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CAPÍTULO 2: CAMINHOS PERCORRIDOS E OS PROCEDIMENTOS

2.5 A aplicação dos questionários

Morlino (1994), ao tratar das opções em uma pesquisa comparativa, ressalta que tendo a definição do problema e seu aporte teórico constituído, é preciso “clasificar correctamente para identificar las variaciones empíricas del fenómeno en las diferentes realidades”. (MORLINO, 1994, s/p) Além desse aspecto, recomenda que sejam definidas o espaço e tempo e as variáveis a considerar.

Considerando a perspectiva apontada por esse autor, é que se elegeu o questionário como um procedimento de coleta de dados com o intuito de identificar os docentes, objeto do estudo, caracterizar suas formações, trajetórias, condições do exercício profissional e percepções sobre essas condições.

O questionário foi estruturado com 55 perguntas predominantemente objetivas, agrupadas em categorias a saber: perfil sociodemográfico, formação acadêmica, trajetória profissional e carreira, atividades profissionais e condições de realização e participação coletiva13. A

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elaboração desse questionário contou com revisões usando o mesmo instrumento utilizado por autores em outras pesquisas (TENTI-FANFANI, 2004; MELO, 2009) e passou por intenso refinamento por meio de entrevistas cognitivas14 realizada com professores da Universidade Federal de Minas Gerais. Desse modo foi possível ajustar o instrumento evitando-se ao máximo, os vieses na coleta dos dados.

Feito isso, os questionários foram traduzidos para o espanhol para serem aplicados aos docentes argentinos. Mais uma vez, a colaboração de colegas do Doutorado Latino- Americano também foi fundamental.

Todo esse processo teve por objetivo adequar o instrumento à realidade dos dois países e garantir que a coleta fosse mais proveitosa possível. O questionário foi disponibilizado para uma autoaplicação em formato impresso e eletrônico (tanto em plataforma exclusiva disposta on-line quanto em formato Word) dando aos sujeitos a possibilidade de escolher o que melhor os atendia.

Essa variedade de formatos visava a atender aos possíveis diferentes perfis de docentes em relação às habilidades no domínio da tecnologia e garantir o maior número de respondedores15. Essa experiência mostrou que a escolha do suporte tecnológico, em formato impresso foi influenciada pela disposição de tempo para dedicar-se a responder ao questionário e a falta de computador, em determinados espaços, por exemplo, na sala de aula.

Muitos professores preferiam o questionário impresso porque entre uma atividade e outra, e até mesmo na sala de aula, enquanto os alunos faziam alguma tarefa, eles aproveitavam para responder às perguntas.

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A entrevista cognitiva é uma técnica de revisão do instrumento de pesquisa que consiste em uma aplicação focada, com alguns sujeitos no intuito de controlar os vieses gerados na sua formulação distanciando o significado pretendido pelo pesquisador da interpretação dada pelo entrevistado. Chama-se cognitiva porque pressupõe que uma pessoa, ao interagir com um questionário, mobiliza algumas tarefas cognitivas para interpretá-los e que podem ser explicitadas em função dos aspectos estruturantes das questões como: linguagem, demanda de memória, formatos, etc. Assim pode-se verificar o que facilita ou distorce a interpretação dos sujeitos. (SIMÕES, 2012)

15 Diante do pré teste ficamos com uma hipótese de que o fato de termos mais respondente da Engenharia e

Curioso que, tanto na Argentina como no Brasil, os professores demonstraram que o aceite em responder ao questionário consistia mais em um ato solidário de identificação com a condição de pesquisador que propriamente um ato voluntário, sem menor implicação. Muitos alegaram falta de tempo para responder às perguntas e ainda consideraram o questionário um instrumento que se aproximava muito das demandas burocráticas rotineiras, próximas do trabalho. Afinal, preenchiam muitos formulários e sempre estavam atrasados com o envio de algum.

