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A atividade do juiz frente aos referidos princípios

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 178-185)

8. ATIVIDADE INSTRUTÓRIA DO JUIZ

8.3. A atividade do juiz frente aos referidos princípios

“Juízes mais conscientes de seu papel social e de sua responsabilidade estão assumindo a liderança de um processo de reformas, tendo por objetivo dar ao Judiciário a organização e a postura necessárias para que ele cumpra a função de garantidor de direitos e distribuidor de Justiça” 228

Em que pese a autonomia do direito processual em relação ao direito substancial, não se pode negar que o processo é o instrumento para a atuação do direito material e, por conseguinte, para a obtenção da harmonia social, devendo a conduta de todos os sujeitos nele envolvidos perfilhar-se neste sentido.

É finalidade social do processo a manutenção da ordem jurídica, pacificando os conflitos com justiça e, assim, garantindo o bem-estar social, objetivo primordial do Estado contemporâneo.

Para que as normas criadas pelo Estado possam assegurar a paz social, devem ser administradas de forma correta, destinando-se a concretizar o escopo da jurisdição.

Como a jurisdição se realiza por meio do processo, para que haja a composição justa do conflito, a tutela jurisdicional deve conferir plenitude ao direito material, conformando-se e adequando-se às suas especificidades, no plano do processo. A efetividade do provimento jurisdicional, portanto, está diretamente vinculada à plena concreção do direito substancial.

Neste cenário, deve a atividade judicial voltar-se, de forma dinâmica e responsável, à perquirição da verdade real dos fatos que servem de substrato ao litígio, sendo que o êxito no desfecho da relação processual, na concepção

hodierna, não se contenta mais com a mera verdade formal desvelada exclusivamente por interesse e por iniciativa das partes.

O juiz, a pretexto dos princípios da demanda e do dispositivo229, não pode formar sua cognição apenas a partir das provas trazidas pelos litigantes e que, por vezes, se mostram insuficientes à elucidação da realidade, sob pena de comprometer a efetividade do prestação jurisdicional.

A relação processual, na visão publicística que vigora na atualidade, encontra-se em sua fase instrumentalista, segundo a qual o processo deve ser compreendido como um meio pelo qual se atinge a realização do direito substancial e, por conseguinte, a harmonização do conflito com justiça230.

A fim de que a relação litigiosa seja eficazmente solucionada e a paz social seja atingida, o processo deve garantir a máxima elucidação dos fatos controvertidos, aspirando de forma permanente ao resgate da verdade.

Para tanto, não se aceita mais a figura do juiz como mero espectador da relação processual, dependente exclusivamente da iniciativa das partes; o magistrado, na concepção atual do direito, deve ter participação ativa na instrução probatória, envidando todos os esforços para a garantia da efetividade da prestação jurisdicional e para o cumprimento da função social do processo.

A propósito, José R. Bedaque, encampando os ideais inovadores de processualistas italianos como Cappelletti e Chiovenda, assim pondera:

“Tal resultado, que corresponde ao ideal de justiça, jamais será atingido se o magistrado não participar ativamente da produção de prova. Daí por que o art. 130 do Código de Processo Civil deve ser interpretado da maneira mais ampla possível: o juiz pode, em qualquer

229 Princípios estes que, segundo Dinamarco, in Instrumentalidade do Processo, p. 229, não servem mais para afastar a nova visão do direito processual moderno.

caso, determinar a realização de provas. E as regras particulares (arts. 342, 382, 437) devem ser consideradas meramente explicitantes. No âmbito trabalhista, idêntica conclusão se aplica ao art. 765 da Consolidação das Leis do Trabalho.”231

O exercício regular dos poderes instrutórios do juiz, que lhe foram conferidos por lei (CPC, art. 130 e CLT, art. 765), como vimos, não compromete a imparcialidade de sua atuação, nem o tratamento isonômico que deve ser garantido às partes, eis que a atividade oficial deve surgir no contexto do processo, sendo defeso ao julgador trazer aos autos conhecimentos pessoais para suprir omissão da parte.

A dinamização da conduta do magistrado durante a instrução processual, longe de comprometer sua atuação imparcial e de atentar contra a igualdade de tratamento das partes, não encontra qualquer resistência no ordenamento jurídico em vigor, pelo contrário, atende ao interesse público maior da concretização da justiça.

Ademais, especificamente quanto à igualdade, relembramos que a ativização da conduta do magistrado visa justamente a resguardar a isonomia entre os litigantes, porquanto, não raras vezes, um deles tem maior aptidão para a produção da prova, sendo que apenas a intervenção dinâmica do julgador, determinando de ofício a realização da prova, poderá compensar a desigualdade real existente entre os contendores232, garantindo efetividade ao processo. Neste sentido leciona Bedaque:

“A maior participação do juiz na instrução da causa é uma das manifestações da ‘postura instrumentalista’ que envolve a ciência jurídica. Essa postura contribui, sem dúvida, para a ‘eliminação de

231 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, p. 109.

232 AMENDOEIRA JR., Sidnei, Poderes do juiz e tutela jurisdicional: a utilização racional dos poderes do juiz como forma

diferenças de oportunidades em função da situação econômica dos sujeitos. Contribui, enfim, para a ‘efetividade do processo’.”233

O importante é que, ao determinar a prova de ofício, o juiz fundamente sua decisão e garanta a igualdade de oportunidades para que as partes possam se manifestar, zelando não somente pelo princípio da isonomia, como também pelo princípio do contraditório.

