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Parte II Da condição ampla da profissão de professor

CAPÍTULO 4: EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL E NA ARGENTINA

4.2 A educação na Argentina

4.2.3 Da Reforma da educação superior na Argentina dos anos

As análises acerca da educação superior na Argentina, na década de 1990 denotam que ela seguiu a tendência predominante no conjunto da América Latina: uma reforma apoiada em dispositivos legais e sob forte influência da política do Banco Mundial.

A propósito, as características assumidas pelas reformas nos diversos países apresentaram como eixos comuns: diferenciação e diversificação institucional com abertura para a instalação de instituições privadas nos âmbito do sistema de ensino superior, estabelecimento de mecanismos de avaliação institucional respaldados no âmbito do Estado Nacional.

Especialmente sobre a Reforma da Educação Superior na Argentina, Mestman e Suasnábar (2006) apontam, como marco, a criação da Secretaria de Política Universitária (SPU) em 1993 e a Ley Federal de Educación Superior 24.521/1995. Assinalam esses autores que a criação da Secretaria de Política Universitária no âmbito do Ministério da Educação da Argentina, produz

...el pasaje de una política declarativa (centrada en la construcción de la agenda a través de la difusión de investigaciones, estadísticas y diagnósticos) a la instrumentación de las principales medidas propuestas. La sanción de la Ley de Educación Superior sancionada en 1995 marcaría la orientación de las políticas universitarias durante este período que siguem los lineamientos del BM… (MESTMAN E SUASNÁBAR, 2006, p. 06)

Autores diversos apontam os principais aspectos estabelecidos pela Lei 24.521/1995, destacando a institucionalização da avaliação um dos aspectos mais ressaltados por Krotsch (1996), Mollis (2003), Catani e Azevedo (2005), Lamarra (s/d); e outros.

A propósito, eis a análise dessa lei:

1)establece criterios para el gobierno de las instituciones que, si bien sigue con el modelo de gobierno tripartito, tiende a fortalecer a las autoridades unipersonales,

2) descentraliza el régimen económico financiero. De esta manera, promueve la diferenciación en materia de retribuciones y la competencia entre las universidades,

3)estimula la creación de universidades privadas, promueve la estratificación por niveles a través de legislar sobre el postgrado y sobre el papel que ha de tener en la formación de docentes de grado,

3) complejiza y verticaliza la estructura de poder mediante la creación de organismos de coordinación como: Consejo de Universidades, Consejo Nacional de Acreditación y Evaluación y los Consejos de Planificación Regional,

4)flexibiliza la tradicional distinción público-privado, y

5) complejiza el sistema: establece mecanismos de regulación del conjunto estructurándolo en torno a un campo que incluye la educación superior no universitaria . (KROSTCH, 2009, p.205)

Baseando-se nessas características, diversos autores consideram que a lei da educação superior na Argentina veio coroar o processo de reforma desencadeado desde o início da década. A primeira evidência dessa situação foi a abertura para diversificação institucional. Para o entendimento dessa abertura, recorreu-se a Lamarra (s/d). Segundo ele, entre 1990 a 1996, ou seja, em sete anos, foram criadas 21 universidades privadas na Argentina. Esse número é quase o mesmo correspondente às universidades privadas que foram criadas nos 32 anos precedentes, pois entre 1958 a 1990, foram criadas 23 universidades privadas.

Por outro lado, o número de universidades nacionais criadas nesse período de 1990 a 1996 foram 12, todas centradas na Grande Buenos Aires e trazendo, como característica, a grande diversificação em suas formas de organização e funcionamento.

A propósito, como apresentado anteriormente na lei nacional de educação, a educação superior na Argentina é organizada em universitária e não universitária. A lei de educação superior estabelecida em 1995 procurou regular e articular os subsitemas universitário e não universitário, distinguindo quatro tipos de instituições: universidades, institutos universitários, colégios universitários e institutos terciários que são denominados institutos de educação superior, voltados para a formação docente, humanística, social, técnico- profissional ou artística (Art. 1º e 5º). Portanto esse formato possibilitou a criação e funcionamento de diversas instituições de ensino superior que se diferenciam em termos de organização e metodologia.

Os reflexos dessa diversificação na composição do sistema de educação superior na Argentina em 2008 podem ser visualizados na tabela a seguir:

TABELA 9: Instituições de educação superior na Argentina por categoria administrativa em 2008 Tipo de gestão/Instituições Universidades Institutos universitários Institutos de educação superior não universitário Total Estatal 42 06 913 921 Privado 44 13 1.139 1.206 Estrangeira 1 0 - 1 Internacional 0 1 - 1

Fonte: Anuário Estatístico SPU/2008

Observa-se nessa tabela a predominância de instituições privadas na composição da educação superior argentina e ainda a existência de uma universidade estrangeira e um Instituto Universitário Internacional. A denominação Instituto Universitário Internacional corresponde à Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais47(FLACSO) que foi criada na Argentina por meio da Lei 23703/89. Por universidade estrangeira chama-se a representação da Universidade de Bolonha, que teve seu credenciamento por meio do Decreto do Poder Executivo Nacional 726/2001.

