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5. ÉTICA ANIMAL

5.2. A Ética do Direito Animal

5.2.2. Agentes e pacientes morais

Cabe aludir certos conceitos que Regan (2004b) expõe para melhor entendimento. É importante distinguir, primeiramente, agentes morais de pacientes morais em sua concepção. Em suas palavras agentes morais são aqueles

[...] indivíduos que têm uma variedade de sofisticadas habilidades, incluindo, em particular, a habilidade de, balizando-se por princípios morais imparciais, determinar o que moralmente deve ser feito, depois de tudo considerado e, após tal determinação, escolher livremente ou falhar na escolha do agir, como a moralidade por aqueles indivíduos concebida, requere (Regan T, 2004b, p. 151).

Isto é, a moralidade exige do indivíduo uma escolha livre sem qualquer imposição coercitiva daquilo que ele próprio apreciou e determinou sobre o que, moralmente, deve ser feito a partir de princípios morais imparciais, e aquele indivíduo que possui essa habilidade entre outras diversas habilidades requintadas, pode ser chamado de agente moral. Este indivíduo é moralmente responsável por seus atos, na medida em ele tem essa habilidade em particular (Regan T, 2004b, p. 152). Além de poder escolher sobre o que é certo ou errado e responder por seus atos, o indivíduo pode julgar se outro agente moral agiu de maneira correta ou não, especialmente quando a ação de um envolve direta ou indiretamente o outro. Isso faz com que ambos façam parte de uma comunidade moral enquanto um tem deveres morais diretos para com o outro, e desta forma, somente agentes morais fazem parte desta comunidade, pois existe consideração moral direta de um para com outro; nesta visão, apenas se tem consideração pelos agentes morais. A tudo aquilo e aquele que é afetado pelas decisões e ações dos agentes morais, mas que não faz parte dessa comunidade, não se deve qualquer obrigação, embora seja certo dizer que existem deveres indiretos em relação a eles quando são afetados pelas ações dos agentes morais, mas apenas quando são ‘propriedades’ destes últimos. Portanto, há obrigações indiretas,

não aos envolvidos diretamente – isto é, aos pacientes morais – mas àqueles que são de fato considerados, os agentes morais (Regan T, 2004b, p. 152). Quanto àqueles que lhes

[...] falta o pré-requisito que os tornaria aptos a controlar seus próprios comportamentos no sentido de que os tornaria moralmente responsáveis por seus atos [lhes resta serem chamados de pacientes morais.] Ao paciente moral falta a habilidade de formular e, muito menos fazer valer, princípios morais e deliberar sobre um ato, entre diversos atos possíveis, se seria certo ou apropriado executar (Regan T, 2004b, p. 152).

Assim sendo, resta concluir que pacientes morais não sabem agir conforme o que seja certo ou errado, diferenciando-se, neste sentido, fundamentalmente, de agentes morais (Regan T, 2004b, p. 152).

Entretanto, os pacientes morais apresentam diferenças entre si que cabe aqui relevar. Para Regan (2004b, p. 153) há importantes distinções a se considerar sobre os pacientes morais. Indivíduos que são conscientes e sencientes, isto é, que experimentam dor e prazer, apesar de terem maiores limitações cognitivas são significantemente distintos de indivíduos onde se verifica, além da consciência e senciência, habilidades de maior complexidade cognitiva como vontades, preferências, crenças e memória. Regan (2004b, p. 153) afirma que muitos animais podem se enquadrar na mesma categoria ou ainda se situar, de acordo com suas peculiaridades, em um patamar de maior complexidade assemelhando-se a alguns seres humanos, como bebês, algumas crianças, adultos com deficiência mental ou debilitações graves que lhes destituam de autonomia. A esta diferença entre pacientes morais inferem-se diferenças de status moral, variando, portanto, a consideração que se tem por eles. Regan (2004b, p. 153) foca sua atenção, primeiramente, naqueles que apresentam um maior universo cognitivo, ou seja, todo

[...] aquele que apresenta desejos e crenças, que percebe, recorda, e pode agir intencionalmente, que tem senso de futuro, incluindo seu próprio futuro (isto é, autoconsciente), que possui uma vida emocional, que tem uma identidade psicofísica através do tempo, que tem uma espécie de autonomia (a saber, autonomia preferencial), aquele que tem a capacidade de experimentar bem estar.

É de interesse notar que muitos seres humanos que não são agentes morais apresentam tais habilidades descritas. Regan (2004b) então questiona onde traçar a linha que diferencia pacientes morais humanos de agentes morais humanos, sobretudo, como abordar essa questão no caso de animais não-humanos.

É preciso atentar-se para o fato de que, mesmo não existindo a capacidade dos pacientes morais em avaliar sobre o que é certo ou errado e agir conforme essa avaliação, eles podem ser afetados em diversas proporções pelas decisões e ações dos agentes morais, que como visto, fazem razão ao agir, ponderando sobre o certo e errado, o que os torna responsáveis por seus atos. Mas independentemente da capacidade dos pacientes morais de agir conforme o que é certo ou errado, não parece correto legitimar, de acordo com o senso comum, muitas brutalidades acometidas sobre uma criança apenas por ela não saber distinguir sobre o que é errado ou não, apenas por ela ser paciente moral. Mas a partir da perspectiva dos direitos indiretos, só se têm deveres diretos para com os próprios agentes morais, pois apenas estes podem decidir e agir conforme o que é correto ou não, ou seja, por haver reciprocidade na relação entre agentes morais, apenas estes fazem parte da comunidade moral e apenas a estes é conferida direta consideração. Nesta medida, a consideração que se tem para com uma criança não é em função dela mesma, mas em respeito àqueles que são seus responsáveis, ou seja, é um dever indireto. Se as crianças, os idosos gravemente debilitados e os adultos mentalmente comprometidos estão, de acordo com essa ótica, fora do patamar de consideração direta, os animais, de certo, também se encontram (Regan T, 2004b, pp. 154-155).

Regan (2004b, p. 155) faz ainda uma ressalva de que essa perspectiva dos deveres indiretos pode não ser uma forma de especismo, uma vez que os pacientes morais são excluídos da comunidade moral não por serem animais que não pertencem a espécie Homo sapiens, mas por lhes faltarem habilidades que lhes permitam um relacionamento recíproco com os agente morais. Vale então lembrar que esses mesmos pacientes morais podem também pertencer à espécie humana.

O que importa fundamentalmente saber é que Regan (2004b) vem argumentar que não há diferença moral significante entre agentes e pacientes morais, isto é, ter direitos morais independe da condição de agente ou paciente. E desta forma, questiona que se os humanos ‘não- paradigmáticos’ – bebês, mentalmente debilitados, entre outros, destituídos de autonomia – têm direitos morais perante a sociedade contemporânea, porque certos animais que se encontram em igual situação cognitiva ou superior a esses humanos não os podem possuir?