Da mesma forma, também pudemos concluir que o princípio dispositivo não pode ser entendido como um óbice ao exercício dos poderes instrutórios do magistrado (art. 130, CPC e art. 765, CLT). No panorama publicista atual do processo, o princípio dispositivo foi mitigado durante a fase instrutória, sendo aumentados os poderes investigativos do magistrado, prestigiando, assim, a busca da verdade e a plena realização do direito. O dispositivo cedeu passo, em matéria de instrução processual, ao princípio inquisitivo e à iniciativa instrutória oficial, demandando, por conseguinte, uma releitura das regras sobre distribuição do ônus da prova, atualmente compreendidas apenas como recurso de julgamento.

Na mesma esteira destacam-se os estudos de Humberto Theodoro:

“O Código, como se vê, não consagra o princípio dispositivo em sua plenitude. Se a parte tem a disposição da ação, que só pode ser ajuizada por ela, o impulso do processo, após o ajuizamento, é oficial. Além do interesse da parte, em jogo na lide, há o interesse estatal, em que a lide seja composta de forma justa e segundo as regras do direito. Eis porque o juiz, no processo moderno, deixou de ser simples árbitro diante do duelo judiciário travado entre os litigantes e assumiu poderes de iniciativa para pesquisar a verdade real e instruir a causa. Antiga doutrina, prestigiada nas edições anteriores deste curso, encontrava no ônus da prova um empecilho a que o juiz tomasse a iniciativa de

promover a prova não diligenciada oportunamente pela parte interessada. Apenas nos estados de perplexidade entre elementos de convicção conflitantes, já existentes nos autos, é que se admitia o juiz, de ofício, determinar a produção de outras provas. A evolução do direito processual, rumo à plenitude do devido processo legal, modernamente visto como o processo justo, conduziu à superação dos velhos limites opostos à iniciativa judicial em matéria de instrução probatória. Acima do ônus da prova – cujas regras atuam na fase final de julgamento da lide e não durante a coleta dos elementos de instrução da causa – prevalece o compromisso com a verdade real.”234

As demandas da sociedade contemporânea, a credibilidade e a respeitabilidade do Poder Judiciário, enquanto meio a assegurar o bem-estar social, não se contentam mais com a figura tradicional do magistrado passivo, mero interlocutor do “jogo de interesses” particulares dos litigantes.

As relações sociais, na atualidade, são complexas, exigindo, para uma solução justa, um juiz sensível e preparado, que não se mostre impermeável aos influxos e às aspirações do mundo em que vive e indiferente ao contexto em que está inserido. Nesta teia intrincada, para que o magistrado consiga atingir a verdade, garantir a concreção do direito e, com isso, assegurar efetividade à tutela, necessário não somente que esteja munido de amplos poderes investigatórios, mas que se mostre disposto a romper antigos dogmas e formalismos inaceitáveis e inadequados aos anseios da sociedade atual.

A integridade do ordenamento jurídico e a obtenção do estado de bem-estar social dependem da assunção pelo magistrado de uma nova mentalidade e de uma postura mais ativa, porquanto a solução justa do litígio é interesse e finalidade do próprio Estado.235

234 THEODORO JÚNIOR, HUMBERTO, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 380.

235 “Instrução. Provas. É dever do Juiz determinar a produção das provas necessárias ao esclarecimento dos fatos (CPC,

Prestigiando as razões teleológicas da atividade instrutória do juiz, preleciona Isis de Almeida:

“Mas a busca sincera, imparcial e acurada é mesmo a procedida pelo juiz, representando a sociedade, à qual interessa uma verdade que vise à estabilidade das instituições, e, particularmente, no Direito do Trabalho, que tenha como finalidade última a paz social, embora, na oportunidade do processo, esteja servindo a uma pretensão pessoal”.236

A atividade instrutória do juiz, portanto, deve perseguir de forma comprometida e responsável a verdade, uma vez que o processo se justifica pelo interesse público maior no restabelecimento da paz social, ainda que o julgamento acabe por se lastrear no juízo de probabilidade e na verossimilhança – resultado este que, em alguns casos, após o esgotamento de todos os meios para o resgate da realidade, parece ser o único possível, embora não desejado pelo Estado-juiz, nem pela sociedade.

Diante de hipóteses em que a dificuldade concreta de uma das partes na realização de uma prova, em razão de sua menor aptidão para produzi-la (prova em poder do outro litigante), puder comprometer o desvendamento da verdade, bem como nas situações em que o magistrado se vê perplexo ante as provas colhidas, eis que conflitantes não somente com os demais elementos dos autos, mas também em descompasso com a razoabilidade e, por vezes, com as regras que da experiência comum se extraem, tem o magistrado o poder-dever de investigar, complementando a instrução processual.

de prova, sem que se tenha determinado a sua produção, é evidente contradição da intenção da busca da verdade real”.

(TRT/SP - 01966200206602005 - RO - Ac. 6ªT 20040141220 - Rel. RAFAEL E. PUGLIESE RIBEIRO - DOE 23/04/2004). 236 Manual de direito processual do trabalho, vol. II, pág. 135, item 35.

Por certo que não estamos aqui a defender a perpetuação das demandas em investigações infindáveis e cruzadas desenfreadas na perquirição da verdade real, mesmo porque decisão morosa não se coaduna com o verdadeiro ideal de justiça.237

Muito pelo contrário, pretendemos deixar indene de dúvidas que o juiz, por ter o dever de entregar a prestação jurisdicional na medida certa da pretensão, precisa fazê-lo de forma efetiva, justa e tempestiva, lançando mão, para tanto, de todos os poderes instrutórios que lhe foram conferidos pelo legislador, eis que é interesse do Estado o descobrimento da verdade.

Somente assim conferirá credibilidade e efetividade à prestação jurisdicional ao Estado, assegurando que seja concretizada a finalidade social do processo.

237 O princípio da duração razoável do processo foi encampado explicitamente pela Constituição da República, art. 5º, inciso LXXVIII.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 178-185)