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C APÍTULO 5 | A PALAVRA NAS VANGUARDAS ARTÍSTICAS INTERNACIONAIS

5.9. AS PALAVRAS POP

Em Inglaterra, um grupo de artistas, arquitectos e escritores, reunidos num grupo intitulado Independent Group, virando costas ao Expressionismo que se alimentara do existencialismo, aplicaram-se a captar, através de discussões, publicações e exposições, o fenómeno polimorfo da cultura de massa comercial. O artista Richard Hamilton, membro do grupo, anunciou em 1957 o nascimento de uma nova arte, virada para o mercado, que ele chamou Pop Art.

Esta arte, segundo ele, era:

Popular (destinada a um largo público) Efémera Fácil de esquecer Barata Produzida em série Destinada à juventude Cheia de espírito Sexy Superficial Fascinante

Com capacidade de apropriação331

Mas os membros do Independent Group pensavam que a nova cultura popular não visava apenas objectivos estilísticos mas que devia contrapor-se à cultura elitista. Segundo o critico Lawrence Alloway, esta nova tendência artística nasceu de uma mudança de percepção da cultura, não já considerada como de forma piramidal (com a grande arte no topo da pirâmide e as formas de expressão popular na base) mas como um continuum horizontal.332 Definida como o conjunto daquilo que uma

sociedade faz,333 ela já não podia ser objecto de julgamento e de hierarquização.

Este novo ponto de vista teve numerosos incidentes sobre a forma e o conteúdo da escrita na arte. As letras caligrafadas foram substituídas por caracteres impressos e os textos incluídos nas obras de arte eram cada vez mais ligados aos lugares comuns

331 Carta de 16 de Janeiro 1957, dirigida aos arquitectos Alison e Peter Smithson, in HAMILTON, R. -

Richard Hamilton: Collected Works 1953-1982. Londres: Thames and Hudson, 1982. p.28.

332 Lawrence Alloway faz notar que a vanguarda cultural não podia deixar de encontrar oposição e alguma resistência, uma vez que: a abundância dos meios de comunicação incomod[ava] no século

XX, o guardião da cultura que tivesse recebido uma educação tradicional. Dirigindo-se a estética às maiorias, [era] contrária a uma muito forte tradição que reserva[va] a arte a uma elite. ALLOWAY, L. -

The Long Front of Culture. Cambridge Opinion, nº 17 (1959). in RUSSEL, J.; GABLIK, S. - Pop Art

Redefined. Nova York: Praeger, 1969. p.41.

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veiculados pelos media. Como o artista não era o autor destas palavras a experiência moderna da realidade era atravessada por diversas mediações. O artista já não empregava as palavras para se exprimir, elas estavam na tela como parte integrante da matéria prima fornecida e apropriada do contexto social. Mas como o contexto mudara esta nova apropriação de textos públicos apoiava-se no avanço de medias como a televisão, que fazia passar a comunicação de uma forma impressa para uma forma audiovisual. Enquanto os artistas procuravam o seu lugar num ambiente caracterizado por uma cacofonia invasora de palavras, sofriam, ao mesmo tempo os efeitos cada vez mais importantes das formas de comunicação electrónicas, que privavam a palavra escrita do seu lugar central na cultura.

Esta evolução artística decorreu num clima de prosperidade sem precedentes e de extrema concorrência. Algumas inovações vieram revolucionar profundamente o mundo da imprensa e do grafismo, como por exemplo, a electrónica e a composição automatizada. Em 1959 foi comercializada a primeira fotocopiadora de papel vulgar, enquanto que nos inícios dos anos de 1960, o sistema Letraset permitiu a uma grande parte da população servir-se dos meios de um artista gráfico. A criação publicitária tornou-se uma profissão próspera que não tardou a usar as experiências da vanguarda.334

Com os novos media, a justaposição de palavras e imagens atingiu níveis de complexidade cada vez mais elevados à medida que a linguagem publicitária se tornava também cada vez mais invasora. Os publicitários tornaram-se mestres na arte do jogo de palavras, anteriormente uma prerrogativa dos poetas e os textos acompanhando imagens tornaram-se fonte de divertimento. O objectivo tradicional da publicidade foi suplantado por mensagens personalizadas muito mais sedutoras, que tinham como objectivo levar o espectador ou o leitor a deixar-se seduzir para o seu novo papel de consumista satisfeito.335

334 Em tipografia continuou a ser usado principalmente o tipo Futura e as suas imitações, às quais se vieram juntar entretanto, no início dos anos 1960, duas novas famílias de fontes sem serifa — a Univers e a Helvética — que imediatamente obtiveram um enorme sucesso.

