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Parte II Da condição ampla da profissão de professor

CAPÍTULO 4: EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL E NA ARGENTINA

4.2 A educação na Argentina

4.2.1 A educação superior na Argentina

A primeira instituição de educação superior criada na Argentina foi a Universidade de Córdoba, instituída no início do século XVII, por meio da transformação de um colégio jesuíta. Essa é uma característica distintiva no histórico da educação superior deste país.

Em termos históricos, não se pode omitir o legado dessa Universidade na América Latina. Em 1918, realizou-se a Reforma de Córdoba, que institui, de maneira inovadora e coletiva, novos marcos e concepções de uma universidade numa perspectiva democrática.

Os estudantes dessa universidade realizaram uma ampla movimentação manifestando-se “contra un regimen administrativo, contra um método docente, contra um concepto de autoridad.44” Exigiam, portanto, transformações substanciais no âmbito da vida acadêmica, como: democratização do governo universitário, renovação dos métodos de ensino, admissão dos docentes por concursos, abertura de cátedras livres, gratuidade do ensino, extensão universitária.

O manifesto escrito pelos estudantes estendeu-se aos demais colegas latino americanos e repercutiu nas universidades dos demais países influenciando manifestações estudandis sob as mesmas aspirações. Ainda hoje as influências teóricas e ideológicas são recorrentes nos diferentes discursos atuais acerca da educação superior e da universidade na América Latina. Alguns dos princípios defendidos na Reforma de Córdoba continuam anseios a serem alcançados pelas universidades latino-americanas. (TÜNNERMANN, 2008)

Depois de Córdoba, a segunda universidade da Argentina é a Universidade de Buenos Aires, que começou a funcionar em 1816. As demais universidades argentinas foram instituídas no século XX: La Plata (1905), Del Litoral(1919), Tucuman (1921), Cuyo (1938)45.

Tal como a tendência nas demais instituições da América Latina, predominava, também, na Argentina, o modelo de universidade inspirado na ideia napoleônica, ou seja, uma universidade profissionalizante orientada por uma concepção laica, pragmática e estadista,

44 Manifiesto Liminar de la reforma universitária, 21 de junio de 1918.

45 Atualmente a Argentina possui mais de 40 universidades, entre públicas e privadas, como veremos mais

encarregada de formar cidadãos, profissionais e administradores. Mollis (2003) afirma que tal modelo se “adapta a sistemas sociales relativamente estáticos y mantiene una estrecha vinculación con el Estado, el cual reconoce fueros y derechos a la vez que las financia.” (MOLLIS, 2003, p. 264) Por outro lado, ela considera que essa universidade apresentava algumas características constitutivas, uma delas era a autonomia acadêmica e administrativa em sua organização, condições essas, muitas vezes desrespeitadas pelas intervenções dos governos.

Outra característica apontada por essa autora é que tal modelo atendia às demandas de uma classe social específica, que compartilhava e controlava o poder político. Nesse sentido, a universidade constituía um espaço de preparação dos dirigentes e contribuía para a manutenção das estruturas de poder dominantes.

Já Buchbinder (2005) considera que a universidade argentina cumpriu distintos papéis desde sua origem, como retrata esse trecho:

En su devenir, la universidad argentina ha cumplido con distintos tipos de funciones. Constituyó un ambito esencial de formación y sociabilidad de las elites políticas y culturales, en un sentido amplio, desde los tiempos coloniales. Fue una instancia clave en la promoción social de las clases medias desde finales del siglo XIX y, en cierta medida, también de los sectores populares desde mediados del siglo XX. Este fator configura todavia hoy un elemento central en las representaciones coletivas divulgadas en torno a la universidad. (BUCHBINDER, 2005, p.10)

Em síntese, a longevidade da universidade na Argentina e a evolução da educação superior têm estreita relação com o lugar ocupado pela educação em geral neste país, pois a expansão da educação básica, conforme apresentado anteriormente, sustentou também maiores demandas pela educação superior. Nesse sentido, a educação superior na Argentina apresenta algumas peculiaridades em relação aos demais países da América Latina, tais como expansão, publicização e ingresso irrestrito.

Quanto à expansão do sistema de educação superior, antecede à tendência predominante a partir da década de 1950. Enquanto os demais países da América Latina expandiram-se a partir desse período, a Argentina, em 1955, já apresentava índice de matrícula no Ensino Superior, equivalente a 37,4% do total de matrículas nessa modalidade na América Latina. Tais dados podem ser visualizados nas tabelas 02 e 03 expostas anteriormente neste texto.

