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A PALAVRA DADAÍSTA

No documento A palavra na pintura portuguesa no séc. XX (páginas 151-160)

C APÍTULO 5 | A PALAVRA NAS VANGUARDAS ARTÍSTICAS INTERNACIONAIS

5.5. A PALAVRA DADAÍSTA

Revestindo uma forma rígida mas arbitrária, as palavras incarnavam aos olhos dos dadaístas a súmula da decadência e da inautenticidade social. Nos anos do pós primeira grande guerra, era frequente denunciar o empobrecimento da linguagem. James Joyce, por exemplo, em Ulisses (1922), e ainda mais em Finnegans Wake (1939), exprime as suas dúvidas quanto à aptidão da palavra escrita para funcionar como um verdadeiro meio de comunicação, pondo em evidência a autonomia do signo

Com os dadaístas a linguagem iria conhecer uma desconstrução radical. Refundidas de forma a tomarem a forma de entidades materiais despidas de sentido, as palavras foram deliberadamente empobrecidas: em vez de fazer delas um verdadeiro meio de expressão, os dadaístas puseram-nas ao serviço de um discurso sem sentido. Os poetas do movimento Dada utilizaram palavras enigmáticas, completamente inventadas, abstendo-se de estabelecer transições claras entre os seus diferentes objectivos e as ligações evidentes entre as palavras. O seu estilo parece, por vezes, telegráfico, com toda uma gama de significações condensadas numa só palavra ou nem algumas palavras de aparência incompreensíveis, não tendo qualquer informação necessária para a sua compreensão.

Estes poetas empregaram muitas vezes palavras vulgares de uma forma particular, eliminando ou complicando o contexto causal ou efectivo habitual da linguagem utilizada. Despojaram também a linguagem da sua dimensão metafórica e preferiram, antes, a opacidade sobre a transparência, tendo preferencialmente interesse no aspecto auditivo da língua oral e na materialidade visual da língua escrita.

Na poesia ‘dada’, as palavras são, na maior parte das vezes, determinadas pela rima ou a aliteração e não pelo sentido. A escolha das palavras e das figuras é frequentemente função, não do seu eventual poder descritivo ou narrativo, mas da sua aptidão para se integrarem numa colagem cujo sentido é obscuro. Como a sintaxe foi abandonada, os resultados são perturbadores.

Apesar de reconhecer a dívida do Dadaísmo para com o Futurismo, Huelsenbeck insistia no facto de os dadaístas pretenderem atingir o absurdo, e Hugo Ball, criador do

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Cabaret Voltaire, dizia em 1916, que já se tinha de tal forma evoluído no sentido da

plasticidade da palavra que seria difícil ir ainda mais longe:

Obtivemos este resultado abandonando toda a construção lógica e racional da frase e, por consequência, renunciámos a toda a obra documental.

O signo linguístico é o que a razão produziu de mais complexo e de mais determinante. Atacar a linguagem é, portanto, uma forma de questionar os valores mais preciosos do Ocidente. A receita para fazer uma composição poética,259 devida ao escritor mais niilista dos dadaístas, o poeta de origem romena Tristan Tzara, também não visava só a sintaxe e a semântica da linguagem verbal. Para Tzara, a cultura era um logro sem consistência e os processos que ele utilizava baseavam-se num anti- esteticismo fundado nos princípios nietzschianos da destruição criadora. Ele escreveu no manifesto de 1918: DADA NÃO SIGNIFICA NADA.

A aproximação/comparação directa da linguagem da poesia com a linguagem empobrecida dos media fez com que o conteúdo e o estilo tipográfico dos poemas de Tzara e das suas revistas, exibissem a marca da sua fonte de inspiração: o mundo da imprensa e da publicidade. As suas obras parecem muitas vezes, tanto à primeira vista como na leitura, compostas com extractos de anúncios publicitários cuja assemblagem heteróclita visa dificultar a leitura linear e a compreensão das estruturas sintácticas que nos são familiares. Para Tzara era obrigação do Dadaísmo denegrir as pretensões da cultura burguesa e por isso, o movimento libertou as palavras da obrigação de terem um sentido o que lhes permitiu anunciar o absurdo.

Os dadaístas tentaram juntar as artes numa nova união. Hugo Ball declarou:

A palavra e a imagem são apenas uma coisa. O poeta e o pintor são inseparáveis.260

O seu desejo era a fusão interactiva entre a pintura, a escultura, a poesia, a prosa, as artes de cena e a música.

