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A avaliação externa como condicionante do processo de ensino avaliação

Para Miguel, a avaliação externa constitui um reforço da avaliação do professor, podendo ser considerada um fator de regulação do seu ensino na medida em que se verifica uma adequação na sua atuação ao nível da construção dos instrumentos de avaliação, quer no modo como procura aproximar os critérios de classificação dos seus testes aos dos critérios utilizados na classificação dos exames nacionais:

Em termos de reforço, eu sempre tive o hábito de esquematizar tudo e eles nem sempre o faziam pois davam “saltos” e por isso eram penalizados. Agora já não o fazem. Muitos deles, pois sabem que se não utilizarem são prejudicados e que devem indicar a relação por algoritmo.

(1ª Entrevista)

Segundo Miguel, este reforço não basta, pois a atitude displicente que os alunos apresentam, durante o decorrer do ano letivo, face ao exame nacional, condiciona não só os seus resultados, como também as escolhas que irão fazer, as quais os impossibilitam de ingressar em cursos que exigem a Física ou a Química como específica, nomeadamente as engenharias: “Mas isto reflete-se não só nas notas dos exames, como no número de alunos que escolhem a Física ou Química no 12º ano, ou que vão entrar em cursos de engenharia” (2ª Entrevista).

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resultados alcançados pelos alunos nas provas internas e externas, já que discorda de alguns dos critérios de classificação aplicados nos exames nacionais, apesar de os usar na avaliação externa. Neste sentido os instrumentos oficiais não servem de referência ao seu trabalho, sendo assim importante escolher os indicadores a adoptar, como uma espécie de resumo de aspetos essenciais que permitem formular juízos de valor:

O meu ensino não é condicionado pelo exame, é adaptado, no sentido em que conto com ele. Agora é assim, não concordo muitas vezes com as indicações que temos de utilizar para penalizar os alunos, mas aqui na escola eu tenho autonomia para fazer diferente e, por vezes, as penalizações não as sigo. Os exercícios não são os mesmos, as questões são inspiradas e adaptadas naquelas, mas não as sigo.

(1ª Entrevista)

Contudo, apesar da sua discordância em alguns aspetos relacionados com os indicadores emitidos pelo IAVE, o professor olha atentamente para a informação disponível, adequando o tipo de questões e os critérios gerais de classificação dos testes intermédios e dos exames nacionais aos instrumnetos que constrói. Enquanto classificador externo, segue essas instruções para garantir o rigor e a equidade, mas no dia-a-dia é fiel aos seus princípios e às observações feitas pelos seus alunos:

A minha postura em sala de aula não foi influenciada. A questão da formulação das questões e dos critérios de correção sim. Agora o que digo é que há indicações de como devemos corrigir ou não corrigir, que por vezes até são secretas, com as quais eu não me revejo, logo aqui não tenho forçosamente de as seguir. Quando estou a corrigir o exame sim, pois temos de as seguir para haver uniformidade de critério, mas aqui não sigo, sigo o meu critério, logo há uma uniformidade do meu critério. (…) Sou mais sensível às observações dos meus alunos. Nesse caso, sou capaz de mudar. (1ª entrevista)

Apesar do teste intermédio fornecer ao professor informação que é tida em conta na evolução do seu ensino, os dados não são significativos para o levar a uma mudança de estratégia, sendo mais sensível às observações que o aluno lhe proporciona. A sua prática é sobretudo influenciada pela diagnose das dificuldades enumeradas e, é a partir

desta que procura fazer a superação das dificuldades de aprendizagem dos alunos:

Portanto não altero os meus procedimentos em função dos resultados, adapto. Eu sou capaz de ser mais sensível a uma crítica dos alunos, no sentido de dizer que não gosto disto ou daquilo ou da forma como faço, pois eles podem não o dizer diretamente, mas ao conversar com eles percebo que há coisas que os alunos pedem para fazer. Há algo que eu utilizo algumas vezes que é construção conjunta do raciocínio. Gosto muitas vezes de fazer súmulas no quadro e eles pedem para lhes fazer o resumo daquilo que eu acho mais importante.

(1ª entrevista)

Síntese

Miguel gosta de ser professor. Sente-se realizado em sala de aula sobretudo quando trabalha com alunos de uma faixa etária mais avançada, responsáveis e motivados para os estudos. Valoriza as relações interpessoais, investindo na boa disposição e afetividade com os alunos como forma de os cativar para a disciplina. Prova disso são as atividades extras curriculares em que participa às quartas-feiras à tarde, que lhe conferem uma maior proximidade com os alunos, estabelecendo com estes laços de amizade e respeito.

