente os interesses e preferências dos animais não-humanos, de acordo com Regan, também falha em ceder uma resposta bem fundada e coerente para a proteção dos mesmos, não pela consideração que se tem para com seus interesses, porém, pela possibilidade do bem estar de uns poder ser suplantado pelo bem estar de uma maioria.

Tudo considerado, para Regan, apenas a teoria dos direitos pode efetivamente preservar a integridade dos animais não-humanos; argumenta, nesse sentido, que os seres humanos apenas são salvaguardados das próprias arbitrariedades humanas por serem contemplados por direitos

que lhes asseguram seus mais preciosos bens (Regan T, 1982, p. 90). Isto porque os direitos morais individuais erguem um limite justificável às ações do grupo que podem ter consequências ao indivíduo. Nem sempre os direitos morais individuais sobrepujam os interesses coletivos e, estabelecer uma linha precisa de quando os interesses individuais devem ceder aos interesses coletivos é muito obscuro. Contudo, o direito de não ter sua integridade violada parece sempre prevalecer aos objetivos do grupo, salvo algumas exceções. Segundo Regan (1982, p. 91), existem razões consideráveis para acreditar que o coletivo possa ser garantido quando, ao suplantar os direitos individuais, previna-se enormemente um imenso e sério dano a outros indivíduos inocentes como única maneira realística de prevenir tais danos. Parecem um pouco vagas as condições, mas é um assunto o qual Regan (1982) declara como não resolvido, embora esteja claro que apenas diante de certas condições poderia se causar danos a um indivíduo de forma a garantir a proteção do coletivo. Contudo, este argumento é constantemente levantado contra a corrente dos direitos animais, pois, se supusesse que os animais tivessem direitos de não serem afligidos, essas mesmas condições descritas que legitimam o fato do coletivo suplantar o indivíduo, seriam reclamadas frequentemente – como em muitos casos relativos à experimentação animal.

Entretanto, para solver certas contingências como a referida acima, Regan (1982, p. 93) explora outro caminho. Busca explicar quais as razões que o levam a crer que o ser humano, individualmente, não deva ter seus direitos acometidos para a realização do interesse coletivo. Por que os seres humanos têm os direitos que têm? E como resposta para tal questionamento é que funda suas considerações sobre as razões pelas quais os animais devam ter direitos morais individuais e consequentemente protegidos de interesses alheios.

Regan procura algo que caracterize os seres humanos, que fundamente a igualdade entre estes, algo que os caracterize enquanto seres portadores de direitos, que justifique o sentido de se atribuir a todos eles direitos morais. Portanto, Regan (2006) rebusca nos direitos humanos argumentos que igualmente fundamentem os direito animais.

Para Regan (2006, p. 47), possuir direitos morais é possuir uma proteção que assegure aos indivíduos os bens que lhes são mais importantes: suas vidas, seus corpos e suas liberdades. Dizer isto é afirmar que ninguém é moralmente livre para causar mal, tirar a vida, e tolher a liberdade aos outros, como bem aprazer76.

76 Com exceção de casos como o de matar em autodefesa, que é uma clássica situação de violação de um

direito fundamental de um (quem é morto), em virtude de uma extrapolação dos direitos do outro (quem mata). In: Regan T, 2006, p. 47.

Singer já afirma que não se pode fomentar qualquer tipo de discriminação que seja por razões arbitrárias ou moralmente irrelevantes, razão pela qual a igualdade deve-se estabelecer de forma coerente. Para Regan (2006, p. 48), não é diferente. E nesse sentido, argumenta que atributos como a condição racial ou de gênero não revelam nada sobre os direitos morais que têm os seres humanos. Os direitos morais estão imbuídos de igualdade, todos os possuem igualmente, independente da raça, sexo, condição econômica, crenças e outros.

Embora muitos valores humanos sejam importantes, Regan (2006, pp. 48-49) esclarece que os direitos individuais, na moralidade, se sobrepõem a tais valores, no sentido de que são esses direitos que asseguram que certos valores serão preservados, não colocando bens de uns acima de outros. Mais especificamente, “[...] os benefícios que outros obtêm violando os direitos de alguém nunca justificam a violação desses direitos” (Regan T, 2006, p. 48). E reivindicar um direito moral não se trata de pedir generosidade, mas de exigir justiça. Não violar os direitos do outro é mostrar respeito ao mesmo.

