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A ABORDAGEM SEMIÓTICA

No documento A palavra na pintura portuguesa no séc. XX (páginas 37-57)

CAPÍTULO 2 | TEXTO VERSUS IMAGEM

2.1. A ABORDAGEM SEMIÓTICA

A reflexão sobre a palavra e a imagem que tem vindo a ser feita, no âmbito da Filosofia, da Estética ou da História da Arte encontra um outro domínio do conhecimento, delas distinto. Referimo-nos à semiótica,30 a qual, dado o seu objecto intrínseco, se vai constituir como um método de análise de primordial importância para este estudo, na medida em que se mostra apropriada para lidar tanto com textos como com imagens e, desta forma, certamente lidar com as formas híbridas texto/imagem como as que aqui consideramos.

Apesar da semiótica ser ainda uma ciência muito jovem, a reflexão sobre o signo e a significação é tão antiga quanto o pensamento filosófico, como anuncia o anterior

30 Optámos pelo termo semiótica, dado que, em 1969, os mentores da International Association of Semiotics Studies (entre eles Barthes, Benveniste, Greimas, Jakobson, Lévi-Strauss e Sebeok) decidiram adoptar o termo Semiotics como aquele que a partir daí englobaria a totalidade das áreas de pesquisa sobre os diferentes sistemas de significação e seus respectivos elementos, quer as tradicionalmente afectas à semiologia, quer as afectas à semiótica geral. Esta decisão foi aceite a nível internacional e tem sido seguida, desde então.

Sabemos, no entanto, que a diferenciação entre semiologia e semiótica foi frequentemente esgrimida em termos teóricos e que era comum a associação do termo Semiótica à tradição filosófica da teoria dos signos, iniciada com Peirce, e a associação do termo Semiologia a uma escola francófona, fortemente marcada por F. de Saussure e pelas suas concepções de psicologia social, na qual todas as disciplinas da Linguística beberam uma metalinguagem específica que viria a dominar as análises da linguagem verbal, enquanto sistema de signos, mas também as de outros sistemas comunicativos. No actual panorama, em que a maioria das mensagens (enquanto objectos/textos comunicativos oferecidos à interpretação) agregam mais do que um sistema comunicativo, partilhamos a opinião de que não faz mais sentido discutir se a semiótica engloba a linguística (e a linguagem verbal é apenas um dos muitos sistemas semióticos) ou se a análise linguística é a matriz para todas as análises dos restantes sistemas semióticos (e estes reportar-se-ão apenas a sistemas não-linguísticos), mas antes perceber que, apesar de registar ocorrências dominantes nas interacções humanas, o sistema linguístico não sobrevive mais a análises estritamente linguísticas, dadas as possibilidades multimodais de configurações de mensagens e que a metalinguagem da análise linguística, dada a sua coesão e coerência estrutural, é útil a todos os outros sistemas, ainda que coadjuvada pontualmente por metalinguagens específicas.

O que se nos afigura como verdadeiramente importante é ser capaz de, partindo da noção de “elemento que significa”, encontrar diferenças e semelhanças que possam sinergeticamente ser produtoras de um discurso analítico sobre as representações naturais ou artificiais do real e ou dos mundos ficcionais. Para tal, jamais poderemos esquecer que faz parte da história do termo semiótica, como refere Nöth, o ramo da medicina que estuda os sintomas — desde Galen de Pergamun (138- 199) o qual se refere a todos os processos de diagnóstico como processos de semióse — assim como todas as derivações lexicais para semântica, semantologia, semasiologia e que cada um dos elementos que significa, seja ícone, símbolo, sinal, signo, índice ou alegoria, evidencia certas particularidades para cada um dos seus relata e para as formas arbitrárias ou não-arbitrárias como estes se relacionam entre si em função dos diferentes textos e contextos onde ocorrem. Por isso mesmo, é a forma de plural semiotics (que infelizmente não faria sentido em português), mais do que semiotic, aquela que se usa, hoje em dia, em língua inglesa, de modo a que a designação da ciência dê conta da pluralidade de objectos de estudo que abarca. in NÖTH, Winfried - Handbook of Semiotics.