259 Prenez un journal.

Prenez des ciseaux.

Choisissez dans ce journal un article ayant la longueur que vous comptez donner à votre poème. Découpez l’article.

Découpez ensuite avec soin chacun des mots qui forment cet article et mettez-les dans un sac. Agitez doucement.

Sortez ensuite chaque coupure l’une après l’autre.

Copiez consciencieusement dans l’ordre où elles ont quitté le sac.

Le poème vous ressemblera. BALL, Hugo - Romantisme. Le mot et l’image. in La Flutte hors du temps:

journal 1913-1921 (1927). trad. Sabine Wolf. Bern: MBP Trading, 1995. p. 140.

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O objectivo não era o de criar uma obra de arte total, mas antes apagar qualquer linha de demarcação entre a arte e a não arte, entre a arte e a vida, contestando toda a hierarquia entre as artes e o valor atribuído à Arte pela sociedade.

A obra do pintor francês Francis Picabia — que estabeleceu em Nova Iorque uma base transatlântica do Dadaísmo — ilustra esta hibridização dos géneros. Por influência de Tzara, estudou a linguagem, criando nas revistas que editava efeitos tipográficos atraentes a que eram atribuídas dimensões psicológicas.261 Embora atacando todos os valores estabelecidos, visava sobretudo a relação entre o objecto e o nome, adoptando estratégias perturbadoras, como por exemplo, quando criou uma obra em que associava as palavras LA SAINTE VIERGE a um borrão negro.

Nos seus desenhos e quadros mecanomórficos dos anos 10 e 20, Picabia transpôs o culto futurista pela máquina para o domínio do retrato e da sexualidade e, inspirando-se em textos de Alfred Jarry e de Raymond Roussel, começou a usar uma terminologia e processos pseudo-científicos para troçar do idealismo humano262 (são sátiras à dimensão tecnológica do progresso social ao mesmo tempo que ridicularizam o culto da burguesia pela arte).

Em Prenez garde à la peinture (1919), uma série de peças mecânicas e de palavras dispostas na tela como legendas que, no entanto nada clarificam, criam uma amálgama em que as expressões carecem de sentido. As peças mecânicas são fragmentos retirados de manuais técnicos formando conjuntos enigmáticos e a sua junção a palavras e expressões que nada têm a ver com elas, minam a função tradicional da relação da palavra com a imagem, negando a sua necessidade para precisar o sentido que convém atribuir ao objecto representado. O título não tem forçosamente de se

relacionar com o sentido da obra, pois, um senhor pode chamar-se Moreno e ser loiro.263

261 ZAYAS, M. de - 291 - A New Publication. Camera Work. [S.l.]: [s.n.]. nº 48 (Outubro 1916). Citação in CAMFIELD, W. - Francis Picabia: His Art, Life, and Times. NY: Princeton, 1979. p.75

262 Ver, por exemplo, JARRY, Alfred - Ubu roi. [S.l.]: [s.n], 1896; e ROUSSEL, Raymond - Impressions

d’Afrique. Paris: [s.n], 1912.

263 “M.B.” (Marcel Boulanger?) - Le dadaisme n’est qu’une farce inconsistante. L’Action française. [S.l.]: [s.n.]. (14 Fevereiro 1920). p. 2.

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Picabia queria destruir toda a esperança de compreensão mútua a partir de um código semântico comum. Mas esta rejeição voluntária da razão apresentava, segundo ele, uma vantagem imediata, embora de curta duração:

Pintamos sem nos preocuparmos em representar objectos e escrevemos sem preocupação com o sentido das palavras. Não procuramos senão o prazer em nos exprimirmos, mas dando aos esquemas que traçamos, às palavras que alinhamos, um sentido simbólico, um valor não só fora de todas as convenções mas tendo em atenção uma convenção instável, ocasional, que não dura senão o instante que a utilizamos. Assim, acabada a obra, perdida de vista essa convenção, ela já não é inteligível e, aliás, não interessa para nada. Pertence ao passado.264

