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Parte II Da condição ampla da profissão de professor

3.6 Docência e profissionalização

Os estudos sobre a profissão27 de docente também basearam-se na sociologia das profissões, seguida pela sociologia do trabalho e das organizações. Portanto, existem, hoje distintos enfoques que auxiliam a compreender a profissionalização da docência em sua especificidade.

Com efeito, os primeiros trabalhos sobre esse tema apresentavam posicionamentos dicotômicos: de um lado, atestava-se a docência como profissão socialmente reconhecida, e de outro, apontava a progressiva proletarização da docência.

Indo além dessa dicotomia, os estudos sobre profissionalização docente passam a reconhecer que é próprio da docência essa ambivalência entre profissionalismo e proletarização. Isso porque o conjunto de professores compartilha traços profissionais próprios de grupos profissionais, com outros específicos da classe operária. Logo, são situados no conjunto das semiprofissões. (ENGUITA, 1991, p. 49)

Segundo Enguita, fatores contraditórios incidem, ao mesmo tempo, sobre a docência favorecendo tanto sua proletarização, quanto sua profissionalização. Convergem para sua proletarização “o crescimento numérico, a expansão e concentração de empresas privadas do

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O entendimento mais aprofundado das diversas abordagens sobre a profissionalização pode ser encontrado em Rodrigues (2002). Ela apresenta a história da sociologia das profissões e o seu desenvolvimento em Portugal; Barbosa (1993) trata da evolução do objeto de estudo da sociologia das profissões e chama a atenção para o pouco desenvolvimento dessa disciplina no contexto brasileiro naquele período e Dubar (1997) ao tratar das identidades profissionais, apresenta o percurso histórico da evolução dos estudos sobre as profissões.

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Alguns estudos tem procurado sistematizar as tendências prevalecentes nas pesquisas sobre os docentes: Guerrero Serón (1999) expõe os principais enfoques teóricos e estudos empíricos predominantes na sociologia

do professorado em um capítulo do livro Desmitificando a profissionalização do magistério. Nesse livro

também há contribuições de autores brasileiros, argentinos, americanos e europeus sobre a questão; Costa (1995) também apresenta uma revisão sobre como tem sido tratada a problemática do trabalho docente na literatura, além de oferecer uma historicização da profissão docente no Ocidente; e mais recentemente, alguns artigos brasileiros buscam dar conta do estado da arte sobre trabalho e profissão docente no Brasil e na América Latina revendo a literatura, autores como Ludcke (2007) e Mancebo (2007).

setor, a tendência ao corte dos gastos sociais, a lógica controladora da administração pública e a repercussão sobre os custos da força de trabalho adulta.”

Para sua profissionalização, contribuem, com muita importância “a natureza específica do trabalho docente, que não se presta facilmente à padronização, a fragmentação extrema das tarefas, nem a substituição da atividade humana pela das máquinas”. Nesse sentido, são fatores também significativos: “a igualdade de nível de formação entre os docentes e as profissões liberais, a crescente atenção social dada à problemática da educação e a enorme importância do setor público frente ao privado.” (ENGUITA, 1991, p. 50)

Além desses fatores, o autor aponta algumas características que afetam as condições profissionais dos docentes, tornando ainda mais complexa sua posição no grupo ocupacional, como: a feminização do setor e a heterogeneidade da categoria.

Esse lugar ocupado pela docência também encontra-se entremeado nas representações sociais construídas em torno da profissão. Nessa direção, argumenta Cunha (2007) que, embora na condição de assalariado, historicamente os docentes tendiam a se situarem mais próximos dos grupos de intelectuais, como autoridades reconhecidas pelo saber:

No caso do magistério, as ideias de trabalho e profissão sempre fugiram dos tradicionais parâmetros postos para a maioria da classe trabalhadora. A dicotomia trabalho intelectual-trabalho manual não permitia processos de identificação com os demais trabalhadores, e essa posição foi respaldada pela sociedade de modo geral. Mesmo considerando a relatividade dos salários, a profissão de professor se inspirava nas chamadas profissões liberais na sua autonomia e no seu reconhecimento social e, em alguns casos, substituía profissionais dessa condição, quando estes não estavam disponíveis na comunidade. (CUNHA, 2007, p.12)

Como exemplo dessa posição, a autora recorre às formas de organização dos docentes universitários:

Provavelmente o sistema de cátedras na universidade e a chamada liberdade de expressão que acompanhava sua concepção se originaram da perspectiva liberal. O professor estaria protegido ideologicamente e não deveria influenciar seus alunos com suas posições e sua visão de mundo, assumindo a neutralidade da ciência.

O trabalho docente era distinguido e prestigiado socialmente, servindo a pequenos contingentes dos segmentos médios e altos, mesmo no espaço da escola pública... (CUNHA, 2007, p.12)

Outra face da profissionalização dos docentes, segundo Cunha (2007), relaciona-se com as condições salariais. Por conseguinte, a imagem social construída pelos docentes era de um grupo que gozava de certo prestígio pois tinham como parâmetro, sua autonomia e legitimidade social em relação à autoridade sobre o saber, e não o salário.

No entanto, essa autora, assim como diversos estudiosos que analisam a docência, demonstra que, com a democratização do acesso à escolarização e sua massificação, a profissão docente sofreu desprestígio com perdas de remuneração e de autonomia sobre o seu exercício profissional.