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capítulo. Com efeito, se seguirmos a análise de John Deely31 na obra Introdução à Semiótica, acompanharemos o interesse pelos signos desde as escolas gregas e latinas, especialmente no seio dos lógicos, passando pela escolástica medieval, com Santo Agostinho e com a contribuição mais tardia de William de Ockham, o Tratado dos

Signos de João de São Tomás que, embora tenha vivido em pleno século XVII, se pode

considerar, ainda, um medieval no estilo, espírito e convicções, encerrando pois o debate sobre o signo tal como foi conduzido pela escolástica. O interesse pelo signo passa depois por Descartes e John Locke (1632-1704), o qual define, no seu Ensaio

Sobre o Entendimento Humano,32aSemiótica ou Lógica, entendida como doutrina dos

sinais, sendo os principais de entre eles as palavras. O tema da Semiótica, para Locke, serão os sinais de que o homem faz uso para compreender as coisas ou comunicá-las. Ou seja, o intelecto não conhece nem opera com as coisas elas próprias, mas somente com a sua representação que ocorre por meio de sinais – a semiótica lockiana encerra a dupla vertente gnoseológica / de significação e comunicacional.

Foi preciso esperar por Humboldt,33 Peirce e Saussure para uma refundação do âmbito académico da semiótica que é aquele onde entroncam as investigações contemporâneas sobre o tema aqui em debate.

Durante o século XIX Charles Sanders Peirce formulou um sistema ternário de categorização para os diferentes tipos de signos. Embora a estrutura da sua teoria prove ser extremamente complexa, o mais importante permanece a distinção entre os três tipos de signos: ícone, símbolo e índice. Sucintamente poderemos dizer que, para Peirce o signos poderão ser caracterizados como:

Ícone — quando um signo se associa ao Objecto que ele denota meramente em

virtude das características que este possui, independentemente do Objecto realmente existir ou não.

Índice — quando um signo se associa ao Objecto que ele denota em virtude de

ser realmente afectado por esse Objecto.

31 "The Relation of Logic to Semiotics" no âmbito do primeiro Summer Institute for Semiotic and Structural Studies, realizado no Victoria College da Universidade de Toronto, Junho, 1980. Edição portuguesa do texto FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN - Introdução à semiótica — história e

doutrina. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/Serviço de educação, 1995.

32 LOCKE, John - Ensaio Sobre o Entendimento Humano. Livro I e II, Livro III e IV. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,1999. ISBN 978-972-31-0856-9.

33 Friedrich Wilhelm Christian Karl Ferdinand, Barão von Humboldt (n.22 de junho de 1767, Potsdam – f. 8 de abril de 1835, Berlim)

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Símbolo — quando um signo se associa ao Objecto que ele denota em virtude de

uma lei, geralmente uma associação de ideias gerais, que opera de forma a provocar uma interpretação do Signo que o remete para o Objecto

O símbolo está sempre implicitamente ligado a qualquer coisa, nomeadamente ao objecto ou à coisa a que o signo se refere. Um ícone é “igual” ao objecto, embora esta correlação seja notoriamente vaga.

Nos Collected Papers,34 Peirce identifica certos tipos de ícones, entre os quais as pinturas, diagramas e fórmulas algébricas.35 Então, as imagens são ícones na terminologia de Peirce, da mesma forma que o são os números, embora a relação entre uma imagem e o seu referente seja claramente diferente da do número com aquilo “que ele representa”.

A designação das imagens como ícones tem sido tomada como certa, embora a obra de Mitchell tenha identificado esta hegemonia do ícone como deficiente (ou deficitária).

Um índice, na terminologia de Peirce, tem uma relação física com o objecto. Ele afirma que as fotografias são índices porque elas foram produzidas sob tais

circunstâncias que eram fisicamente forçadas a corresponder ponto por ponto à

natureza.36 Se a fotografia é realmente mais natural do que uma pintura ou se a sua

composição é arranjada a fim de estimular uma dada resposta por parte do observador é questionável.

A teoria tripartida de Peirce, o primeiro dos modernos semióticos, tem a vantagem de caracterizar tanto palavras como imagens. O que do trabalho de Peirce emerge é a necessidade de criar uma estrutura que seja ela própria fragmentada para discutir o signo.