335 Richard Hamilton, numa obra inovadora de 1956, “O que torna os interiores de hoje tão diferentes,

tão atraentes?”, explorou o estilo descontraído característico dos media graças a uma fotomontagem dadaísta e construtivista. O artista apropriou-se da linguagem dos media que se apoiava sobre a fotografia, para dar uma vista sintética do interior moderno “ideal”, a partir de fragmentos de elementos publicitários, de bandas desenhadas, de ilustrações e outras produções da cultura popular, incluindo um desconcertante número de pedaços de diferentes textos. Estes múltiplos fragmentos não se destinam, contudo, a formar um bric-a-brac sem valor, como, por exemplo, na obra de Kurt Schwitters. A fotomontagem de Hamilton lembra antes o estilo satírico de John Heartfield e tem o

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A nova vanguarda, influenciada pelos media, e aproveitando-os, fazia entrar nas galerias de arte as linguagens visuais e verbais comerciais e vulgares retiradas do meio urbano, marcado pelo consumo. O facto de absorver a linguagem dos media modificava a relação dos artistas com as suas obras, uma vez que a estética centrada no sujeito que tinha dominado a arte desde os românticos, cedia assim o lugar a uma ligação racional e nítida com a experiência, próxima da neutralidade e da indiferença emocional das formas mecânicas de expressão artística. Esta nova arte de vanguarda, que tinha em consideração a existência dos media, pode ser entendida como uma nova tentativa de democratização.

Jasper Johns, que com Robert Rauschenberg faz a passagem da anti-estética neo- dada para a arte pop, sublinhou uma das razões que o haviam conduzido à utilização das letras e dos algarismos nas suas obras de meados dos anos 1950: eram coisas que

as pessoas conheciam. Quem quer que fosse, pelo menos no Ocidente alfabetizado,

era capaz de as compreender, o que não acontecia forçosamente com um quadro de Pollock336. Mas Johns afirmava também, que se os elementos constitutivos das suas obras pareciam aos espectadores, à primeira vista, familiares

na medida em que nos encontramos todos quotidianamente em contacto com algarismos ou letras, eles tinham, pelo menos, uma dimensão subversiva, na medida em que [o espectador] nunca os tinha visto ainda no contexto de um quadro.

E concluía:

Eu queria fazê-los ver algo de novo.337

Como Kline, De Kooning e Rauschenberg, Jasper Johns tendeu, no início da sua carreira, a fazer colagens de recortes de jornal, mas afastou-se desta linguagem, característica do expressionismo abstracto, utilizando formas simples pré-existentes e simbólicas, considerando-as importantes na medida em que eram elementos exteriores,

já feitos, convencionais, despersonalizados, realidades dadas,338 o que modificava

deliberadamente o discurso artístico dominante da época. Ele não se encontrava à

efeito de uma paródia, resumindo, de um modo absurdo, a forma que assume o sonho da sociedade de consumo. in MORLEY, Simon – L’Art les Mots. p. 128.

336 Johns, J. - Mode med Jasper Johns. Entrevista com Gunnar Jaspersen - Berlingske Tidende, (25 Fevereiro 1969), trad. S. de Francesco. in. VARNEDOE, Kirk - Jasper Johns: A Retrospective, NY: MOMA, 1969. nota p.34.

337 ‘dans le sens où on se trouve tous quotidiennement au contact de chiffres ou de lettres’, ils avait nèanmoinsune dimension subversive, dans la mesure où ‘[le spectateur] ne les avait encore jamais vus dans le contexte d’un tableau’. E concluía: ‘Je voulais lui faire voir quelque chose de nouveau’. Entrevista de David Sylvester a Jasper Johns em 10 Outubro 1965, na BBC. Extractos in HARRISON, C., e WOOD, P. (ed.) - Art en théorie 1900-1990, trad. A. Baudoin et al. Paris: Hazan, 1997. p.795. 338 des éléments extérieurs, déjà tout faits, conventionnels, dépersonnalisés, des réalités données Ibid.

