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Parte II Da condição ampla da profissão de professor

3.5 O conceito de profissão e suas abordagens

O termo profissão é comumente utilizado para designar uma ocupação assumida por uma pessoa conforme a realização de seu trabalho. No campo acadêmico, o conceito de profissão, varia conforme a abordagem e o contexto. No contexto anglo-americano, por exemplo, segundo Dubar (1997), o termo profissão é reservado para as profissões liberais, ditas sábias, profissões aprendidas com alguém e que se distinguem de occupations, ou conjunto de empregos reconhecidos pelo Estado. Nesse sentido, há uma contraposição entre profissão e ocupação, reservando-se, à primeira, um status diferenciado relacionado à formação.

Já entre franceses e portugueses, o termo profissão designa tanto as profissões liberais quanto os empregos. Para Dubar (1997), no caso francês, também tem relevância o termo ofício (métier) que, em sua origem, se encontra intimamente relacionado com os das profissões liberais na consolidação das corporações de ofício, a partir do século XI na Idade Média.

Nesse contexto, o trabalho considerado como uma arte passa a ser elemento de integração dos grupos que o exerciam, por meio da consolidação das corporações de ofícios. Essas corporações constituíam competências jurídicas, regulamentadoras da profissão de seus agregados conferindo-lhes autorização para seu exercício e defendendo os privilégios daqueles que as constituíam:

As artes liberais e as artes mecânicas, os artistas e os artesãos, os intelectuais e os trabalhadores manuais provinham de um mesmo tipo de organização corporativa que assumia a forma de ‘ofícios juramentados’ nas ‘cidades juramentadas’, onde ‘se professava uma arte’. O termo ‘profissão’ deriva desta ‘profissão de fé’ consumada nas cerimônias rituais de entronização nas corporações.(DUBAR,1997, p.124, grifos do autor)

Com a consolidação das primeiras universidades no âmbito europeu, as distinções entre artes liberais e artes mecânicas assumem uma oposição marcante. Assim, as primeiras constituem as profissões liberais originadas das ‘sete artes liberais’, ensinadas na universidade tendo, como foco, o desenvolvimento do espírito. As artes mecânicas constituíam os ofícios, eram centradas nos trabalhos manuais, aprendidas na prática e socialmente menos valorizadas. Dubar vê, nessa oposição, as distinções “socialmente estruturantes e classificadoras que se reproduziram através dos séculos: cabeça/mãos, intelectuais/manuais, alto/baixo, nobre/vilão, etc.” (DUBAR,1997, p.124)

Contudo, tanto os artesãos quanto os profissionais liberais tinham em comum o pertencimento à corporação. Ela cumpria importante papel na formalização e proteção de seus interesses, imprimia o sentimento de pertença a um grupo e seu posicionamento social.

Essa diferença expressa as raízes das principais abordagens da profissão como objeto de estudo na disciplina Sociologia das profissões, cuja institucionalização se deu no século XX. A preocupação inicial que motivou os estudos das profissões tinha como análise dois eixos principais: “a delimitação e posicionamento dos grupos profissionais e a coesão ou unicidade interna das profissões.” (BARBOSA, 1993, p. 03)

Do desenvolvimento dos estudos no âmbito da sociologia, surgem distintas abordagens. Inicialmente predominaram as abordagens funcionalistas, mais voltadas para classificação e definições dos atributos das profissões, tomando, como modelo, as profissões liberais, principalmente a profissão médica, em oposição às ocupações.

Nessa perspectiva, as profissões são entendidas considerando-se os atributos próprios de um ideal de profissão liberal, tais como: auto-organização e controle das atividades profissionais (ingresso, pemanência, ética) por meio de associações e corporações profissionais legalmente reconhecidos; direito ao exercício da profissão sob condição de atividades especializadas e intelectuais adquiridas por meio de longa formação baseada na ciência e instrução; as profissões constituem comunidades cujos membros possuem identidades e interesses comuns e exercem suas atividades em tempo completo e de forma continuada; os membros de uma profissão gozam de prestígios, poder, boa remuneração e apresentam interesses altruístas entre outros. (TENTI FANFANI, 1989)