Marcel Duchamp juntou-se a Picabia em Nova Iorque e, embora próximo do espírito dada, não era atraído, como Picabia e Tzara, pelas motivações niilistas, pretendendo antes orientar as energias do meio artístico para questões mais filosóficas. Ele afirmava querer recolocar a arte ao serviço do espírito, libertá-la das preocupações de ordem puramente visual. Para ele, ser dadaísta era levar as artes plásticas para a ordem da imaginação literária:

O Dadaísmo era um movimento de protesto extremo contra o aspecto físico da pintura, uma atitude metafísica, [...] intimamente e conscientemente ligada à literatura. 265

Duchamp foi também buscar à obra de Jarry e de Roussel o característico tipo de dissociação entre a palavra e o seu contexto habitual, procurando acima de tudo atingir o non-sense e o princípio da indiferença, que ocupava um lugar central na sua filosofia. Esta atitude deliberada tinha como objectivo evitar qualquer forma de atitude pessoal ou assumir qualquer posição: Duchamp, assim, podia entregar-se com desprendimento à arte da especulação filosófica — uma especulação pouco ortodoxa e muitas vezes divertida.

Constituindo uma espécie de híbrido visual/verbal, o conceito de ready-made era um dos elementos chave da sua estratégia. Duchamp esclareceu, mais tarde, que a pequena frase que, por vezes, inscrevia nos ready-made, era uma das suas

264 Nous peignons sans nous préoccuper de représenter des objets et nous écrivons sans prendre garde

au sens des mots. Nous ne cherchons que le plaisir de nous exprimer, mais en donnant aux schémas que nous traçons, aux mots que nous alignons un sens symbolique, une valeur de traduction : non seulement en dehors de toute convention usitée, mais par une convention instable, hasardeuse, qui ne dure que l’instant même où nous les utilisons. Aussi, l’œuvre achevée, cette convention perdue de vue, elle m’est inintelligible, et du reste ne m’intéresse plus. Elle est du passé. PICABIA, Francis –

Déclaration de F.P.. in PICABIA, Francis – Écrits. Paris: Librairie Central des Beaux-Arts, 1975. Vol. I (1915-1920). p.192.

265 Marcel Duchamp, in entrevista a James Johnson Sweeney em 1946. Reimpressão em SANOUILLET, M. e PETERSON, E. (ed.) - The Essential Writtings of Marcel Duchamp. Londres: [s.n], 1975. p.125.

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características essenciais: em vez de descrever o objecto como se fosse um título, ela levava o espírito do espectador para outras regiões, mais verbais.266

Convencido de que a linguagem não dava qualquer acesso directo a uma realidade objectiva, Duchamp praticou uma forma extrema de nominalismo, despojando a linguagem da sua dimensão metafórica e não considerando senão a sua forma: para ele, a palavra não era mais do que um agregado de letras desprovido de sentido intrínseco, as frases não eram mais do que um conjunto de lugares comuns, de aforismos, de provérbios e de sentenças. As palavras não levam rigorosamente a parte nenhuma. Nada

se pode exprimir com elas.267

Desta forma, o artista dedica-se a um jogo incessante de alusões, de trocadilhos, de anagramas, de criptogramas e de abreviaturas sugestivas. Assim, ele tirou partido, como James Joyce, de uma das consequências fundamentais da autonomia da linguagem: podem-se colocar as palavras ao lado umas das outras sem ter atenção aos seus sentidos usuais, dados pelo uso e pelo contexto, jogando apenas com as rimas e os ritmos. Este género de figura de estilo, conhecido em linguística por paranomase,268 mostra o fosso que separa a escrita da palavra. A propósito desta ligação semântica criada entre duas palavras na base de uma semelhança da estrutura sonora, Duchamp esclarecia:

Já que é uma regra de gramática que querem: o verbo faz acordo com o sujeito em consonância; por exemplo: le nègre aigrit, les naigresses s’aigrissent ou maigrissent, etc.269

O jogo de palavras mais célebre feito por Duchamp foi a inscrição/sigla que ele colocou sob uma reprodução da Gioconda a que acrescentou uns bigodes. A leitura fonética da sequência das letras L.H.O.O.Q., produz a frase: elle a chaud au cul, com uma clara intenção provocatória.