Conforme a tabela, verifica-se ainda, no universo das instituições a predominância de instituições não universitárias tanto públicas quanto privadas. Contudo, constata-se que o maior número de estudantes na educação superior argentina, é atendido nas instituições estatais, demonstrando a predominância no atendimento público estatal, conforme visualiza a tabela a seguir:

47 A FLACSO é um organismo internacional, intergovernamental, autônomo, fundado em 1957, pelos Estados

latino-americanos, a partir de uma proposta da UNESCO e implantou várias sedes em diversos países da América Latina.

TABELA 10:Número de estudantes matrículados na graduação e pré-graduação das instituições de educação superior argentinas, por categoria administrativa em 2008

Tipo de instituição Universidades Institutos de educação superior não universitários Total Estatal 1.283.482 315.826 1.599.308 Privado 317.040 261.683 578.723 Total geral 1.600.522 577.509 2.178.031

Fonte: Anuário Estatístico SPU/2008

Esses dados acerca do atendimento universitário evidenciam que o sistema de educação superior argentino mostra-se aberto à privatização, mas manteve suas características de sistema massivo e predominantemente público. Comparando-se os dados do censo demográfico de 2010 sobre a população jovem (18 a 24 anos) com os dados das matrículas de 2008, constata-se uma taxa bruta de 46% de atendimento.

Em relação às formas de ingresso e à gratuidade do ensino nas universidades públicas, a Lei 54.521 deixou a critério de cada universidade o estabelecimento ou não de mecanismos seletivos e pagamento de mensalidades. Essa situação gerou muitos debates e resistências de algumas instituições que se propuseram a exigir pagamentos e seleção de estudantes não alcançando uma iniciativa massiva nas instituições públicas em geral. De acordo com Buchbinder (2005), a cobrança de mensalidades só foi generalizada nos cursos de pós- graduação.

Referente ao atendimento, a abertura à privatização não trouxe grandes transformações em relação à predominância do público. Contudo, segundo os autores as dimensões qualitativas evidenciam mudanças de relações estabelecidas em termos de gestão e regulação do sistema, com plena interferência nas dinâmicas institucionais.

Outras críticas às tendências assumidas pela educação superior, a partir da Lei 24.521 podem ser encontradas nos registros críticos dos movimentos coletivos dos professores e nos

trabalhos acadêmicos desenvolvidos sobre a educação superior. Como parte dessas produções, cita-se o periódico Pensamento Universitário. Nele há uma quantidade significativa de artigos desnudando as questões relativas à Reforma da Educação Superior na Argentina.

Assim sendo, a percepção do processo de privatização pode ser mais bem entendida na introdução de um documento de contestação à lei de educação superior elaboradas pelos docentes de uma Universidade Nacional, como neste trecho:

La posición de la Universidad Nacional del Comahue respecto a la Ley de Educación Superior ha sido de rechazo a la misma en virtud de interpretarla como un diseño de política universitaria que permitía el avance del sector privado, la subordinación de las universidades nacionales al Ejecutivo Nacional con la consecuente pérdida de la autonomía universitaria y la redefinición de las universidades nacionales ajustándolas a un modelo empresarial que debía ser gestionado desde la lógica propia del sector privado, bajo la racionalidad instrumental del cálculo costo – beneficio. En el marco de estos análisis, se ha vinculado este modelo con las recomendaciones que enfatizaron los organismos internacionales de crédito para los países dependientes, en la década del noventa. (BARCO, 2010, p. 01)

Esse posicionamento retrata a conjuntura global contestada pelos docentes. Como descrito nesse trecho, alguns mecanismos de gestão e de incentivos financeiros às práticas de investigação mudavam as relações entre os docentes e as instituições, repercutindo sobre as formas de trabalho e organização.

Ademais, um dos indicadores mais apontados nos textos, refere-se à abertura à privatização ter sido acompanhada do estabelecimento, por meio da lei, de mecanismo de avaliação com a Criação da Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria (CONEAU). A função dessa comissão era avaliar o credenciamento das instituições de ensino superior tanto estatais quanto privadas.

As principais críticas sobre a institucionalização da avaliação diz respeito ao seu caráter centralizador e sua intrínseca relação com um processo de abertura ao mercado. Também a constituição da Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria tem sido criticada por consagrar o processo de tecnocracia estatal, cuja base está no apoio de intelectuais como forma de legitimar, cientificamente, as propostas governamentais. Essa questão é analisada por Mestman e Suasnábar (2006):

La consolidación del rol de Estado como Estado Evaluador y de la evaluación como eje estructurante de las políticas universitarias constituyen el rasgo dominante de este período.

