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CAPÍTULO 2: CAMINHOS PERCORRIDOS E OS PROCEDIMENTOS

2.1 O enfoque metodológico da pesquisa comparada

A pesquisa comparada, embora apresente distintos vieses, historicamente teve como “objeto de estudo outras realidades educacionais com o propósito de ampliar nossos conhecimentos e nossos horizontes intelectuais no sentido de um entendimento mais aprofundado para a elaboração de novos projetos para a educação.” (GEORGEN, 1991, p.17)

De acordo com Krawczyk (2003), a pertinência de uma pesquisa comparada não é dada pelos procedimentos em si, mas pela característica do objeto de estudo e pelas finalidades inerentes à comparação proposta. Assim, essa autora ressalta a importância de atentar-se para as seguintes questões: o que comparar? e por que comparar?

Nesse sentido, vale lembrar que o objeto de estudo desta tese trata da percepção dos professores de duas universidades públicas, uma brasileira e outra argentina. Contribuiu para a formulação desta proposta, leitura e problematização do panorama da educação superior em nível internacional e nacional, demonstrando as repercussões das mudanças ocorridas na docência de ensino superior. Assim, percebeu-se a importância de uma análise comparativa mais aprofundada das condições que perpassam a docência em dois países da América Latina cuja condução das políticas de educação superior nos anos recentes, é semelhante.

Dessa forma, a proposta de comparar a percepção dos professores sobre a docência universitária tornou-se importante para a explicitação e compreensão das especificidades nelas presentes em relação aos seus processos de profissionalização. Além disso, esse enfoque permitiu-nos comparação sincrônica, ou seja, foram estudados dois países localizados na América Latina, especificamente na América do Sul, explorados em um mesmo recorte temporal. (MARQUEZ, 1972)

Afinal, partiu-se do pressuposto de que comparar implicava assimilar e diferenciar no limite, sabendo, ainda, que as comparações são feitas entre entidades que possuam atributos em parte compartilhados (semelhantes), e em parte, não compartilhados. (BARCO, 2011, s/p)

Por outro lado, a leitura atenta à literatura referente a pesquisa comparada mostrou que, historicamente, os estudos comparativos tiveram-se muito atrelados a abordagens anacrônicas, que reduziam as especificidades locais a aspectos teóricos globais, inventando

países em prol de modelos reducionistas. (ZELMEMAN, 2003)

Isso posto, o desafio era desenvolver um trabalho investigativo priorizando a prudência metodológica para evitar comparar coisas incomparáveis ou não comparar coisas realmente comparáveis. (Bourdieu e Passeron, 1991).

Considerou-se, então, que seria fundamental desenhar uma pesquisa comparada que fosse comprometida com as especificidades históricas e culturais dos diversos contextos. Desse modo, incluiu-se no trabalho a perspectiva dos sujeitos, conforme alerta Krawczyk (2003):

Trata-se de rigor, construir um conhecimento que dê conta das situações históricas. Os fenômenos sociais se articulam de uma determinada maneira e o que importa, não é conhecer o fenômeno separado do outro, mas a articulação que tem. Esta articulação é a especificidade histórica. Podemos ver um caso em que um mesmo recorte no tempo de um fenômeno social (político, econômico, cultural), em uma mesma data, tenha significações históricas diferentes em diferentes países. Não se trata de buscar leis gerais, mas um conhecimento concreto. (KRAWCZYK, 2003, p.23)

A respeito da perspectiva sócio-histórica, na Educação Comparada, na visão de Nóvoa (1995b), ela reconstrói o objeto da comparação passando da análise dos fatos a análise do

sentido históricos dos fatos. (NÓVOA, 1995b, p.21)

Nessas circunstâncias, ficou claro, desde a definição do objeto de estudo até o desenho dos procedimentos, que o processo de coleta e análise de dados exigia disposição, sabedoria para lidar com as especificidades locais e relacioná-las entre si, evitando-se os riscos de um etnocentrismo. Isso desafiou esta pesquisadora e a desafia sempre que revê o trabalho. No entanto, considera-se que essa possibilidade permite re-significar os aspectos formativos das pesquisas comparativas como espaço privilegiado de aprendermos uns com os outros7, diante das diferenças e semelhanças.

7 Há atualmente um movimento de valorização das pesquisas comparadas, buscando ressignificá-la para

romper com os enfoques tradicionais de estudos internacionais que forçam tendências e valores colonialistas. (GEORGEN, 1991; KRAWCZYK, 2003) Nesse sentido, o desafio que envolve as pesquisas comparadas é como produzir conhecimento consistente e comprometido criticamente com a realidade social. Diante dessa consideração é que se pensou, desde uma perspectiva pedagógica, que uma das possibilidades seria aprender uns com os outros ao produzir conhecimento por meio de pesquisa comparada em Educação.

Ao desenvolver a pesquisa muitas possibilidades de trabalho foram aflorando-se, como reações de curiosidades, comentários de alguns professores argentinos e brasileiros, sobre o uso da pesquisa comparativa. Tanto os professores argentinos quanto os brasileiros demonstraram interesse em reafirmar suas diferenças. Alguns relataram intercâmbios e produções conjuntas. Da parte dos professores argentinos, que conheciam alguma universidade brasileira, predominaram comentários sobre as péssimas condições físicas e materiais oferecidos pela universidade na qual trabalhavam em relação à universidade brasileira em que estiveram.

Quanto aos professores brasileiros que conheciam alguma universidade ou professores da Argentina, apareceram comparações sobre a forma de organização do trabalho dos professores argentinos – eles podiam conciliar trabalhos externos com o trabalho na universidade. Outra questão apontada pelos brasileiros relacionava-se com a titulação em Mestrado e Doutorado. Na Argentina não era comum a titulação entre os professores tal como no Brasil. Houve comentários positivos, outros consideravam um problema, inclusive, em termos de intercâmbio. Era impossível convidar um colega da Argentina, por exemplo, um estudioso reconhecido em determinado assunto, para participar de bancas de exame de pós-graduação no Brasil dada a falta de titulação.

Como se vê, até a metodologia adotada para a pesquisa revelou percepções subjacentes aos conhecimentos prévios dos professores em relação aos colegas do país vizinho. Muitas vezes, esses comentários e episódios ajudavam a descobrir peculiaridades dos contextos, importantes para a análise.