A série de notas reunidas sob o título La Boîte Verte, é um conjunto de várias folhas fac-similadas, soltas, juntas numa capa, nas quais ele escreveu vários comentários sobre o seu trabalho La Mariée Mise à Nu par ses Célibataires, Même

266 Ibid. p.141.

267 SCHWARTZ, A. - La Mariée mis à nu chez Marcel Duchamp, même. trad. A.-M. Sauzeau-Boetti. Paris: Ed. Georges Fall,1974. p.44

268 Paranomase: Paranomásia (ou Annonimatio) – quando se usam palavras com som parecido, seja com significado semelhante ou com significado diverso. As semelhanças entre as palavras tanto podem resultar do seu parentesco etimológico, como podem ser simplesmente acidentais.

269 le nègre aigrit, les naigresses s’aigrissent ou maigrissent, etc. SCHWARTZ, A. - La Mariée mis à nu

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(1915-1923), também conhecido por Le Grand Verre. O artista faz nelas um jogo entre as palavras vert e verre, encheu-as de comentários, esquemas e desenhos e, como as folhas não estão presas, podem ver-se ou ler-se por qualquer ordem. Por isso, esta é uma criação completamente original e não enquadrável em qualquer definição de género tradicional. Os diversos elementos são apresentados como participando no sentido global mas não definido de obra acabada. La Boîte Verte requestiona as convenções que pautam a leitura e a percepção, funcionando como uma reflexão polimorfa sobre a relação dialéctica entre o visual e o verbal, sobre o legado dos modos de reprodução numa cultura que se preocupa com questões de originalidade.

O texto teve um papel chave na obra deste artista, que fez passar a arte do campo perceptivo para o campo conceptual. A sua forma lúdica de reinventar o tecido complexo da linguagem, pode parecer desprovida de sentido, mas na obra de Duchamp, o absurdo e o modo não convencional de utilização da linguagem são as formas fundamentais da sua crítica do sentido. Qualquer pretensão a uma universalidade da arte, encontra-se assim desmentida por um rico estendal de jogos de palavras tanto em francês como em inglês.

O acaso é também muito importante na obra dos dadaístas. A utilização do acaso na poesia deve-se a Hans Arp, que esperava com o uso do acidental e o indeterminado não só ter um gesto de desafio destruidor, mas criar o elemento central de uma contra- mitologia capaz de se opor à glorificação da razão pela sociedade ocidental. Muito influenciado pelas filosofias orientais, como o taoismo, bem como pela mística ocidental, em especial pela de Jacob Bohme, Arp procurava a loucura do ilógico, que lhe parecia ser um meio de purificar a lógica do seu non-sense. Em 1949, Arp explicou que, nos poemas Wolkenpumpe (Bomba de nuvens), que escrevera entre 1915 e 1920, tinha desmembrado as frases, as palavras e as sílabas, procurando decompor a palavra em átomos para se aproximar da criatividade. 270

Também Ball procurava este mesmo misticismo, que exprimia assim:

[...] renuncia-se ao mesmo tempo a uma linguagem corrompida pelo jornalismo e tornada impossível [...] retiramo-nos para a alquimia mais íntima da palavra.271

270 MOTHERWELL, Robert (org.) - The Dada Painters and Poets: an Anthology. Boston: The Belknap Press of Harvard University Press, 1981. p. 294.

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E mais adiante dizia:

Um dia, a língua ficar-nos-á grata pelo nosso zelo, mesmo que não se sinta para já gratificada por resultados visíveis no imediato. Carregámos a palavra de forças e de energias que nos fizeram redescobrir o sentido evangélico do ‘verbo’ (logos), que é uma imagem mágica complexa.272

Próximo da posição de Arp e Ball, Hausmann, em Berlim, ia procurar as suas fontes de inspiração à mística, à alquimia e à magia, esforçando-se por, a partir delas, tratar a letra como uma presença enigmática. Manifestava um interesse por aquilo a que chamava a época da percepção heráldica, hieroglífica273, período medieval no decurso do qual o espaço fulcral dado aos signos emblemáticos tinha tornado possível, segundo ele, um mundo de comunicação mais transparente.

