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6. EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL

6.2. Consciência X (In)consciência Animal

6.2.6. Dor e sofrimento

A dor e o sofrimento são experiências individuais, apenas quem as experimenta sabe precisamente o que sente. Se assim, como saber que a dor aflige o outro? Se é um fenômeno da consciência que não pode ser exatamente observado, como constatar que o outro também sente? São questões que ainda despertam muitas dúvidas nos cientistas e filósofos, mas há um consenso substancial tanto filosófico, quanto científico ao admitir que o outro, animal humano ou não- humano, sente dor. Sabe-se que um ser humano ao sentir dor manifesta comportamentos que pressupõem que ele está sob aflição, como gritos, contorções ou o simples evitar daquilo que o causa dor. O sistema nervoso dos seres humanos, salvo algumas exceções como fetos em estágios de desenvolvimento iniciais, permite expressar “[...] sensações semelhantes em circunstâncias semelhantes [...]”. Se um indivíduo humano tem lesionado um de seus braços, ele sabe que se o outro que também tem lesionado seu braço experimentará uma dor semelhante (Singer P, 2008, p. 13).

Os seres humanos manifestam certos comportamentos quando sob condições dolorosas que permitem saber que estão a sentir dor. Muitos outros animais, especialmente aqueles mais próximos evolutivamente à espécie humana, como outros mamíferos e aves, expressam sinais igualmente reveladores. Contorções, gritos, gemidos, o ato de evitar aquilo que os causa dor, medo e ira diante desta mesma fonte. A assunção de que o outro, sendo humano, sente dor, leva a concluir que outros animais também sentem. As semelhanças não se limitam aos sinais externos, mas a evolução do sistema nervoso é fisiológica e anatomicamente semelhante em algumas outras espécies de animais. O desenvolvimento do córtex que é mais desenvolvido nos humanos é, maiormente, responsável por funções cognitivas e assim pouca relevância tem para averiguar o quesito dor. Já o diencéfalo, o qual é bem desenvolvido em outras espécies animais, sobretudo, aves e mamíferos, é responsável pelas sensações e emoções, sendo substancialmente considerado para averiguar as sensações de dor e sofrimento. Nesse sentido as respostas fisiológicas dos humanos às práticas dolorosas são igualmente observáveis nesses outros animais: “a elevação da pressão inicial sanguínea, pupilas dilatadas, transpiração, aceleração do pulso e, se o estímulo continuar, queda da pressão sanguínea” (Singer P, 2008, p. 13).

Se humanos e outros animais possuem uma mesma origem evolutiva para seus sistemas nervosos, o que permite saber que as sensações de dores estão igualmente presentes em ambos, conclui-se que os comportamentos dos mesmos, em uma condição subjetiva, relativamente aos aspectos dolorosos, não podem ser muito diferentes, em situações análogas. Hoje, não há razões para negar que pelo menos alguns dos animais, quanto mais proximamente relacionados aos humanos, sintam dor, e até mesmo sofrimento (Singer P, 2008, p. 14).

A sensação de dor de animais vertebrados superiores, é tão intensa quanto se apresenta em seres humanos, e em circunstâncias semelhantes, algumas vezes a sensação de dor pode ser ainda maior. Os sentidos de muitos animais são mais apurados que em humanos, isto se faz notório ao comparar a acuidade visual, auditiva, olfativa, gustativa e tátil de animais com os mesmos sentidos humanos (Serjeant R, 1969, p. 71 apud Singer P, 2008, p. 15).

Varner (1998, pp. 32-53) também supõe que o desenvolvimento cognitivo dos animais, de certa maneira, pode sistematizar aqueles animais que podem sentir dor.

Para além dos animais ‘superiores’, a tabela88 abaixo ilustra esquematicamente em que animais estão presentes o sistema nervoso central, nociceptores e opiáceos endógenos; bem como a resposta aos analgésicos e a estímulos nocivos análogos aos humanos:

Sistema Nervoso Central Nociceptores Opiáceos endógenos Sensibilidade a analgésicos Resposta a estímulos nocivos análoga aos humanos Invertebrados Vermes - ? + ? - Insetos - - + ? - Cefalópodes + ? ? ? + Vertebrados Peixes + ?/+ + ?/+ + Répteis + - + ? + Aves + + + + + Mamíferos + + + + +

Tabela 1 – Comparação esquemática relativamente aos animais sobre a presença de sistema nervoso central, nociceptores e opiáceos endógenos; bem como a resposta aos analgésicos e a estímulos nocivos análogos aos humanos. Adaptado de Beckert (2003, p. 61).