Ferdinand de Saussure é aceite como sendo quem estabeleceu os fundamentos da linguística moderna, uma vez que os seus escritos se centram quase exclusivamente nos signos linguísticos. Nascido numa família de cientistas, aplicou a metodologia científica ao estudo da linguagem. O Cours de Linguistique Générale37 é uma

34 PEIRCE, Charles Sanders - Collected Papers. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1932. Vol,2.

35 Ibid. p.158. 36 Ibid.. p.159.

37 SAUSSURE, Ferdinand de - Cours de Linguistique Générale. Paris: Editions Payot et Rivages, 1985. ISBN 9782228500708.

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compilação dos cursos dados por ele na Universidade de Genebra e transcritos pelos seus alunos.

Saussure concebeu o signo como sendo composto por construtos mentais inseparáveis: o significado e o significante. O significado (conceito) corresponderia a uma imagem mental conceptual e o significante, a uma imagem mental acústica. A relação entre estes dois relata seria arbitrária, imotivada e convencional (mais tarde definir-se-á que o que é arbitrário, imotivado e convencional é a relação entre o referente e o signo linguístico na sua totalidade de significante e significado).

A linguagem verbal oral é um sistema de signos expressando uma ideia e por isso pode ser comparável à escrita, à linguagem dos surdos mudos, aos ritos simbólicos, às fórmulas de cortesia, aos sinais militares, etc., etc., a relação entre os dois relata em cada um dos elementos significativos nestes outros sistemas é que pode ser diferente. A linguagem verbal oral é apenas o mais importante destes sistemas.38

O estudo da semiologia que Saussure advogava seria um estudo que hoje convocaria noções de sociolinguística, pois interessava-lhe saber como é que os signos funcionam num particular contexto social. O facto de Saussure ser apenas uma geração mais velho do que os futuristas, torna a sua teoria particularmente cativante para o estudo das vanguardas. Paradigmático é o exemplo de Magritte que, durante uma parte da carreira, explorou, nas suas obras, o signo especificamente nos termos de Saussure.

A representação visual da natureza do signo usado por Saussure exclui a possibilidade de categorias intermédias de signos como naqueles em que a relação do significado e do significante não é em absoluto arbitrária. O traço que separa os dois termos (significado e significante) parece ser de facto uma barreira à interpenetração.

Significado ———————————

Significante

O próprio Saussure não concordava com o facto de que as palavras onomatopaicas não pudessem ser arbitrárias e questionou a validade de uma eventual objecção à existência de uma relação arbitrária entre significado e significante nas

38 Ibid. p.33.

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onomatopeias.39 Refutou esta questão afirmando que as onomatopaicas nunca são um elemento orgânico do sistema linguístico. Mais ainda, elas são relativamente raras e não reproduzem o som real, apenas se aproximam dele, o que ele provou constatando que uma palavra onomatopaica para o mesmo som, difere de uma linguagem para outra. Finalmente, uma vez que uma onomatopaica esteja codificada na linguagem, fica sujeita às regras da morfologia como as outras palavras, tornando-as tão arbitrária quanto qualquer outro signo linguístico. Com isto, Saussure provou que as palavras onomatopaicas são signos linguísticos em si mesmos. Todos os signos que descrevem um referente diferem de linguagem para linguagem; estão sujeitos a formulações fonológicas e morfológicas. Embora as palavras onomatopaicas exibam as mesmas características dos outros signos linguísticos, a relação ontológica entre o signo e o referente é clara e as palavras onomatopaicas podem ser imitações da tradução poética de um som real.40

Contrariamente a Platão , Leonardo e Lessing, que avaliavam as artes umas em oposição às outras, mas juntando pintura e literatura, por exemplo, os sistemas de significado propostos pelos semióticos, tentaram chegar às raízes da distinção entre sistemas e por fim verificaram que o sistema se desmoronou. A fenda tornou-se visível.

A descrição do signo proposta por Peirce e Saussure implica a noção de contexto uma vez que ambas relacionam o signo linguístico com um objecto ou um referente. Vários membros da Escola de Praga, incluindo talvez o seu mais famoso membro, Roman Jakobson, explicitamente descrevem a linguagem como uma interacção entre diferentes membros de uma comunidade linguística através de um meio particular e por isso deslocam-se do estudo de signos isolados para o do sistemas de signos. Jakobson centra-se na poesia e os seus modelos mais produtivos brotam da sua análise desta forma literária altamente motivadora.