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procura de uma realidade espontânea, não convencional, pessoal, alusiva e interior, como os expressionistas abstractos e os informalistas europeus antes deles. Esta característica era ainda reforçada pelo uso do pochoir, a técnica preferida de Johns para os letterings. Usar um pochoir era dar utilidade à letra antes de qualquer consideração de ordem estética ou qualquer forma de expressão. Desta forma estes caracteres estavam o mais afastados possível do automatismo caligráfico e gestual, de inspiração existencialista, do pós-guerra. São, portanto, a voz distante da sociedade instrumentalizada e remetem para a sinalética do complexo militar-industrial.339

Se Johns empregava um sistema de signos socialmente codificados de forma a não veicular qualquer emoção pessoal, procurava, como Duchamp, escapar-se a nível de discurso, para o campo complexo das formas e dos sentidos pré-existentes: tentava demonstrar, por uma subtil desconstrução, a arbitrariedade dos signos visuais e verbais, bem como os perigos inerentes a uma arte que tinha perdido contacto com a banalidade. As obras de Johns ecoavam como as de Duchamp porque testemunhavam a fascinação do artista pela palavras desprovidas de sentido e pela sua predisposição para apenas se reflectirem a elas mesmas. Por outro lado, a predilecção de Johns pela evocação da escola primária — mapas, bandeiras, alfabetos, números, réguas — lembrava Magritte e a sua escrita de aluno da escola primária.

Johns considerava que o papel do artista consistia em minar as certezas de forma a que, face a uma obra como Mapa de 1961, o espectador fique dividido entre o carácter familiar do assunto que é perfeitamente claro (trata-se do mapa dos Estados Unidos), o aspecto insólito da sua utilização como tema de um quadro e a aparente incongruência do tratamento pictórico e das cores usadas em vez das originais. Com ele problematiza-se a interpretação de um signo familiar que não apresenta a precisão que é suposto existir no documento de que o artista partiu.

O mais célebre destes artistas, Andy Warhol, utilizava como materiais as imagens produzidas em série pelos media. Na sua obra, a palavra reencontrava a autoridade que lhe advinha do facto de ser significante. Isso provinha-lhe, contudo, não de qualquer realidade de ordem natural, mas de uma realidade gerada pelo produto em si. Como os outros artistas pop, Warhol tratava a palavra e a imagem com

339 J. Johns deve ter usado pochoirs do exército. Chamado para a guerra em 1951 e estacionado no Japão durante a guerra da Coreia, foi integrado nas forças especiais e encarregado da composição de cartazes. Ficou desligado das suas funções militares em 1953. in VARNEDOE, Kirk - Jasper Johns: A

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desprendimento, adoptando sem complexos o estilo e o conteúdo dos media. Cedo abandonou a intervenção da mão que dava ao quadro uma dimensão individual. Em quadros como Cinco garrafas de Coca-Cola (1962), Warhol renunciou definitivamente à dimensão artesanal da obra. Ao utilizar a técnica mecânica da serigrafia, fez entrar o seu sentido de estética e de desprendimento no campo da produção em série.340

Fazendo análises próximas das de Walter Benjamin ou de McLuhan, Lawrence Alloway tinha salientado o facto de que a utilização de técnicas de produção em série geravam uma multidão de signos e de palavras de curta duração de vida e que aquilo que outrora fora escrito ou desenhado à mão era agora reprodutível até ao infinito se fosse criado mecanicamente.341 Isto, segundo ele, negava o princípio do objecto original, feito à mão. Assim, o artigo fabricado de forma barata e de fácil acesso, ameaçava o próprio valor da arte. Para Warhol, como para outros artistas da sua geração, parecia não haver senão uma via possível, a exploração desta floresta de

signos e palavras de curto tempo de vida. Ao adoptar a técnica serigráfica, Warhol

abarcou toda a dimensão desta transformação, porque a simples duplicação mecânica de imagens e de textos pré-existentes, destruía na obra os últimos sinais da presença do artista. Em 1963, declarou:

Penso que seria formidável se outras pessoas fizessem serigrafia, porque ninguém saberia se o meu quadro era meu ou de outro qualquer.342

A obra de arte, separada do seu contexto artesanal habitual por recurso a processos mecânicos, ficava ligada ao mundo anónimo da produção em série.

