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Repercussão Histórica da Experimentação Animal na

6. EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL

6.6. Repercussão Histórica da Experimentação Animal na

A ciência se encontra ainda imensamente dependente do modelo animal. E a vivissecção, ou experimentação animal, já não mais condiz com o que se deve ser buscado enquanto práticas metodológicas adequadas na contemporaneidade. O conhecimento sobre ser humano, animais, ciência, tecnologia, mudou. O conceito sobre esses saberes já não é mais o mesmo que há 380 anos atrás. A humanização, que vem acontecendo ao longo da história está aí para provar que o ser humano, bem como o conhecimento que o conceitua já não são mais os mesmos. O desenvolvimento de conceitos como a dignidade, a justiça, também reforçam essa mudança. Houve um aprimoramento do pensamento ético, inquestionavelmente (Tréz T, 2008a).

Sendo assim, é verdade também dizer que o animal não é mais o mesmo. Estudos etológicos, especialmente não behavioristas, levaram a ciência entrar na subjetividade dos animais e verificar expressão de sensibilidade, emotividade, racionalidade, expressão de cultura, fazendo com que mudassem aos olhos humanos, ou seja, não é mais um ser insensível como era promovido por Descartes, embora suas idéias ainda influenciem o pensamento moderno, de certa forma (Tréz T, 2008a).

Por isso, pode-se dizer que é como um retorno no tempo, buscar práticas que são intensamente questionáveis, tanto para o bem dos animais não-humanos quanto para o bem dos humanos. A vivissecção é um modelo que expressa tamanha força que se mantém, mesmo não sendo mais tão adequada à contemporaneidade. O modelo animal se estabeleceu a partir da ciência, mas não pode ser este modelo identificado como ciência, isto é, para se fazer ciência não é preciso se utilizar do modelo animal (Tréz T, 2008a).

Existem no âmbito da ciência, diferentes manifestações daquilo que é o empreendimento científico. O que leva a afirmar que a ciência não é única, sobretudo, uma integração de inúmeras e distintas expressões, e nesse sentido a ciência é naturalmente convertida ao seu plural: ciências. Existe então aqui neste entrevero a ciência que acredita na inadequação do modelo animal e, por isso, busca métodos e modelo alternativos a esse modelo hegemônico. O que não significa que por ser uma ciência minoritária tenha menos relevância científica, não devendo ser suplantada pela hegemonia que credita o modelo animal (Tréz T, 2008a).

Nesse sentido é preciso cuidado ao usar o termo ciência e cientista, pois são diversos os cientistas, também diversas as ciências. E até podemos falar na boa e má ciência. Se uma ciência não tem preocupações éticas, uma ciência boa não parece ser.

Não se pode ignorar que este modelo é fruto de um paradigma no qual a humanidade está inscrita. Deste modo o modelo animal é um ‘coletivo de pensamento’ científico que reflete um ‘estilo de pensamento’, como categoriza Ludwik Fleck122 (Tréz T, 2008a).

Como são diversas as ciências, cada qual endossando um estilo de pensamento, na mesma medida em que existem cientistas que declaram o modelo animal como uma solução científica, outros declaram ser um obstáculo para o avanço da boa ciência. Por conseguinte, quando surge a crítica – histórica, epistemológica, técno-científica, entre outras mais – sobre o modelo animal, está-se a criticar o paradigma, o ‘coletivo de pensamento’ no qual está inscrito o cientista que adota este estilo de pensamento. Portanto é natural e compreensível que este cientista seja refratário a estas críticas, pois é neste modelo que este cientista muitas vezes firma seu próprio projeto de vida. Isto é, é compreensível que o cientista que dedicou toda sua vida profissional ao modelo vivisseccionista não aceite muito bem estas críticas. Assim como é compreensível que há 380 anos atrás se fazia uso dos animais para fins experimentais. Quando se critica o modelo, o sujeito que faz parte deste coletivo sente-se agredido pela crítica. Não somente o coletivo é atingido, mas o impacto se dá muito acentuado no indivíduo integrado a este coletivo, pois é ali que ele circunscreve seu projeto de vida (Tréz T, 2008a).

Tal questão vai ainda mais longe quando um projeto de vida pode interferir em outros projetos de vida e em potenciais projetos de vida. E aí que entra o papel o ensino na perpetuação de um modelo científico. A ética na ciência é por vezes submetida aos coletivos de pensamento, isto é, o que caracteriza o que é ético ou não, é o contexto inserido em uma visão de mundo, paradigma. Caracterizando-se por ser uma ética identitária. Surge daí a questão da identidade ética, que não diz respeito somente a valores, mas a projetos de vida, à ‘vida que eu quero viver’. Já não é mais compreendida como uma opção, mas como uma condição (Tréz T, 2008a).

Isso repercute na vida dos educadores e educandos em ciências que são condicionados e bombardeados por valores e projetos de vidas. É de fundamental importância ter-se cuidado com

122 Na primeira metade do século XX, o médico Ludwik Fleck desenvolveu conceitos que categorizam um

saber científico de acordo com o contexto ou paradigma no qual está inserido. Portanto, ‘estilo de pensamento’ e coletivos de pensamento’ são categorias que expressam um contexto científico. Löwy, Ilana. Ludwik Fleck and the history os sciences today [e a presente história das ciências]. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, I(1): pp. 7-18, jul.-out., 1994.

os valores que são empreendidos no ensino superior científico. O estudante pode ser ele mesmo o desencadeador de novas idéias e novos projetos de vida que estão sendo colocados no âmbito da ciência. Isso choca cada vez mais com os projetos de vida imersos no modelo de experimentação animal. Contudo, os estudantes são sempre muito condicionados pelo modelo vigente e criticados se não se enquadrarem a tal modelo. Por isso dizer que a ciência deve tender a ser moderadora e não doutrinadora. Não significa que a ciência será inativa ou neutra, mas que assegurará a pluralidade dela mesma (Tréz T, 2008a).

Como se pode apreender através da trajetória da experimentação animal, a utilização do modelo animal no ensino é especialmente diferente da pesquisa. No ensino a utilização tem um caráter mais instrumental do que paradigmático como é na pesquisa. Muitos professores aceitam métodos alternativos, mas na pesquisa a experimentação animal é veementemente protegida, quase que sagradamente (Tréz T, 2008a). Mas quando se percebe a importância da educação na mobilidade do conhecimento, e quando se inquieta por mudanças, é à educação que se recorre.