Nesse sentido, Regan (2006, pp. 53-61) busca explicar por que seres humanos têm os direitos que têm. Historicamente muitas respostas puseram-se à tentativa e não satisfizeram suas interpelações. Para ele, então, não é a biologia humana e sua racionalidade e linguagem, nem sua responsabilidade moral; não é sua alma, nem Deus os responsáveis pelos direitos morais; também não são suas experiências que caracterizam seu ‘valor intrínseco’, que os valorizam enquanto seres de direitos, pois são eles dotados de um valor em si mesmos, de um ‘valor inerente’. Para Regan (2004b), o valor inerente difere fundamentalmente do ‘valor intrínseco’, uma vez que, no seu entender, este último se refere às experiências o indivíduo, já o ‘valor inerente’ refere-se ao próprio indivíduo. Para Regan (2004b) o que mais importa ser relevado não é o ‘valor intrínseco’ das experiências do indivíduo, mas seu ‘valor inerente’, ou seja, o próprio indivíduo. Portanto, para Regan (2004b) é o ‘valor inerente’ que caracteriza a igualdade entre os seres humanos. E o critério que comporta as exigências de Regan, uma vez que os seres humanos têm mais que experiências, é que eles têm uma vida e, além disso, são sujeitos dessa vida, isto é, são ‘sujeitos- de-uma-vida’ (subjects-of-a-life). Quando se trata da violação dos direitos à vida, à liberdade e à integridade física desse sujeito, pode não importar para outros, mas para aquele que é ‘sujeito-de- uma-vida’ faz toda a diferença, pois ele é sujeito de sua própria; esta é a igualdade fundamental entre humanos. Não importa o quão novo ou velho for, se é alto ou baixo, mulher ou homem, seu status moral é o mesmo, são fins em si mesmos e não meios para um fim, “[...] são sujeitos- de-uma-vida, não uma vida sem sujeito” (Regan T, 2006, p. 62).

Portanto, no entender de Regan, este critério deve ser o mesmo a atender aos animais não-humanos, desde que sejam eles ‘sujeitos de uma vida’. Pois, uma vez que o são, são dignos de posse de direitos.

A perspectiva dos direitos (tida por Regan como o princípio do respeito) é, portanto, dotada da resposta mais adequada para Regan na fundação de uma ética que contemple os animais não-humanos. Pode-se considerar que a proposta de Regan é uma convergência dos ideais kantianos e utilitaristas. Ao admitir que, por um lado, o indivíduo deve ser respeitado como um fim em si mesmo, ele está de acordo com a proposta kantiana; por outro lado, concorda com a versão utilitarista de que os seres humanos têm deveres diretos em relação aos animais, por eles mesmos e não por qualquer outra razão. Portanto, aqueles que têm ‘valor inerente’ devem ser tratados como fins em si mesmos, com respeito, independentemente do valor de suas experiências e do bem que outro possa receber advindo de tal tratamento (Regan T, 2004a, p. 145).

Regan filia-se a Kant quando em sua assertiva diz que os seres humanos devem ser respeitados como um fim em si mesmo, mas estende essa consideração a determinados animais não-humanos no caminho de lhes conferir direitos morais. Para tal, o ‘valor inerente’ assume-se fundamental, e assim como Kant, Regan sugere que os seres humanos devam ser respeitados e tratados como um fim em si mesmo, contudo, inclui animais não-humanos neste âmbito, significando que o indivíduo deve ser respeitado pelo seu ‘valor inerente’, o que torna ilegítima qualquer instrumentalização desses indivíduos que são ‘sujeitos-de-uma-vida’. ‘Sujeitos-de-uma- vida’ são sujeitos de sua própria vida, o que convém lembrar que, seja lá o que for que aconteça com esses indivíduos, importa para eles, mesmo que não importe para mais ninguém. Regan (2004a, pp. 145-146) admite que é imprecisa a linha divisória para designar aqueles que assim o são, mas tão impreciso quanto determinar a partir de que altura exata uma pessoa humana é considerada alta ou baixa. Não obstante, para ele, sujeitos-de-uma-vida são:

[...] indivíduos que têm crenças e desejos; percepção, memória e senso de futuro, incluindo seu próprio futuro; uma vida emocional com sentimentos de prazeres e dores; preferências e interesses de bem-estar; a habilidade de iniciar uma ação de perseguir seus próprios desejos e metas; uma identidade psicofísica ao longo do tempo; e um bem-estar individual no sentido de que suas experiências de vida aconteçam favoravelmente ou não para eles, logicamente independente de sua utilidade para outros e logicamente independente de serem objetos de interesses de um outro qualquer (Regan T, 2004b, p. 243).

A proposta de Regan (2004b, p. 153) é ainda mais restritiva e controversa do que a de Singer, ao passo que foca, primariamente, sua teoria ética naqueles que possuem uma capacidade cognitiva superior, o que se pode constatar com determinada clareza em mamíferos e aves, mas não em todos os animais não-humanos. Entretanto, aqueles animais que não são sujeitos-de-uma- vida de acordo com seu conceito, como sapos e rãs que são utilizados largamente em laboratórios, a eles deve ser conferido o ‘benefício da dúvida’, uma vez que, “[...] ainda se ignoram muitos aspectos da estrutura psicofísica destes animais para os excluir da esfera moral” (Beckert C, 2004b, p. 54). Ainda assim as implicações seriam semelhantes às encontradas em Singer. As práticas como produção de alimentos, experimentação, entretenimento, todas essas indústrias de exploração animal devem ser abolidas, independente do sofrimento e bem estar dos animais envolvidos em tais práticas, pois o ‘valor inerente’ de tais criaturas obriga aos seres humanos a tratá-los como fins em si mesmos. Contudo, Regan (2006, p. 75) vai ainda mais longe ao afirmar que os seres humanos mais capacitados têm o dever de intervir, de manifestar-se em favor dos ‘sujeitos-de-uma-vida’ que estão em condições vulneráveis e que não podem reivindicar o cumprimento dos seus direitos que mal sabem que têm, sejam eles humanos ou não. Não é prestar-lhes qualquer tipo de favor, é uma questão de justiça, fazer cumprir os direitos que lhes são devidos.