Ed Ruscha explicou a sua ligação às palavras da seguinte forma:

Penso que sou um filho da comunicação, e senti-me sempre atraído por tudo que estava relacionado com o fenómeno da troca verbal. Talvez tenha vindo a assimilar esta troca à cultura popular, na medida em que os jornais, as revistas, na verdade, tudo o que era impresso tinha um efeito espectacular sobre mim. […] Eu achava que os jornais, as revistas, os livros — as palavras — tinham muito mais importância do que poderia ter o que fizesse qualquer insuportável pintor.

340 A serigrafia pertence à mesma família técnica que o pochoir. Consiste em espalhar cor, com ajuda de uma raclete, sobre um tecido sintético tenso sobre um quadro. A tinta deposita-se no suporte, nos locais em que a sua passagem através da trama do tecido não está vedada. Pode também obter-se uma impressão a partir de uma fotografia, utilizando produtos químicos fotosensíveis. Warhol e Rauschenberg foram os primeiros a empregar esta última técnica. cf. MORLEY, Simon – L’Art les

Mots. p. 131. Nota 12.

341 RUSSEL e GABLIK - Pop Art Redefined. p.41.

342 Je pense que ce serait formidable si d’autres se mettaient à la sérigraphie, car personne ne saurait si

mon tableau est de moi ou de quelqu’un d’autre. WARHOL, A. - What is Pop Art? Entrevista com G.

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Suponho, portanto, que a ideia de interrogar a palavra impressa partiu daí. Essa interrogação levou- me a ver a palavra impressa e foi assim que tudo começou..343

Associado às ligações que mantém com as obras que lhe serviram de inspiração, o trabalho de descontextualização realizado pelo artista confere à obra uma dimensão enigmática e mergulha o espectador numa situação embaraçosa que lembra a que é causada pelo uso sugestivo da linguagem verbal de simbolistas e surrealistas.

Não sonho na dimensão literária das palavras, não sou poeta. Sou menos escritor do que ferreiro, forjo palavras e sons. Procuro combinar as coisas rapidamente e com simplicidade. Não sou um contador.344

Ruscha explicou também que perante anúncios publicitários, tinha o sentimento de estar verdadeiramente em presença de objectos, de esculturas de palavras e não de simples mensagens. Mas conseguiu não ceder à inércia da apropriação ou da repetição, considerando que este enquadramento poderia ser empregue como propiciador de uma viagem sugestiva e cheia de espírito. O espaço tipográfico choca com o espaço pictórico em obras instáveis em que a presença material da letra entra em concorrência com o seu papel de vector de sentido. Algumas obras de Ruscha mostram a sua sensibilidade às diferentes formas segundo as quais a escrita torna visível o discurso. Aliás, ele joga muitas vezes com a ortografia fonética e o calão, procurando fazer com que o aspecto visual das palavras e o seu conteúdo imediato suscitem a reflexão.

Nos anos de 1960, os artistas apropriaram-se de um género novo, popular e tipicamente americano: a banda desenhada, uma forma de fusão total entre palavra e imagem. Sem dúvida nenhuma, os exemplos mais célebres deste tipo de apropriação são os quadros de Roy Lichtenstein que se baseiam na ampliação de imagens de BD publicadas pela DC Comics. Mas basta comparar, por exemplo, Sem esperança (1963)

343 Je suppose que je suis un enfant de la communication, et je me suis toujours senti attiré par tout ce

qui était lié au phénomène de l’échange verbal. Peut-être en suis-je venu à assimiler cet échange à de la culture populaire dans la mesure où les journaux, les magasines, à vrai dire, tout ce qui était imprimé eut un effet des plus spectaculaires sur moi. […] Je trouvais que les journaux, les magasines, les livres — les mots — avaient bien plus d’importance que ce que pouvait faire n’importe quel fichu peintre. Je suppose par conséquent que l’idée d’interroger le mot imprimé est parti de là. Cette interrogation m’a amené à voir le mot imprimé, et c’est ainsi que tout a démarré. (1981). Entrevista

concedida a Paul Karlstron por Ed Ruscha, Califórnia Oral History Archives of American Art, Smithsonian Institution. in. SCHWARTZ, A. (ed.) - Ed Ruscha Leave Any Information at the Signal:

Writtings, Interviews, Bills, Pages. Cambridge (Ma) e Londres: MIT press, 2002. p.150/151.