1) Todos os vertebrados e os cefalópodes têm sistema nervoso central. 2) Só os mamíferos e aves têm nociceptores identificados, mas estudos comportamentais sugerem a existência de nociceptores funcionais em peixes, répteis e cefalópodes (foram identificados nociceptores nalgumas espécies de peixes como lampreias). 3) Todos os animais têm opiácios endógenos – o que sugere outras formas de transmissão da dor ainda não descobertas – e os mecanismos biológicos de feedback para controle da dor são semelhantes em todos os vertebrados, envolvendo substâncias como a serotonina e a endorfina. 4) foram observadas respostas a analgésicos em mamíferos, aves e peixes. 5) Foram detectadas respostas a estímulos dolorosos análogas às humanas em todos os vertebrados e cefalópodes (Beckert C, 2003, p. 61).

É, por isso, importante realçar que há fortes evidências de que, para além dos mamíferos e aves, a maioria dos vertebrados e cefalópodes possui mecanismos relativos à dor. Outros, como

insetos e vermes, apresentam certos mecanismos que também podem resultar em sensação de dor, o que sugere precaução.

Não somente as evidências da dor se tornaram explícitas, mas igualmente, as de sofrimento. Tanto que as experimentações com animais para identificação de antinociceptores e isolamento social, continuam a acontecer nos laboratórios. Muitos animais experimentam sensações de medo, ansiedade, terror, estresse. Estas são, entre outras muitas, manifestações de um sofrimento que vai além da dor física. O sofrimento provocado pela ação física direta, não se limita às experiências físicas, afeta também os aspectos emocionais quando o animal sofre ansiedades e terror, situação comumente observada em animais confinados para experimentações e para alimentação (Singer P, 2008, p. 16). É verdade, como já retratado no capítulo anterior, dizer que a consciência permite que o sofrimento emocional seja experimentado mais intensamente pela espécie humana, mas a ausência de consciência também corrobora a afirmação contrária. Se saber o que lhe está a acontecer causa terror e ansiedade, não saber pode – ou não – causar ainda mais.

Nesse sentido, contrariando as suposições de Descartes, os animais não-humanos manifestam definitivamente comportamentos que expressam dor e sofrimento. Especialmente no que concerne à manifestação de dor aguda, os sinais que indicam a existência dessas manifestações são muito claros como elucida L. R. Soma em seu artigo “Assessment of animal pain in experimental animals” (Felipe S, 2007, p. 72). Soma (apud Felipe, S, 2007, pp. 72-73) relaciona diversos sintomas clínicos e comportamentais expressados pelos animais em que se pode assumir que estão a sentir dor, como: postura de guarda, gritos, movimentos, automutilação, inquietação e assim por diante. No que diz respeito à dor crônica, cientistas e veterinários indicam expressões como a redução da atividade; busca de esconderijo; alterações na urina e fezes; entre outras, consideradas típicas e de fácil reconhecimento (Felipe S, 2007, p. 73). É importante ainda salientar que cada espécie, diante de estímulos dolorosos, se expressa de maneira especificamente peculiar através das mais diversas reações corporais e fisiológicas, como se pode observar no quadro abaixo89:

Camundongos (varia entre as

diferentes linhagens)

Rato Cobaia

- Aumento do tempo de sono - Perda de peso/desidratação - Piloereção e postura encurvada - Auto-isolamento

- Gritos aos serem tocados

- Vocalização - Perda de peso;

- Piloereção e postura encurvada - Hipotermia - Descarga ocular - Ato de lamber-se - Maior agressividade - Vocalização - Não-resistência quando segurados - Não-resposta a estímulos - Sonolência e não-agressividade, em geral

Coelho Hamster Gato

- Diminuição do consumo de água e alimento

- Olhar dirigido para a parte de trás da gaiola

- Movimentos limitados - Fotossensibilidade - Estoicidade

- Perda de peso - Período maior e sono - Aumento da agressividade - Diarréia

- Perda do apetite - Falta de higiene pessoal - Aparência de demência - Ronronar

- Vocalização variável

Cão Ruminantes Porcos

- Menos movimentos e reação - Inapetência, tremores e respiração difícil - Automordedura no local afetado - Deprimidos, inapetência - Ranger de dentes - Redução na ruminação, eructação - Comportamento anti-social - Vocalização

Répteis Primatas não-humanos Peixes

- Contração dos músculos - Perda de peso, anorexia

- Pouca reação à dor

- Aparência miserável, postura encolhida

- Expressão triste/ evitam companhia

- Falta de higiene pessoal - Inapetência

- Movimentos musculares fortes - Comportamento natatório anormal

Quadro 1 – Relação comparativa entre as distintas e diversas reações corporais, comportamentais e fisiológicas observadas em animais de diferentes espécies sob estímulos dolorosos. Adaptado de Felipe (2007, pp. 73-75).

É interessante reparar que mesmo entre roedores de presumível semelhança há manifestações bem diversas de dor e sofrimento.

Importa por agora, fundamentalmente, tomar conhecimento de que a condição de dor e sofrimento causa uma indisposição que fere o bem estar desses seres ameaçando-lhes sua integridade física e emocional e até mesmo suas vidas.