Nessas circunstâncias, a profissionalização tornou-se objeto de luta nos movimentos sindicais. As representações docentes reivindicavam melhoria das condições de trabalho e mais autonomia para exercê-lo, como exposto por Hypólito (1999): “a luta por profissionalização tem-se confundido com a busca de fortalecimento e ampliação das práticas de autonomia docente e, simultaneamente, tem, num sentido mais amplo, embasado as práticas de resistência aos processos de proletarização do trabalho docente.” (HYPÓLITO, 1999, p.82)

Entretanto, as políticas educacionais instituídas com predomínio de orientações neoliberais apropriaram-se do discurso sobre profissionalização dando-lhe outro sentido. Partiram da visão da profissionalização dos docentes como sinônimo de maior qualificação e desenvolvimento de competências, mas, na prática, o que ocorreu foi um processo de maior flexibilidade da organização laboral combinada com controle externo por meio de avaliações e prestações de contas dos rendimentos. (OLIVEIRA, 2008; CUNHA, 2007; NÓVOA,1995A; HYPÓLITO, 1999)

Nesse contexto, os docentes passam para outro extremo: “são considerados os principais responsáveis pelo desempenho dos alunos, da escola e do sistema, tendo sobre suas costas a responsabilidade pelo êxito ou fracasso dos programas.” (OLIVEIRA, 2008, p.33)

As consequências dessas situações sobre o processo de profissionalização docente provocam uma distorção do sentido impulsionado pelos movimentos docentes ao ponto de gerar exatamente o processo contrário, ou seja, a (des)profissionalização dos docentes. (NÓVOA, 2007)

A (des)profissionalização diz respeito aos processos de perda de autonomia e de legitimidade do exercício profissional. No caso dos professores, essa perda pode ocorrer desde perdas salariais, até mesmo a ampliação de funções a serem desempenhadas que extrapolam o ensino. Como conseqüência desse processo, citam-se: a banalização do ensino como uma atividade reduzida aos aspectos técnicos; o controle de agentes externos na determinação das atividades e do seu desempenho, entre outros. (OLIVEIRA, 2008; LUDCKE, 2007; NÓVOA, 2009)

Desse modo, conclui-se que a abordagem da profissionalização dos docentes exige cuidados, pois apresenta distintas acepções políticas que dizem respeito às distintas concepções sobre a identidade profissional dos docentes.

Por outro lado, a profissionalização docente é construção sócio-histórica e política que lhe confere variações de acordo com o contexto societal e as condições de escolarização. (TARDIF; LESSARD, 2009) Os professores constituem “grupos profissionais específicos em cada país, em razão de sua história, de suas características socioculturais e da organização criadas por eles.” (LANG, 2008, p.665)Também sofrem influências das mudanças nas missões das escolas assim como das transformações societais como atualmente, os novos modos de acesso a informação e comunicação. (LANG, 2008)

Portanto, assegura-se aqui que a profissionalização docente remete a fatores complexos que envolvem a atividade profissional em sua ação específica, e em sua condição de realização, influenciada pela dimensão organizacional e pelas relações de poder estabelecidas. (LANG, 2008)

Considerando a complexidade que envolve o entendimento da profissionalização docente e a dispersão discursiva em torno dessa noção, alguns autores têm apontado o termo

profissionalidade, como o mais adequado para tratar da docência dada a especificidade do

seu trabalho.

Cunha (2007), por sua vez, remete à definição dada por Sacristán (1993) para a

profissionalidade como “a expressão da especificidade da atuação dos professores na

ela que constituem o específico de ser professor.” (SACRISTÁN,1993, p.54 apud CUNHA, 2007,p.14)

Na opinião dessa autora, essa definição amplia a compreensão da docência porque rompe com os esquemas de perfil ideal, traçado pela coleção de atributos ou conferência de um estado da profissão, para “uma idéia de profissão em ação, em processo, em movimento.” (CUNHA, 2007, p.14)

Em sua defesa Cunha (2007) assim expõe:

Talvez, para o caso do trabalho docente, a concepção de profissionalidade seja mais adequada do que a de profissão. Isso porque o exercício da docência nunca é estático e permanente; é sempre processo. Essa concepção, porém, contraria a histórica premissa construída para o trabalho do professor, materializada na idéia de que a função docente assenta-se em ensinar um corpo de conhecimentos estabelecidos e legitimados pela ciência e pela cultura, especialmente pelo valor intrínseco que eles representam. Para essa perspectiva, a erudição seria a qualidade mais reconhecida no docente, que representaria um depositário do saber, cuja palavra estaria pré-ungida de legitimação. O elemento fundante do ensino, nessa perspectiva, constitui-se na lógica organizacional do conteúdo a ser ensinado, suas partes e pré-requisitos, sem maiores preocupações com os sujeitos da aprendizagem e o contexto em que esta deveria acontecer. O conhecimento, como puro reflexo dos objetos, organiza-se sem a mediação dos sujeitos. (CUNHA, 2007, p.14)

Nessa perspectiva, a noção de profissionalidade coloca no centro da compreensão da docência, os professores como sujeito socioculturais, portadores de uma função que abarca não só aspectos técnicos, mas também políticos, oriundos tanto da experiência pessoal quanto do trabalho e da formação.

Para Contreras (2002), falar de profissionalidade significa, “não só descrever o desempenho do trabalho de ensinar, mas também expressar valores e pretensões que se deseja alcançar e desenvolver nesta profissão.” (CONTRERAS, 2002, p.74)

Em adição, a compreensão da profissionalidade docente envolve as dimensões da qualidade das atuações profissionais e as exigências da prática docente articuladas “às condições e restrições da realidade educativa, assim como, das formas de viver e desenvolver a profissão enquanto atitudes e destrezas postas em jogo pelos membros concretos da profissão.” (CONTRERAS, 2002, p.75)

Posto isso, a seguir serão apresentadas algumas dimensões relevantes focalizadas nos estudos sobre a docência de modo geral e, em especial, da docência universitária.