344 Je ne songe pas à la dimension littéraire des mots, je ne suis pas poète. Je suis moins écrivain que

forgeron, je forge des mots et des sons. Je cherche à combiner les choses rapidement et simplement. Je ne suis pas conteur. Ed Ruscha, Young Artist: Dead Serious about Being Nonsensical. Entrevista

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com a imagem em que se inspira, extraída de “Secret Hearts” de um dos maiores ilustradores da época, Tony Abruzo, para compreendermos que Lichtenstein não se limitava a copiar o original. Os seus quadros são um trabalho de adaptação e de selecção, uma mistura de fontes de inspiração, de acrescentos e de elisões. Para isso ele reforçava o “lugar comum” de forma a obter uma imagem e um texto ainda mais estereotipados do que eram no original. Enquanto na BD o texto em cada imagem contribui para a narração da história, de forma linear, nos quadros, esse texto encontra- se isolado e faz o efeito de resumo compósito de um cenário hipotético e arquetípico.

No caso do quadro referido, Sem esperança, Lichtenstein manipulou o texto original, copiando-o palavra a palavra, porém, modificando subtilmente as palavras para obter o tom geral que se pretendia. Os caracteres usados na BD, criados por Ira Schnapp,345 eram densos e agrupados em blocos; o olhar percorria-os facilmente de ponta a ponta. Na versão de Lichtenstein os caracteres foram ampliados e tornados mais finos; por este facto, a frase é, no seu conjunto, mais difícil de percorrer com o olhar. O balão de texto é mais impositivo, uma vez que se sobrepõe à imagem.

As obras de Warhol, Ruscha e Lichtenstein permitem pensar que estes artistas se tinham acomodado bastante bem à nova sociedade de consumo e sabiam tirar partido dela. Como se pode ver pelas afirmações dos situacionistas europeus opostas às estruturas dominantes, nem toda a gente se mostrava assim tão optimista.

Em L’Homme unidimentionnel (1964) — uma síntese audaciosa do pensamento de Freud e de Marx que se apoiava nas críticas globais anteriores, ao sistema capitalista — Herbert Marcuse, sociólogo alemão, formulou uma crítica pessoal fundamental, de tipo existencialista, sobre a cultura burguesa. Aparentemente partilhando o ponto de vista dos situacionistas, ele definiu aquilo a que chamava a falsa consciência da sociedade de consumo. Um dos alvos visados era o dos abusos da língua, cometidos sob a dominação dos media; ele lamentava a emergência de uma nova língua

totalmente administrativa, chamando a atenção para o facto de o capitalismo moderno

estar a usar os media de forma a criar a ilusão de um sentimento de segurança e de satisfação ao mesmo tempo que acusava a Pop Art de cumplicidade neste facto. Este falso tipo de bem-estar, permitia à super-estrutura produtiva, ocultando a infelicidade fundamental da sociedade, infiltrar-se nos media, os quais tinham o papel de

345 A banda desenhada é fruto de uma colaboração entre um artista, um criador das letras e um elemento que cobre a tinta desenho e letras.

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intermediários entre os patrões e os seus subordinados.346 Estas análises sociais, económicas e políticas negativas favoreceram o aparecimento de uma nova vanguarda intelectual altamente crítica, determinada a introduzir ainda mais a palavra nos espaços aparentemente reservados às artes plásticas.

346 MARCUSE, H. - L’Homme unidimensionnel, essai sur l’idéologie de la société industrielle avancée. (trad. M. Wittig e H. Marcuse). Paris: Minuit, 1989.

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No documento A palavra na pintura portuguesa no séc. XX (páginas 187-195)