Embora Jakobson não negue a utilidade dos modelos quer de Saussure quer de Peirce para o signo, ele deseja expandir o âmbito da análise linguística para o texto e usa os modelos anteriores como base para a construção destas teorias.

De facto, certas questões de gramática fazem parte de uma componente da linguagem, o do sintagma, que a análise do signo de Saussure não desenvolvia.

39 SAUSSURE, Ferdinand de - Cours de Linguistique Générale. p.101.

40 A representação de sons, nas telas futuristas, por exemplo, não nos afastam, nesta perspectiva, da relação entre imagem e palavra.

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No seu fundamental artigo “Closing Statement: Linguistics and Poetics”41, Jakobson afirma que as mensagens poéticas se estruturam de acordo com um modelo hoje em dia ainda famoso.

Este modelo de comunicação compreende diferentes tipos de discussão orientados para diferentes componentes do modelo. O discurso orientado para o contexto é denotativo ou referencial; para o emissor, emotivo; para o receptor,

conotativo, o que significa que tem como intenção produzir um efeito; para o contacto, fático, o que testa o funcionamento do canal; para o código, metalinguístico, o que

significa que testa o código; e para a mensagem, poético. Aliás a poesia é uma mensagem emitida pelo seu próprio prazer. De acordo com a teoria de Jakobson, e de acordo com os preceitos gerais da tradição formalista da Escola de Praga, o discurso poético é tão influenciado pela forma da mensagem poética como pelo conteúdo.

Em muitas das suas obras, Jakobson aplica o seu modelo de comunicação à poesia com o fim de se aperceber se certos autores ou poemas são mais indicativos de uma certa componente do modelo do que de outras. Num artigo particularmente pertinente para o presente estudo, Jakobson faz a análise do Futurismo e da arte moderna em geral. Examina a forma como o conceito de perspectiva mimética mudou na arte Modernista.

A perspectiva mimética implica que um objecto seja visto apenas de um ponto de vista, mas o Cubismo, que advogava as perspectivas múltiplas, pôs em causa o absolutismo desta noção.42

O Futurismo não trouxe nenhuma novidade relativamente à forma de produzir artística, mas antes um novo conceito estético à arte. A tela futurista tornou-se o local para uma demonstração pictórica dos dogmas do movimento, ou seja, da glorificação do movimento. Jakobson dá exemplos da ideia futurista de dissecar o movimento nas suas partes componentes, eliminando assim a percepção unilateral e estática.43 Isto é mais visível, por exemplo, na pintura de Carlo Carrá ou Giacomo Balla do que na de Umberto Boccioni, mas é certamente uma afirmação válida. Jakobson afirma, também correctamente, que este tipo de pintura é oposta ao automatismo da percepção, uma

41 JAKOBSON, Roman - Closing Statement: Linguistics and Poetics. in Style in Language. New York: T.A. Sebeok, 1960. p.350-377.

42 JAKOBSON,Roman - Questions de poétique. Paris: Seuil, 1973. ISBN 2020020424, p.25. 43 Ibid. p.26.

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vez que ela atrai a atenção do observador para o objecto.44Pode-se inferir, a partir desta definição, que a pintura futurista mantém o mesmo tipo de relação com a pintura mimética que a poesia mantém com a linguagem; é muito mais dependente da forma do que do conteúdo.

Jakobson discute a pintura em termos mais gerais, bem como a música, para explorar a sua natureza semiótica. Em particular debruça-se sobre a mimesis e a sua importância para algumas das belas artes ao contrário do que acontece para outras. Começa com o postulado de que a arte moderna (não mimética) muitas vezes evoca um sentimento de não compreensão naqueles que a vêem, enquanto que a não compreensão não parece ser um factor determinante para a percepção musical. Ele explica esta diferença por uma questão biológica; existe uma diferença de funcionamento entre o ouvido e o olho. O ícone, ou o que seja visualmente percepcionado, deve ter uma semelhança com o seu referente, enquanto que os símbolos, ou o que quer que seja auditivamente percepcionado, de tal não necessitam. Assim, na pintura, as convenções mantêm a semelhança, mas se faltar a semelhança convencional, o observador não consegue decifrar a imagem.45 Por outro lado a música é definida como sendo simbólica e portanto semelhante no seu funcionamento ao texto literário; é menos sujeita à mimesis do que os ícones, uma vez que não depende da semelhança. Jakobson foi capaz de pegar em elementos da semiótica de Peirce e usá-los para definir formas artísticas não literárias. Parece ser claro que a grande vantagem da formulação de Jakobson é que ela lida com a comunicação como um processo global, portanto, começa por fazer a ponte sobre a fenda entre signos.

