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Lealdade ou probidade da prova

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 36-42)

3. PRINCÍPIOS REGENTES DO INSTITUTO

3.3. Lealdade ou probidade da prova

Primeiramente, antes do exame acerca da aplicação do princípio em epígrafe à matéria de prova judiciária, importante salientar que a relação processual como um todo é regida por fundamentos de lealdade e de ética.

São destinatários deste princípio todos aqueles que participam do processo, sendo-lhes impostos os deveres de moralidade, probidade e compromisso com a verdade, rechaçando-se, por outro lado, condutas processuais que visem à utilização do processo com fins escusos, simulados e fraudulentos.

O Código de Processo Civil criou mecanismos para que o comportamento desleal e o ilícito processual fossem reprimidos, munindo o juiz de poderes inquisitoriais, por meio de imposição de multas, indenizações, além de outras sanções civis, penais e processuais, tais como a proibição de falar nos autos até a purgação do atentado e prolação de sentença extinguindo o processo para obstar ato simulado ou fraudulento das partes (arts. 14 a 18, 129, 600, 601e 881 do CPC).

Neste contexto, o comportamento das partes e de terceiros que participam da relação processual tem que ser norteado pelos deveres de lealdade, probidade e ética, sendo punidas condutas tendentes a imiscuir e alterar a verdade dos fatos controvertidos.

Considerando que a lealdade e a boa-fé são imperativos de todas as relações jurídicas e das relações processuais, em especial, não poderiam deixar de sê-los no que pertine à matéria de prova judiciária.

Todos os sujeitos que participam do processo devem ter interesse na demonstração da verdade dos fatos48, sem máculas ou desvios, eis que a distribuição de justiça é interesse do Estado. Somente assim resta garantida a efetividade do provimento jurisdicional, a harmonia social e, por conseguinte, a credibilidade no Poder Judiciário.

É dever das partes, bem como dos terceiros em poder de quem eventualmente esteja determinada prova, apresentá-la em juízo, ao serem instados a fazê-lo, evitando a utilização de qualquer expediente com intenção de simular uma verdade formal que não corresponda à realidade dos fatos.

Neste diapasão, merecem destaque as assertivas de Manoel Antônio Teixeira Filho:

“Logo, o objetivo de apreender a verdade, de materializá-la nos autos por intermédio de elementos palpáveis e apropriados, nem sempre preside o comportamento dos litigantes, a quem, ao contrário, em determinadas circunstâncias a verdade real não convém, razão por que se interessam em construir, nos autos, uma verdade formal que não coincida com aquela. Tais atitudes escusas, de que por vezes se valem as partes, não eliminam nem comprometem o caráter ético do

processo, embora seja forçoso reconhecer que possam pôr em risco a sua respeitabilidade, aos olhos dos jurisdicionados” 49.

Ao magistrado incumbe, portanto, ante as inúmeras investidas praticadas pelos sujeitos que participam da relação processual contra a boa-fé e a lealdade processual, o dever de restabelecer a respeitabilidade da sociedade no Estado, manejando, para tanto, os instrumentos punitivos conferidos pela própria lei para inibir e punir os referidos atos que configuram litigância de má-fé (art. 17, CPC, de aplicação subsidiária ao processo do trabalho), notadamente em matéria de provas judiciais.

A propósito, a jurisprudência trabalhista, dinâmica e atenta a eventuais expedientes utilizados com o intuito de fraudar direitos e dissimular a realidade, criou mecanismos e soluções hábeis a fazer frente às condutas desleais e de má- fé de qualquer das partes, com a finalidade de preservar a credibilidade e eficácia das decisões judiciais, conforme se observa a exemplo das hipóteses retratadas na Súmula 338 do C. TST.

Situação semelhante encontramos na situação fática retratada na ementa abaixo transcrita, incumbindo ao magistrado o dever de inibir a conduta maliciosa e desleal da parte que tenta imiscuir a verdade:

“Horas extras. Ausência de controle de jornada. A verdadeira defesa da ré consistia precisamente na juntada dos controles de jornada. Dessa exibição procurou se furtar, certamente porque não teriam os documentos conteúdo de real "defesa" no proveito de seus interesses. Essa atitude furtiva não pode ser premiada com a condescendência judicial, incentivando a malícia. O único propósito da ré foi o de sobrecarregar o ônus da prova da parte contrária, sem nenhum apego ao dever de lealdade e boa-fé processual (art. 14 do CPC). Confirmo a condenação”. Relator: Des. Rafael E. Pugliese Ribeiro. Revisor: Des.

Valdir Florindo. Acórdão nº: 20030298967. Processo nº: 09210-2003- 902-02-00-0. Ano: 2003. Turma: 6ª. Data de Publicação: 04/07/2003. TRT/SP.

Ademais, e sem embargo de todo o exposto anteriormente, no que se refere à lealdade da conduta processual das partes, importante acrescentar que o princípio em análise tem especial relevância no processo do trabalho, por guardar íntima relação com um dos princípios basilares que regem o direito material do trabalho, qual seja, o princípio da “primazia da realidade”.