Esse fato foi muito marcante na Faculdade de Odontologia da Universidade AR, pois a diretora somente aceitou que os questionários fossem enviados impressos expondo alegando garantia de serem respondidos. Inclusive, ela disponibilizou uma cota de cópias por conta da própria faculdade para ajudar a pesquisadora16.

Merecem destacar, no processo de coleta dos dados acerca dos questionários, dois episódios significativos, não ocorridos no pré-teste. Assim, no início da aplicação dos questionários, os professores categorizados como docentes auxiliares pensavam que algumas perguntas não se referiam a eles, pois remetiam ao termo professores. Assim perguntas como: ¿Hace cuánto tiempo usted es profesor en la Universidad AR? Teve que ser modificada para ¿Hace cuánto tiempo usted es docente en la Universidad AR?

Esse episódio revelou que naquela relação institucional era distinto ser docente e ser professor, porque a organização do corpo docente na Universidade AR é em cátedras compostas por categorias de docentes auxiliares (auxiliar de segunda, auxiliar de primeira e chefes de trabalhos práticos) e professores (professores adjuntos, professores associados e professores titulares). Esses últimos ocupavam o topo da hierarquia.

Outro episódio significativo foi a recusa de um grupo de professores da Educação em responder ao questionário porque as questões relativas ao pertencimento étnico utilizavam os termos raça e cor de pele, que, na visão deles, demonstrava um posicionamento racista. Como o grupo era composto por sociólogos e antropólogos, o debate foi intenso, mesmo explicando a eles que foram adotados os critérios do IBGE, como parâmetros para os

16 Essa ajuda foi muito importante porque a população de docentes da odontologia era grande, mais de mil

professores, o que implicava uma distribuição de 350 questionários, que era a quantidade estimada de docentes na faculdade naquele período letivo de acordo com a direção. Neste sentido, o custo da impressão desses questionários resultava muito alto para a pesquisadora.

brasileiros e usado no contexto das políticas contra a discriminação étnico-racial, sendo reconhecido no Brasil, o racismo explicitado na identificação da cor.

Mas argumentavam que o termo raça não constituía um conceito sociologicamente aceitável, logo deveria ser usado o termo etnia.

Diante dessa importante discussão, a questão foi anulada, pois já não era possível revisá-la pois já havia outros questionários respondidos.

Essa experiência remete-se a considerações de Bourdieu (1997) sobre a relação de pesquisa como uma relação social que exerce efeitos sobre os resultados obtidos. Esses episódios mostraram quão importante é a atenção às distorções que perpassam na realização da coleta de dados. Na verdade, elas contribuem para aumentar a violência simbólica que permeia a comunicação.

Como se observa, no processo de coleta de dados dos questionários constituiu um momento ímpar de interação com os professores que transcendeu o instrumento em si; possibilitou uma relação com os sujeitos em seus contextos de trabalho facilitando o acesso às informações e abriu espaço para os demais procedimentos de coletas de dados.

Em última análise, a coleta desses dados deixou claro que a flexibilidade nos formatos de distribuição do questionário fora muito importante para garantir a participação dos docentes nesta pesquisa.

No Brasil, foram distribuídos: 70 questionários aos docentes da Odontologia, 25 no formato eletrônico e 45 no formato impresso; 28 aos docentes da Engenharia, 3 no formato eletrônico e 25 impressos; 70 questionários aos docentes da Educação, 20 impressos e 50 eletrônicos.

Na Argentina, foram distribuídos: 350 questionários aos docentes da Odontologia, todos impressos; 95 para os docentes da Engenharia, 40 eletrônicos e 55 impressos; 45 para os docentes da Educação, 15 impressos e 30 eletrônicos.

A taxa de questionários respondidos foi menor entre os docentes da Educação em ambos os países e a adesão foi maior entre os demais grupos de docentes da Engenharia e Odontologia, tanto no Brasil quanto na Argentina.