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A sensibilidade psicológica e emocional dos animais

6. EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL

6.2. Consciência X (In)consciência Animal

6.2.3. A sensibilidade psicológica e emocional dos animais

De acordo com a teoria da evolução pode-se assumir que um animal consciente se comporta em virtude dele “[...] desejar o que deseja e acreditar no que acredita [...]”, ou seja, as crenças e desejos desempenham papel significante e até mesmo determinante no comportamento animal (Regan T, 2004b, p. 34).

A teoria da crença-desejo busca explicar o comportamento animal – incluindo, seres humanos. O filósofo Stephen Stich propõe que é precisamente nesses moldes que uma teoria, possivelmente, explique o comportamento animal. De acordo com Regan (2004b, p.36) Stich diz que será um grande marco, se houver alguma teoria que explique os comportamentos dos animais não-humanos superiores sem recorrer a argumentos psicológicos, e se essa mesma teoria não puder ser aplicada aos animais humanos; e por último afirma: “se os animais humanos têm crenças, também as têm os não-humanos”.

É preciso notar que quando se trata do ser humano, mesmo sem comprovação, é sua consciência que o faz movimentar-se e agir, mas intrigantemente, não se diz o mesmo dos animais não-humanos (Felipe S, 2007, p. 47). Sobre essa matéria, Stich mesmo não provê um argumento explicativo à crença humana (Regan T, 2004b, p. 36). Ao se tratar dos interesses humanos, por exemplo, a filosofia moral fundamenta tais interesses em algum tipo de atividade mental. Mesmo sabendo que este último é um fenômeno sem clara explicação, a fundação se encontra nalguns pressupostos deste fenômeno. Isto é, as evidências acabam por fundamentar a existência de algo. Mas essa mesma lógica, curiosamente, não se aplica aos animais não-humanos. Ao invés, a coerência é completamente ignorada quando se refere aos seus interesses. Há fortes evidências que admitem que alguns animais sentem dor e sofrimento, entretanto, muitos filósofos morais negam tais evidências como pressupostos fundamentais. O mesmo acontece no meio científico (Felipe S, 2007, p. 47). E, concordando com Felipe (2007, p. 47), a reflexão guiada de tal maneira deve continuar a ser questionada e, consequentemente, sobrepujada.

Para Stich, animais não-humanos, assim como humanos, são possuidores de crenças e de desejos, apesar de não se saber do quê exatamente se constituem suas crenças e desejos. Existe uma outra perspectiva acerca da atribuição de crenças e desejos aos animais, a endossada pelo filósofo da Universidade de Liverpool, Richard G. Frey, de que os animais não são detentores de crenças e desejos. Frey reconhece que animais não-humanos têm necessidades, assim como uma planta ou um radiador precisam de água. Seria um disparate dizer que um radiador deseja água. Para Frey não é tão diferente quando se aplica tal idéia aos animais, assumindo que estes têm necessidades, mas não desejos. Portanto, a tese de Frey, em meio a uma série de argumentos contra a atribuição de interesses aos animais, resume-se a: 1) apenas aqueles indivíduos que têm crenças podem ter desejos; 2) animais não podem ter crenças; 3) logo, animais não podem ter desejos (Regan T, 2004b, p. 38).

No entender de Regan (2004b, p. 39), a proposta de Frey acaba por refletir de algum modo a proposta cartesiana. A diferença fundamental é de que para Descartes a linguagem era imprescindível para que um animal fosse possuidor de consciência, enquanto que Frey admite que os animais são conscientes, entretanto para que estes sejam considerados detentores de crenças, é-lhes necessário, antes, a habilidade linguística. Se, então, no entender de Frey, é necessário ter crença para ser capaz de manifestar desejos, e ter linguagem para ser portador de crenças, logo, apenas pode manifestar desejos quando possuir linguagem. Portanto a teoria da crença-desejo não se aplica, segundo Frey, aos animais (Regan T, 2004b, p. 39).

Se assumir como correto ser necessário possuir a capacidade linguística para se poder possuir desejos, então seria correto afirmar que se está um indivíduo em um país estrangeiro, no qual o idioma falado não lhe permite estabelecer qualquer comunicação verbal, tal indivíduo seria destituído de desejo por não conseguir se comunicar através de uma sentença verbal. Claramente, isso é um disparate, uma vez que o estrangeiro nunca deixou de ter crenças e desejos apenas por ser incapaz de comunicar-se através da linguagem local. Através de sinais, ou qualquer outra manifestação, mesmo sem organizar sua comunicação através de uma sentença verbal, o estrangeiro consegue exprimir seu desejo e fazer com que ele seja bem sucedido. A linguagem organizada através de sentenças facilita a comunicação entre os indivíduos. Se alguém no interior de uma casa afirma: “há um cão ferido, lá fora [...]”, aquele que ouviu, crê no que ouve, sem necessariamente ter de ver o cão ferido lá fora para concluir que há de fato um cão ferido no exterior da casa, se não desta maneira, comunicar que há um cão ferido fora de casa sem a linguagem verbal, torna-se um pouco mais complicado (Felipe S, 2007, p. 49).

Contrariamente a Frey, o dito acima leva a crer que a linguagem poderá assumir também outras manifestações, como imagens, odores, paladar. Assim acontece quando aplicado a um

animal. Um cão, por exemplo, que deseja seu osso de brinquedo não acredita na sentença: “o osso, que tanto prazer me dá, está dentro deste armário e ao arranhar esta porta meu tutor finalmente compreenderá que deve abri-la para tirar o osso lá de dentro e o dar a mim”. No entanto, a imagem – seja ela visual, gustativa ou olfativa – que o cão tem do osso de brinquedo que tanto deseja está tão forte em sua mente, que ele arranha sempre a porta em qual está o osso, não outra, identificando pelo cheiro ou outro aspecto qualquer do osso e seu tutor acaba por abrir a porta e lhe entregar o osso. O cão acabou por ter seu desejo realizado através de seu comportamento, ainda que o osso não seja uma necessidade. Até mesmo um bebê, apesar de lhe faltar a habilidade linguística verbal, não é destituído de crença, pois é verdade que quando está com fome a imagem da mamadeira pode o levar a crer que o alimento virá dali (Felipe S, 2007, p. 50).

Portanto, é possível constatar consciência e ou alguma atividade mental, mesmo sem a linguagem verbal, tanto no ser humano quanto no animal não-humano. Um cão, por exemplo, é capaz de fazer distinções e identificar suas preferências, necessidades e desejos através de suas peculiaridades olfativas, gustativas, auditivas e visuais acerca daquilo que o cerca, o que evidencia uma espécie de pensamento e consciência (Felipe S, 2007, pp. 50-51). Para já não falar naqueles símios e nalgumas aves que se mostram consistentemente aptos a utilizar a linguagem humana. Nesse sentido, é refutada a formulação de Frey que afirma que a teoria da crença-desejo não se aplica aos animais.

Essas características não são exclusivas dos humanos, embora haja muitas razões para crer que quanto mais semelhanças de ordem anatômica e fisiológica há entre um humano e outro ser, mais fortes são as evidências de consciência neste ser (Regan T, 2004b, p. 76). Mas isso não é um impedimento para que os animais de uma forma geral sejam considerados, pois existem determinadas condições para que eles tenham uma vida adequada e, ou mesmo sobrevivam, isto é, tanto as necessidades físico-materiais quanto as necessidades sociais e psicológicas, comumente observadas como fundamentais para o desenvolvimento adequado de indivíduos da espécie humana, assim também o são para diversas outras espécies, sobretudo, animais quais possuem uma capacidade cognitiva mais desenvolvida.