Notável foi, também, a contribuição de E.H.Gombrich, ao constatar que aprisionar a pintura numa teoria do signo significava aprisioná-la dentro do campo do

poder de que ela tinha sido excluída.

A data recente deste artigo significa que o debate sobre a metodologia mais adequada para produções desta natureza está longe de estar acabada, a fragmentação prova ser um princípio estruturante implícito dos estudos semióticos, como uma breve observação de muitas das teorias semióticas chave permitirá perceber.

44 Ibid. p.29.

45 As convenções aqui são apenas válidas sincronicamente. A pintura medieval ou egípcia, por exemplo, são figurativas, mas estão longe de ser realistas no nosso sentido da palavra, mas obedecem a convenções válidas no tempo da sua produção.

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Roland Barthes, no seu livro dedicado à fotografia, Câmara Clara, afirma que existe uma relação entre a realidade e a fotografia. As pessoas ou os locais numa fotografia, inegavelmente existiam num determinado momento, e por isso, não são de imediato distinguíveis do seu referente.46

O referente fotográfico não é opcionalmente real mas necessariamente real, uma vez que ele se encontra em frente à lente, toda a fotografia é um certificado de

presença, diz o autor, nela, o poder de autenticação sobrepõe-se ao poder de

representação.47 A fotografia é a sobreposição de realidade e do passado. Como mais

tarde diz Barthes em Image, Music, Text, a fotografia não é a realidade, mas pelo menos é o seu perfeito analogon.48 É uma contínua mensagem sem um código e não há necessidade de discutir signos (unidades ou realidade) quando se discute sobre fotografias, porque estas unidades não são substancialmente diferentes da realidade que representam. Não há, portanto, necessidade de definir um código-substituto entre o objecto e a imagem.

Em Image, Music, Text, Barthes discute também a junção particular de texto e imagem na fotografia, nomeadamente os textos que acompanham as imagens. O texto constitui, na sua obra, uma mensagem parasita, expressa para conotar a imagem, para

‘a avivar’ com um ou mais significados de segunda ordem.49 A imagem já não ilustra a

palavra, mas sim o contrário, sobrecarregando a imagem com uma imaginação cultural ou moral. Quando menciona a fotografia, na altura uma relativamente nova forma artística, na opinião de Clara Orban,50 Peirce não é capaz de explorar a complexidade desta forma de registo de imagem; isso foi objectivo de semióticos mais modernos, entre teorias estruturalistas e pós-estruturalistas tais como as de Barthes.

Embora a fotografia tenha sido um importante meio para o Futurismo (Anton Giulio Bragaglia liderou o movimento neste género artístico) e para o Surrealismo (Man Ray foi o mais representativo dos fotógrafos surrealistas), vindo a acompanhar, de

46 BARTHES, Roland - A Câmara Clara. Lisboa: Edições 70, 1981. p.5. 47 Ibid. p.122 e 125.

48 O analogon setecentista consiste, precisamente, na ambivalência entre a metaforização da máquina

pela vida e a metaforização da vida pela máquina. in BARTHES, Roland - Image, Music, Text. LA:

Fontana Press, 1977. ISBN 0-00-6861350. p.17. 49 Ibid. p. 25.

50 ORBAN, Clara - The Culture of Fragments: Words and Images in Futurism and Surrealism. Amsterdam-Atlanta: Edition Rodopi B.V., 1997. ISBN 90-420-0111-99. p.15.

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algum modo, quase toda a posterior produção artística até à actualidade, ela não será central para a nossa discussão sobre palavras e imagens.

Desenvolvendo as alusões feitas por Jakobson à pintura em Arts and Signs, Mieczylaw Wallis51 traça o percurso da arte desde a época medieval até ao período moderno e desenvolve muitos conceitos úteis na sua elaboração de um sistema de

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