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Construção da teoria contemporânea do ônus da prova

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 141-145)

7. ÔNUS DA PROVA

7.1. Construção da teoria contemporânea do ônus da prova

As regras sobre distribuição do ônus da prova entre os litigantes sempre renderam inúmeros debates no mundo jurídico, que remontam a priscas eras.

Há registros de que na antiguidade a decisão penderia, caso as provas produzidas não convencessem, em favor de quem tivesse maior honorabilidade, quem fosse mais probo, sendo que na hipótese de idêntica reputação entre os litigantes, o julgamento seria favorável ao réu.

O Direito Romano conferiu caráter mais objetivo às regras sobre distribuição da prova, atribuindo, ainda que de forma incorreta, o ônus apenas ao autor, eis que era ele quem afirmava e, com base nisso, provocava a atuação judicial; o réu, ao negar o fato, não atraía para si o encargo da prova. O equívoco da conclusão, nesta fase do direito, residia no fato de que ao réu nunca era transferido o encargo de produzir a prova, ainda que, além de negar, alegasse fatos que se opusessem aos aduzidos pelo autor.

Posteriormente, o Direito Romano, reconhecendo que a resposta do réu poderia conter também uma afirmação (extintiva, impeditiva ou modificativa), e não apenas a negação do quanto dito pelo autor, ao ele foi atribuído o ônus da prova quanto à exceção alegada em defesa (“reus in excipiendo fit actor”), segundo a regra de Ulpiano (Digesto): “reus in exceptione actor est”.

Os glosadores, ao manusearam os textos romanos, acabaram por imprimir um retrocesso nas regras sobre provas, concluindo que apenas os fatos afirmativos eram objeto de prova, e nunca os negativos (“negativa non sunt probanda”); incorreta tal interpretação, eis que uma alegação negativa pode trazer em si uma verdadeira afirmação, razão pela qual incumbe à parte que a alegar a prova do “fato negativo”, conforme será melhor estudado adiante.

Tal concepção acabou sendo encampada pelo direito medieval (em razão do período da inquisição), passando pelo direito português antigo e repercutiu no direito nacional, sendo incorporada pelo Código de Processo Civil de 1939.

Entre este período romano e o estabelecimento das normas contemporâneas que regem a distribuição do ônus da prova foram desenvolvidas várias teorias a respeito do tema, tendo contribuído para a construção do que conhecemos hoje na legislação processual vários doutrinadores, dentre eles Lessona, Bentham, Webber, Bethmann-Hollweg, João Monteiro e outros, conforme bem retratado por Moacyr Amaral Santos.168

Os diversos estudos desenvolvidos acerca da questão relativa ao ônus da prova tiveram grande valor na construção da teoria atual, eis que conferiram nova interpretação aos textos romanos, distribuindo adequadamente o ônus da prova, atribuindo ao autor o encargo da prova quanto aos fatos sobre os quais se fundamentava a pretensão, bem como ao réu o ônus da prova quando, a despeito de negar a situação alegada na inicial, opusesse um fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do adversário. Conferiu-se, portanto, adequada interpretação à antiga regra de Ulpiano: “reus in exceptione actor est”.

Carnelutti, ao elaborar uma teoria sobre o ônus da prova, vinculava o ônus ao interesse na própria afirmação, vejamos:

“O ônus em provar recai sobre quem tem o interesse em afirmar; portanto, quem propuser a pretensão tem o ônus de provar os fatos constitutivos, e quem propuser a pretensão, tem o ônus de provar os fatos extintivos ou as condições impeditivas ou modificativas (supra, nº 23). Este é um critério coerente com o conteúdo do litígio, posto que se funda na diferença entre defesa e exceção (supra, nº 126); é, além disso, um critério sugerido por uma regra de exceção, posto que quase

sempre aquele em cujo favor um fato constitui a base de uma pretensão ou de uma exceção, proporciona-se a disponibilidade dos meios necessários para demonstrá-lo”.169

Da mesma forma, contribuiu de forma relevante para a construção do modelo albergado por nosso ordenamento jurídico o processualista italiano Chiovenda, ao desenvolver teoria segundo a qual a cada uma das partes seria atribuído o ônus de provar os fatos em relação aos quais tivesse interesse em demonstrar como verdadeiros, atrelando a distribuição do encargo probatório segundo a natureza destes fatos.170

Amaral Santos, perfilhando-se às lições de Chiovenda, assim esclareceu acerca da teoria desenvolvida pelo consagrado jurista:

“Ao autor cabe dar a prova dos fatos constitutivos da relação jurídica litigiosa. O réu, por seu lado, deve prover a prova de suas afirmações, o que pode acontecer de dois modos: a) se alega fatos que atestam, direta ou indiretamente, a inexistência dos fatos alegados pelo autor (prova contrária, contraprova); b) se alega fatos impeditivos, extintivos ou modificativos, ou que obstem efeitos ao fato constitutivo (prova da exceção, no sentido amplo)”.171

Sem embargo das diversas teorias desenvolvidas acerca das regras da distribuição do encargo probatório, importante ressaltar que em nosso entendimento a maior colaboração da doutrina contemporânea para a evolução do tema foi concluir que as regras do ônus da prova são, na verdade, “regras de julgamento”.

169 CARNELUTTI, Francesco, Sistema de direito processual civil, p. 133. 170 CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de direito processual civil, p. 935. 171 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 347.

A propósito, embora a lei processual em vigor trace parâmetros, segundo a natureza do fato (Chiovenda), a respeito de quem assume o risco da prova, o juiz somente aplicará as regras do “ônus da prova” no momento da prolação da sentença, proferindo decisão desfavorável à parte a quem incumbia o encargo de provar o fato e não o fez.

Neste sentido, Pontes de Miranda assim ponderou:

“Em verdade, as regras sobre conseqüências da falta da prova exaurem a teoria do ônus da prova. Se falta prova, é que se tem de pensar em se determinar a quem se carga a prova. O problema da carga ou ônus da prova é, portanto, o de determinar-se a quem vão as conseqüência de se não haver provado; ao que afirmou a existência do fato jurídico (e foi, na demanda, o autor), ou a quem contra-afirmou (=negou ou afirmou algo que exclui a validade ou eficácia do fato jurídico afirmado), seja o outro interessado, ou, na demanda, o réu”. 172

Neste sentido, o juiz socorrer-se-á destas regras se não restar provado, por qualquer meio, ainda que adequada exaustivamente subministrados os poderes instrutórios que lhe são conferidos por lei, o fato sobre o qual se baseia a pretensão.

Por outro lado, se o fato for provado, a prova é incorporada ao processo (princípio da comunhão da prova), não interessando ao julgador quem a tenha produzido, razão pela qual, nesta situação ora delineada, as regras sobre distribuição do ônus da prova passam a ser absolutamente irrelevantes.

Com isso, importante frisar que as regras sobre o risco da prova não podem mais representar óbice à oportuna utilização dos poderes instrutórios do juiz, sobretudo porque o momento crucial para a invocação destas regras é o da prolação da sentença, e não durante a instrução processual. Não devem,

portanto, inibir a atividade oficial na investigação da verdade, não servindo como limitador à boa administração da justiça.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 141-145)