Para Buchindler (2005), esse processo foi desencadeado por meio de uma série de medidas que buscavam romper com as limitações de ingressos à universidade destinados aos setores da população que possuíam menos recursos econômicos:

La más importante de estas medidas fue, problablemente, la supresión de los aranceles a la educación superior dispuesta em 1950. Esto aseguró por primera vez la plena gratuidad de la enseñanza em dicho nível. Em 1953 se seuprimió el examen de ingreso, lo cual impulso nuevamente el aumento de la matricula universitária. Por otro lado, a finales de los años cuarenta se implementó um sistema de becas para que Estudiantes de escasos recursos pudiesen acceder a la educación superior. Esta política permitió ampliar la base social del estudiantado y el ingreso de indivíduos provenientes de los sectores populares. (BUCHINDLER, 2005, p. 160)

Observa-se que nesse período foram estimuladoss a gratuidade e o acesso à universidade, sem exame de seleção. Segundo diversos autores, esse processo de democratização enfrentou inúmeros desafios, desde as condições estruturais necessárias para acomodar as demandas até as altas taxas de evasão e repetência geradas nos percursos acadêmicos.

Na verdade, a concretização desse sistema massivo se fez inicialmente, em um contexto majoritariamente público, pois no início da década de 1950 a Argentina possuía sete universidades públicas e nenhuma particular (Krotsch, 2009).

Todavia essa conformação inicial sofreu alterações a partir de 1955, com abertura para iniciativas privadas juntamente com a instalação de investimentos públicos em uma proposta de renovação e modernização do sistema universitário na Argentina.

Na visão de Buchindler (2005) essa proposta pautava pela tendência internacional, pós- Segunda Guerra Mundial. Nessa época, o conhecimento científico estava sendo tomado como fator impulsionador do desenvolvimento econômico dos estados. Nesse sentido, as propostas de modernização propunham renovar as estruturas curriculares e fortalecer o caráter científico das universidades.

De modo muito semelhante ao ocorrido no Brasil, com a reforma universitária de 1968, algumas iniciativas na Argentina foram: criação do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (1958) voltado para o financiamento da pesquisa e permitindo o desenvolvimento da carreira de investigador; introdução dos Ciclos Básicos nos primeiros anos de estudos universitários; flexibilização e atualização curricular; departamentalização

das faculdades; estímulo à dedicação exclusiva, entre os docentes; criação de novos cursos, entre outros.

Esse processo de modernização e renovação atingiu, de maneira distinta as diversas universidades, no período de 1955-1966. Esse período foi tratado por muitos autores como a fase mais dinâmica do sistema universitário argentino.

Contudo, o percurso do Sistema de Educação Superior na Argentina sofreu intensa transformação no período ditatorial estabelecido a partir de 1966. A ditadura militar abrangeu dois períodos: de 1966- 1972 e entre 1976-1983. Ambos com marcas fortes sobre a universidade e uso da violência sobre professores e alunos, desencadeando fatos marcantes como a Noche de los bastones largos em 1966 quando os militares invadiram a faculdad de ciências exactas e agrediu fisicamente professores e alunos, prendendo mais de 150 deles. O segundo período da ditadura, também conhecido como ditadura terrorista, foi marcado por ações repressivas e violentas com assassinato e desaparecimento de estudantes e professores.

Em ambos os períodos houve um esvaziamento das universidades, pois a repressão e perseguição levaram o afastamento dos docentes da universidade tanto pelas mortes e sequestros sofridos, quanto pela busca de exílios em outros países por parte dos sobreviventes perseguidos.

Concomitante a esse cenário, Buchindler (2005) expõe que as medidas propostas no governo militar consistiam em estratégias para desmobilizar o movimento estudantil e despolitizar a universidade. Nesse sentido, promoveram-se: diversificação institucional acompanhada de descentralização; criação de institutos terciários; introdução de mecanismos seletivos; restrições orçamentárias; cobranças de mensalidades; ruptura com a produção científica e outras.

Durham (2000) assim sintetiza a repercussão desse período sobre a educação superior no país:

A partir de 1966, a instabilidade institucional e a repressão política contribuíram não só para interromper o crescimento e a desconcentração regional do setor público de ensino superior no país, mas também para desorganizar as atividades acadêmicas, especialmente na universidade de

Buenos Aires. Foi no período entre 1976 e 1977, o mais repressivo do regime militar, que as matrículas no setor público de ensino superior efetivamente diminuíram. Nesse quadro, o setor privado, notadamente a Universidade Católica Argentina, constituiu-se em uma alternativa ao ensino superior público, oferecendo maiores possibilidades de formação acadêmica regular. Havendo também o governo militar deixado de investir na pesquisa universitária e na formação do quadro docente, a qualidade do ensino superior público decaiu. Acresce-se, ainda, nesse quadro de deterioração do ensino superior público, o êxodo de intelectuais promissores, sem condições políticas e financeiras para desenvolverem suas atividades de pesquisa, bem como o gigantismo das universidades, provocado pelo ingresso irrestrito. (DURHAM, 2000, P. 18)

Posterior a esse período, com a retomada da democratização, o sistema universitário argentino encontrava-se completamente alterado e as universidades sucateadas com uma produção científica muito pobre. (BUCHINDLER (2005); KROTSCH (2009); e outros)

Diante desse contexto, o desafio enfrentado na década de 1980 era de reconstrução da universidade. Os processos políticos desencadeados foram tomando rumos distintos e a partir de 1990, emergiram novos delineamentos para a educação superior na Argentina, conforme será tratado em seguida.