Sobre a dimensão altruísta, Tenti Fanfani (1989) esclarece que a própria terminologia profissão encerra a ideia de desinteresse na confissão pública de fé conforme exposto anteriormente. No entanto, as profissões modernas recorreram a essa característica para definir-se. E, então, consideraram a “satisfacción de necesidades próprias de todo el género humano” da qual se origina a distinção entre a retribuição do trabalho em forma de salários e em forma de honorários. Os profissionais liberais recebem honorários cujos sentido é “sustener el honor estamental que reinvindican todas las profesiones constituídas.” (TENTI FANFANI,1989, p.27)

Considerando-se as profissões desde suas características e distinções nas funções que cumprem na sociedade, a abordagem funcionalista tendeu a ver as profissões da seguinte forma:

Mediaciones entre las necesidades individuales y las necessidades funcionales de la sociedad, y contribuyen a la regulación y al control que permite el buen funcionamiento de la sociedad. Las profesiones, entonces, no constituyen clases sociales, ni tampoco toman posición de clase. Son neutras, es decir, ofrecen sus servicios en forma igualitária a todos los indivíduos que componen la sociedad. (TENTI FANFANI,1989, p.27)

Nessa perspectiva, os estudos tendem a buscar um tipo ideal de profissão decorrendo daí as noções de semiprofissão e não profissão, na classificação dos grupos profissionais.

Não profissão designa os grupos que exercem seu trabalho submetido a algum controle externo, são assalariados e gozam de pouca formação. Por semiprofissão ou quase profissão compreende-se a situação intermediária entre profissão e não profissão. Trata-se de grupos constituídos

por assalariados, amiúde parte de burocracias públicas, cujo nível de formação é similar ao dos profissionais liberais. Grupos que estão submetidos à autoridade de seus empregadores, mas que lutam por manter ou ampliar sua autonomia no processo de trabalho e suas vantagens relativas quanto à distribuição de renda, ao poder e prestígio. (ENGUITA, 1991, p.43)

Os limites dessa abordagem no plano empírico e as críticas aos seus pressupostos ideológicos em torno da neutralidade das profissões propiciaram o desenvolvimento de outros estudos sobre o tema. Daí, elas passaram a ser compreendidas desde a perspectiva processual, histórica até as relações de poder que se constroem em torno delas. (BARBOSA, 1993; RODRIGUES, 2002)

Da busca pelo entendimento mais processual e interacionista das profissões como objeto de estudo emergiu o conceito de profissionalização: “uma sequência de eventos ou etapas seguida pelos grupos ocupacionais até o estádio do profissionalismo.” (RODRIGUES, 2002, p. 17) Tal definição, de acordo com Rodrigues (2002) foi apresentada por Winlensky ao analisar os processos de evolução de 18 profissões e suas etapas. E, então, ele chegou a conclusão de que todas as profissões passavam pelas seguintes etapas:

Passagem de uma atividade amadora à ocupação de tempo inteiro; Estabelecimento de controle sobre a formação;

Criação de associação profissional, cujas principais funções são a definição das tarefas essenciais, a gestão dos conflitos internos entre os membros com diferentes recursos de formação e a gestão dos conflitos com outros grupos que desenvolvem atividades semelhantes;

Proteção legal;

Definição de código de ética. (RODRIGUES, 2002, P.22)

Acrescenta Rodrigues (2002) que essa noção de profissionalização foi sendo ampliada a medida que os estudos empíricos demonstravam que as profissões evoluíam em muitas direções, a ritmos e sequências distintos, em âmbito local e nacional, não permitindo uma leitura contínua entre ausência e consolidação da profissionalização.

Além disso, as próprias mudanças no mundo do trabalho foram gerando novos desafios aos estudiosos das profissões, evidenciando que a organização capitalista alterara as condições de trabalho. Assim, inicialmente, presenciou-se à passagem do profissional livre num mercado de serviços para o especialista assalariado em grandes organizações. Posteriormente, o capitalismo pós-industrializado se desloca radicalmente para a produtividade baseada na informação organizada. Desse modo, o conhecimento passa a ser fator chave.

Nesse contexto, os estudos de distintas afiliações teóricas voltam-se para o entendimento da profissionalização como fenômeno pertencente à dimensão da desigualdade social fruto das relações de poder estabelecidas, tais como: relações entre poder e saber presentes na divisão social do trabalho; relações de poder entendidas pelo posicionamento de classe reproduzido na divisão social do trabalho.

O desenvolvimento desses estudos foi permitindo desmitificar o entendimento da profissionalização26, revelando processos estruturais como: desprofissionalização, burocratização, proletarização e outros. Também desvelou distintos processos relativos às especificidades de segmentos analisados e seus contextos históricos.