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Iniciativa oficial na instrução e livre investigação da prova

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 75-78)

3. PRINCÍPIOS REGENTES DO INSTITUTO

3.7. Iniciativa oficial na instrução e livre investigação da prova

Os dois princípios enunciados devem ser analisados em cotejo com os princípios dispositivo e inquisitivo.

O princípio dispositivo, que em sua plenitude atribui às partes ampla iniciativa para todos os atos do processo, não somente no que diz respeito à postulação, como também ao desenvolvimento da relação processual - delimitação da prova e sua produção em juízo -, paulatinamente foi cedendo espaço a um modelo processual em que o princípio inquisitivo passou a ganhar campo e, com ele, a atuação ex officio do julgador.

Não se pretende dizer com isso que o princípio dispositivo tenha sido totalmente superado pelo modelo jurídico-processual vigente em nosso país. Pelo contrário, apenas houve uma mitigação da regra que anteriormente vigorava no sentido de restringir todos os atos processuais, inclusive no que tange à produção de provas, ao interesse privado das partes.

A propósito, o processo civil atual acolheu o princípio dispositivo quanto à iniciativa das partes de postular e alegar exceções, delimitar o objeto da demanda para efeito de instrução probatória, como também ao vincular o julgamento aos fatos alegados pelos litigantes (princípio da demanda).

Quanto à investigação e colheita de provas, porém, passou a conferir ao juiz ampla liberdade na direção do processo e na investigação das provas para a busca da verdade (art. 130, CPC, c/c art. 765, CLT), aproximando-o sobremaneira do modelo inquisitório.

José Roberto dos Santos Bedaque, ao comentar o art. 130 do CPC, assim ponderou:

“No que se refere à participação do juiz na formação do conjunto probatório, o CPC brasileiro adotou, sem qualquer sombra de dúvida, o

modelo europeu-continental do ‘inquisitorial system’, repelindo o ‘adversarial system’ do sistema anglo-saxão” 89.

O julgador, portanto, deixou de ser mero espectador da relação processual, em que lhe era reservada atuação apenas ao final da demanda, decidindo exclusivamente a partir dos elementos trazidos pelas partes ao longo da contenda, sem qualquer preocupação com o interesse social maior do Estado (e superior ao interesse individual das partes) da justa pacificação do conflito.

Sob forte influência de Chiovenda, a partir do final do século XIX, o processo adotou tendência moderna de publicização, em que o interesse público no restabelecimento da verdade passou a preponderar sobre o interesse privado das partes.

Neste sentido, oportunas as lições de Cintra, Grinover e Dinamarco:

“Todavia, diante da colocação publicista do processo, não é mais possível manter o juiz como mero espectador da batalha judicial. Afirmada a autonomia do direito processual e enquadrado como ramo do direito público, e verificada a sua finalidade preponderantemente sócio-política, a função jurisdicional evidencia-se como um poder-dever do Estado, em torno do qual reúnem os interesses dos particulares e do próprio Estado”90.

Imbuído deste espírito inovador e voltando-se para as novas tendências do processo publicista, o legislador procurou dotar o juiz de amplos poderes instrutórios, não vinculando-o à mera atividade dos litigantes no sentido

89 Apud MARCATO, Antonio Carlos (coordenação), Código de processo civil interpretado.

90 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do

de coligir aos autos apenas as provas dos fatos controvertidos que melhor se adequassem aos seus interesses.

Confiar a solução do processo somente aos interesses dos contendores implica comprometer, muitas das vezes, o escopo da jurisdição e a boa administração da justiça, o que se mostra incompatível com finalidade social do processo contemporâneo.

O fato de o julgamento ter que se delimitar ao que restou provado não significa, todavia, restringir a colheita das provas necessárias ao justo deslinde do feito unicamente à iniciativa das partes.

Cabe notar que o direito processual atual, visando à plenitude do devido processo legal e à administração adequada da justiça, tem superado antigos dogmas que restringiam excessivamente a iniciativa oficial em matéria de instrução probatória.

O juiz, portanto, segundo a ótica publicista hodierna, não deve permanecer inerte na perquirição da verdade, sendo que as regras sobre distribuição do ônus da prova devem atuar, conforme melhor será estudado no capítulo próprio, na fase de julgamento, e não como instrumento inibitório da iniciativa oficial durante a instrução, sem que, com isso, fique prejudicada a imparcialidade do julgador.

O próprio ordenamento jurídico estabelece parâmetros que permitem ao juiz determinar provas necessárias à elucidação dos fatos, complementar a atividade das partes (inclusive por meio de acareação de testemunhas e partes, realização de inspeção judicial, determinação de nova perícia, oitiva de testemunhas referidas, requisição de documentos a órgãos oficiais91, determinação de exibição de documentos pelas partes e por terceiros etc).

91 A propósito, a atividade instrutória do juiz no processo moderno tem sido bastante ostensiva. Demonstração disso é convênio firmado entre o Judiciário e órgãos oficiais, como o Banco Central, a Receita Federal, os cartórios extrajudiciais, possibilitando ao juiz, por meio eletrônico, ter acesso às informações necessárias da parte.

E no processo do trabalho a atuação oficial ocorre de forma ainda mais acentuada, seara em que o princípio dispositivo, em matéria de provas, cede passo à intervenção ostensiva do julgador, em busca da elucidação da verdade.

O modelo processual trabalhista, vanguardista, a propósito, sempre se mostrou mais afinado à visão publicista do processo (tendência mais moderna encampada pela lei processual civil atual), aproximando-se do modelo inquisitório, notadamente em se tratando de instrução probatória.

Sem a intenção de esgotar o tema neste item, esclarecemos, por fim, que a temática relativa à atividade instrutória do juiz e à dicotomia entre os princípios dispositivo e inquisitório será retomada no capítulo “8”.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 75-78)