De esta manera, si por un lado se pluralizan las instancias de gobierno del sistema con la creación de los llamados organismos de “amortiguación” como la CONEAU, el Consejo de Universidades y los Consejos de Planificación Regional donde se integran las formas de coordinación interuniversitaria como el CIN, por otro, desde la SPU se implementaran un serie de programas especiales que definidos desde el nivel central y ejecutados de forma descentralizada configuran una nueva línea de conducción de las instituciones universitarias. Esta centralidad de la evaluación que atravesarán todas las acciones estatales tendrá como resultado la emergencia de nuevos actores en la construcción de políticas como los ‘mandarinatos académicos’ (comité de pares) y la activa presencia de una tecnoburocracia estatal con altas credenciales académicas. (MESTMAN e SUASNÁBAR, 2006, p. 06, grifos dos autores)

A respeito das especificidades da lei de educação superior na Argentina e o conjunto de novos ordenamentos relacionados à política univeristária, Krotcsch (2009); Chiroleu (2006 e 2009); Buchbinder (2005), Mollis (2003) e outros consideram que esse processo reformista alterou o cenário do sistema de educação superior argentino.

Particularmente, para Mollis (2003) a reforma da educação superior vivenciada na Argentina alterara, em profundidade, a identidade das universidades, especialmente, as universidades nacionais e, consequentemente, trazia implicações para os docentes em suas condições de trabalho, como deixou claro neste trecho: “Nuestras universidades tienen alterada su identidad como instituciones de los saberes hacia la construcción de una nueva identidad que las asemeja al “supermercado”, donde el estudiante es cliente, los saberes una mercancía, y el profesor un asalariado enseñante.(MOLLIS,2010, p.202)

Essa autora aponta duas medidas adotadas na política de promoção da qualidade implementada pelo Ministério da Educação da Argentina. Essas medidas impulsionaram a avaliação e o credenciamento de instituições, de carreiras universitárias e de pós-graduação e estão expressas nos seguintes programas:

• el Programa de Incentivo a los Docentes-Investigadores, desde 1993, que otorga fondos adicionales para premiar el mayor rendimiento del trabajo académico de los mismos, y

• el fondo para el Mejoramiento de la Calidad Universitaria (F.O.M.E.C.) que, desde 1995, destina fondos a través de concursos para apoyar financieramente procesos de reforma y mejoramiento de la calidad de las universidades nacionales (MOLLIS, 2010, p.513)

Para Buchbinder (2005), esses programas incidiam diretamente sobre os docentes universitários modificando seus mecanismos de remuneração e formação. Além disso, eles constituíram um instrumento nas mãos do governo federal para atuar diretamente no interior das universidades. Esse fato resultou em muitos questionamentos sobre seus efeitos na autonomia universitária.

Quanto aos critérios de avaliação utilizados por esses programas, foram vistos como estímulos para aumentar a competitividade entre os docentes, pois geravam acréscimos financeiros somente para os professores que alcançassem a produtividade exigida. Martinez (2010) analisa a questão da seguinte forma:

Dentro desta lógica acadêmica pseudo-empresarial, están los incentivos a la producion como fomento eficientista, casi una ficción en el cotidiano del trabajo docente universitario, (un sobresueldo “en negro” a veces más importante que el salario) se incluye en lo cotidiano como alta exigencia que supone tareas de un tiempo y esfuerzo extra, no siempre inserto en el trabajo real ( al decir de Dejours) (MARTINEZ, 2010, p.62)

Apesar das críticas, a institucionalização desses programas e a nova legislação sobre a educação superior na Argentina, na década de 1990, gerou modificações substantivas no sistema e seus reflexos permanecem no contexto argentino atual, mesmo diante das mudanças de governo e a chegada de Kirchner a partir de 2003.

A propósito, de acordo com Mestman e Suasnábar (2006), entre as medidas apontadas no governo Kirchner para a educação superior, somente o aumento do investimento para a Ciência e Tecnologia significou um avanço. Já as demais ações governamentais podem ser caracterizadas como “sumatoria de medidas parciales y poco integradas algunas centradas en los ejes de la agenda” (MESTMAN e SUASNÁBAR, 2006, p.09)

A opinião de Chiroleu (2009) também coincide com as análises desses autores. Ela considera que não se consolidou uma agenda de política universitária na primeira década do século XXI na Argentina, e diz: “la univesidad solo logró concitá la atención pública cuando dispuso medidas de fuerzas en reclamo de una actualización e los salários docentes o cuando la magnitud de ciertos conflitos de índole interna despertaron el interes de los médios de comunicaciones.” (Chiroleu, 2009, p.25)

Entretanto, ela admite que a ausência de inserção do tema universitário na agenda de governo nos últimos anos e a continuidade das propostas da década de 1990 podem ser responsáveis pela própria acomodação dos atores universitários em relação à conformação alcançada no cotidiano das instituições.

Por fim, na avaliação de Buchbinder (2005), a universidade argentina atualmente experimenta problemas e conflitos que não estão desarticulados do processo de crescente degradação institucional que o país vem vivendo desde o início deste século. Nesse contexto, ele ressalta que a massificação do ensino universitário encontra-se acompanhada de um processo de perda de autonomia da universidade. Além disso, a ausência de concursos docentes tem gerado distorção na composição do corpo docente, e favorecido a manutenção de privilégios a um grupo reduzido que atua de forma corporativa.