Este princípio, consagrado na expressão “contrato-realidade” cunhada por Mario de La Cueva, norteia o direito do trabalho, assegurando a plena realização da finalidade social da norma trabalhista. Segundo o jurista, o contrato de trabalho “existe não no acordo abstrato de vontades, mas na realidade da prestação de serviços, e que é esta e não aquele acordo o que determina sua existência”. 50

Disso decorre a conclusão de que, em matéria trabalhista, notadamente no âmbito do processo, devem ser valorizados os fatos que efetivamente ocorreram na relação de emprego, em detrimento da verdade formal simulada em documentos e falsos acordos de vontade. A verdade imprescindível para a justa composição do litígio deve ser perquirida sob as luzes da realidade da prestação de serviços, independentemente do recurso utilizado pela parte com o propósito de ocultá-la.

O cotidiano forense demonstra que os expedientes fraudulentos e simulados encontram nas relações de trabalho ambiente fértil. Na intenção de burlar a legislação trabalhista, as partes edificam uma relação jurídica inexistente, calcada, em muitos casos, em falsas premissas de autonomia ou de

50 LA CUEVA, Mario de, Derecho Mexicano Del Trabajo, citado por Plá Rodriguez, apud Princípios de Direito do Trabalho, p. 218.

eventualidade do trabalhador, com o objetivo único de dissimular o verdadeiro contrato-realidade, conforme se verifica da jurisprudência abaixo:

“RELAÇÃO DE EMPREGO. POLICIAL MILITAR. No campo do Direito do Trabalho sempre deve prevalecer o contrato-realidade, cumprindo observar que o fato da obreira - face a insuficiência da remuneração que aufere como policial militar - ser quase que obrigada a prestar serviços a empresas privadas, pode configurar, apenas, infração disciplinar, o que, em hipótese alguma, se presta a lhe retirar o direito de ver reconhecida a relação de emprego havida entre as partes”. RO. Data de julgamento: 12/04/2007. Data da publicação: 27/04/2007. Relatora: Des. VANIA PARANHOS. Acórdão nº 20070264419. Processo nº 01028-2005-077-02-00-1. Ano: 2006. 12ª Turma. TRT/SP.

“COOPERATIVISMO. FRAUDE. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO. DEVIDO. A prestação de serviços mediante subordinação, traduzida na obrigatoriedade de registrar o horário de trabalho em cartões de ponto e retribuição pecuniária de cunho verdadeiramente salarial, amolda-se perfeitamente aos institutos celetistas e é incompatível com o cooperativismo apto a garantir relativa autonomia que singulariza o verdadeiro associado e lhe garante condições de ganhos significativamente superiores aquele que alcançaria caso atuasse isoladamente, como mero empregado. Alicerça, ainda, a conclusão de utilização fraudulenta do sistema cooperado, outros aspectos relevantes como a fixação do trabalhador junto a um único tomador. Ademais, a prevalência do princípio do contrato-realidade repudia manobras destinadas a desvirtuar direitos trabalhistas assegurados ao trabalhador (art. 9º da CLT) e impõe o reconhecimento do vínculo de emprego”. RO. Data de julgamento: 22/04/2008. Data da publicação: 02/05/2008. Relator: Des. PAULO AUGUSTO CAMARA. Acórdão: 20080337737. Processo nº 02147- 2004-066-02-00-7. Ano: 2007. 4ª Turma. TRT/SP.

Em contrapartida, importante também destacar que, se da instrução probatória resultar evidente a autonomia ou eventualidade do trabalho, em desfavor, portanto, da tese advogada pelo trabalhador que vindica o reconhecimento do contrato de emprego, os princípios da lealdade da prova e da primazia da realidade também devem nortear o julgamento, decidindo o magistrado de acordo com a verdade real, consoante situação fática contemplada nos julgados transcritos:

“RECURSO ORDINÁRIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. A prova oral produzida nos autos não favorece o reclamante no que concerne à existência de trabalho subordinado, vez que existem elementos de convicção que firmam o convencimento de o trabalho era prestado de forma eventual. Ressalta-se que prevalecendo nesta justiça especializada o princípio da primazia da realidade, razoável admitir-se o desapego a aspectos formais das provas em favor das situações fáticas estabelecidas. Isto porque o conjunto probatório dos autos não está a serviço das partes, mas sim do Juiz, isto é, para a formação de seu livre convencimento, já que encarregado de proferir a sentença, devendo para tanto perseguir a verdade real”. Acórdão: 20080831804. Turma: 12. Data Julg.: 18/09/2008. Data Pub.: 03/10/2008. Processo: 20070773046. Relator: MARCELO FREIRE GONÇALVES. TRT/SP.

“Representante Comercial. A presunção relativa de existência do vínculo de emprego gerada pela ausência de formalidade - registro em órgão competente - pode ser afastada através de prova de trabalho autônomo, isso porque deve ser observado o contrato-realidade”. RO. Data de julgamento: 14/03/2006. Data de publicação: 24/03/2006. Relator: Des. RAFAEL E. PUGLIESE RIBEIRO. Acórdão nº 20060153363. Processo nº 00001-2005-482-02-00-0. Ano: 2005. 6ª Turma. TRT/SP.

Considerando que o direito do trabalho é orientado pelo princípio da primazia da realidade, concluímos, em função da relação de instrumentalidade havida entre o direito material e o direito processual, que o princípio da “lealdade da prova” encontra seara fértil no processo do trabalho, porquanto este é pautado no compromisso com a persecução da verdade real, assegurando a plena realização da finalidade social da norma substancial.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 36-42)