A tipografia moderna, mecanizada, também era um dos seus principais alvos, porque ela se encontrava muito longe da fonte original da linguagem. Quando criou os seus poemas cartazes, usou contudo estes caracteres modernos, adoptando assim as formas decadentes dos media com vista a purificá-los (contrariamente aos expressionistas, que tinham optado pela xilogravura para obter letras grosseiras e impositivas). Nestes poemas, o artista não empregou as letras como elementos ligados a um código que lhes dava sentido, mas como fenómenos puramente ópticos e acústicos. Usou formas não lineares, rupturas semânticas, jogos de palavras, justaposição de textos e de imagens, sendo estas uma amálgama de elementos mecânicos e tipográficos, incluindo objectos como, por exemplo, notas de banco ou fotografias de estrelas e deixando alguns espaços de papel vazio Eles ilustram aquilo que Hausmann considerava ser, nesta nova era tecnológica, o verdadeiro papel do artista: o de artista-operário que se mistura com o caos da vida urbana moderna.

A fotomontagem é a mais importante inovação técnica do Dadaísmo. Despojando a fotografia, através da fragmentação e da criação dos espaços brancos livres, da sua aptidão para a ilusão, a fotomontagem sublinha que não é a realidade que estamos a ver, mas um mundo mediatizado, interpretado, um sistema de signos e uma sintaxe

272 Ibid. p. 140.

273 HAUSMANN, Raoul – Typographie. Qualitat. [S.l.]: [s.n.]. nº10, p.152. cit. BENSON, T. O. - Raoul

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ordenada, verdadeira condição prévia para todo o código convencional. Hausmann estabeleceu, em Typographie, uma ligação entre a fotomontagem e a poesia dadaísta:

Não foi por acaso que se descobriu a fonética pura, apoiada no plano óptico, por uma nova tipografia. A fotomontagem, uma técnica igualmente divulgada pelos dadaistas, tinha o mesmo objectivo, que era o do reforço do fisiológico e da tipografia, pois já estávamos todos conscientes do facto de que a necessidade então crescente de imagens — fazendo apela à duplicação de um texto por uma ilustração visual — não podia ser satisfeita por uma simples justaposição, mas apenas por uma construção visual congregando os fundamentos linguístico- conceptuais.274

Hausmann estava ligado ao clube Dada de Berlim, que estava engajado politicamente, pelo que, o ataque feito à linguagem era apenas uma das vertentes dessa luta mais vasta que deveria levar a uma revolução social.

É também neste sentido que se deve entender a obra de Hannah Hoch, cujas fotomontagens têm esta dimensão profundamente política, retirando-as do campo restrito das questões feministas.

Kurt Schwitters, à semelhança de Arp e Ball, Schwitters pertencia à ala utópica e mística do Dadaísmo e evitava a política: Usava uma grande quantidade de técnicas nas suas obras e considerava como seu princípio fundamental a não necessidade de estabelecer qualquer distinção entre as artes e qualquer outra actividade. Como Hans Richter disse dele:

Colava, pregava, fazia poemas, tipografia, vendia, imprimia, compunha, fazia colagens, declamava, assobiava, bocejava, amava, sem se importar com o indivíduo, o público, usando uma técnica qualquer artesanal ou sua. Ele fez de tudo e, quase sempre tudo ao mesmo tempo.275

Schwitters abriu um novo território à colagem, realizando as suas obras com detritos que apanhava na rua. Esta matéria prima era constituída por coisas que não tinham qualquer valor económico ou estético e que, frequentemente, possuíam letras impressas: cartazes, bilhetes, prospectos, jornais, anúncios publicitários, notas, cartões de visita, etiquetas. Fazia assim entrar elementos muitos diversos nas suas composições, tirando partido tanto do estatuto da palavra como das suas qualidades narrativas, conseguindo nas suas composições um dinamismo próximo do das obras futuristas e às quais ele associava uma atmosfera enigmática.

Schwitters pensava que se podiam criar novos sentidos graças aos elementos constitutivos do mundo criado pelo homem — e não pela realidade interior do artista:

274 BENSON, T. O. - Raoul Hausmann and Berlin Dada. p.93

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Merz significava pôr em relação, de preferência, todas as coisas desse mundo.276 Com o

seu Merzbau — uma construção construída no interior da sua casa — , fez evoluir a colagem para a assemblagem a três dimensões e para a instalação e ao favorecer a aproximação entre palavras e imagens, contribuiu para fazer sair a arte do museu e projectá-la para o mundo.

276 SCHWITTERS, K. – Merz. [S.l.]: Das Literarische Werk, 1981. cit. BERGIUS - Dada, the Montage, and the Press, In FOSTER, S. C. (ed.) - Dada: The Coordinates of Cultural Politics. Crisis and the arts: The

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