Dá-se conta da evolução que tem vindo a ter como professor e sente que o seu conhecimento profissional o ajuda em todo o ato pedagógico, conferindo-lhe reconhecimento pelos alunos e colegas. O seu papel na escola é de relevo. Normalmente, são-lhe atribuídas as turmas sujeitas a exame nacional, tendo sido selecionado pelo Diretor para constituir a bolsa de professores classificadores do Ministério da Educação e Ciência e, em paralelo, desenvolve cargos importantes, como o de Diretor de Turma, membro do Conselho Geral e da equipa de Avaliação Interna. Nos últimos cinco anos

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tem estudado o espólio dos instrumentos de Física e de Química na perspetiva do ensino destas disciplinas.

Tendo interrompido os estudos durante um período da sua vida, retoma mais tarde, a via das ciências, motivado pelo gosto da Física e Química. Reconhece que nestas áreas o conhecimento está continuamente a evoluir, pelo que sente necessidade de ampliar os seus estudos, investindo em formações contínuas relacionadas com a formação específica e no mestrado em História das Ciências.

No que respeita aos princípios subjacentes ao processo de revisão curricular, Miguel destaca como ponto forte o facto do atual currículo promover uma formação científica sólida com reforço ao ensino prático e experimental a qual desenvolve sempre que possível na tentativa de satisfazer as orientações curriculares. Nas aulas mais expositivas utiliza como recurso o manual, materiais préviamente preparados e o quadro, onde vai construindo, com a ajuda dos alunos, esquemas conceptuas que sintetizam os conteúdos mais significativos. Nas aulas teórico-práticas, além da componente laboratorial/experimental exigida no currículo nacional, valoriza a abordagem analítica de papel e lápis na resolução de exercícios que seleciona criteriosamente. Inicia as suas aulas com revisões da matéria lecionada anteriormente. Com intervenção dos alunos, vai respondendo a questões/problemas, ajudando-os a interrrelacionar e consolidar os conteúdos, orientando assim, o processo de aprendizagem para o desenvolvimento de atividades que ajudem a estabelecer a articulação entre os conteúdos conceptuais, procedimentais e atitudinais. Desta forma, apercebe-se das suas dificuldades, criando então oportunidade para corrigir os seus raciocínios e elevá-los a um estágio superior de compreensão.

Procura proporcionar aos alunos um ambiente de trabalho agradável e estimula continuamente o seu envolvimento no estudo entre pares. Fá-lo porque não consegue acompanhar sistematicamente o trabalho de todos os alunos e ainda, porque considera que está a ajudar os dois alunos, o que está mais à vontade pelo reconhecimento e oportunidade de rever a matéria e o aluno que revela mais insegurança tem a vantagem de poder superar as dificuldades sem ter de se expor perante a turma.

As dificuldades sentidas na implementação do currículo advêm dos avanços científicos e tecnológicos que conduzem a alguma desarticulação entre a educação do professor e a sua formação. Os avanços tecnológicos, sentidos nos últimos tempos, e as

inovações a que estes conduziram, obrigam o professor a investir na formação, a investigar em livros e revistas de cariz científico ou a procurar ajuda de colegas para conseguir concretizar o currículo proposto pelo Ministério da Educação e Ciência. A outra dificuldade, para que Miguel chama a atenção, está relacionada com a dinâmica de trabalho dos alunos, mais concretamente com a dificuldade em envolver mais ativamente todos os alunos no seu processo de aprendizagem.

Quanto à avaliação, Miguel diz que se trata de uma questão de grande responsabilidade. Preocupado com as notas que estes alunos vão ter no exame e com a necessidade em equilibrar as classificações interna e externa, procura avaliar de forma criteriosa, apoiando-se nos critérios de avaliação do departamento curricular. Baseia a sua avaliação sobretudo nos testes sumativos e relatórios, considerando estes instrumentos mais fidedignos que a informação que recolhe informalmente ou aquela que resulta de trabalhos investigação que são produzidos fora da sala de aula.

De um modo geral, a avaliação formativa é baseada na informação que recolhe através das intervenções que vão surgindo ou que promove deliberadamente e regista posteriormente em casa, em grelha própria. Mas avalia também formativamente trabalhos escritos, nomeadamente os relatórios, cadernos laboratoriais e até mesmo os testes, através de comentários que vai formulando, quando as respostas se afastam do pretendido, com o intuido de alertar os alunos para aspetos menos conseguidos e ajudá- los a progredir.

Nas aulas, Miguel procura estar atento a todos os alunos e enquanto vai passando pelos diversos grupos, Miguel recolhe informação que usa para os ajudar a construir a aprendizagem, coloca questões a toda a turma, proporcionando vários momentos em que os alunos são obrigados a pensar, a repensar e a refazer a sua resposta. Está assim implícita a preocupação do professor em promover a metacognição. Durante este processo, o professor vai fazendo algumas observações, relembrando assuntos que visam especialmente evitar recuos no desenvolvimento da aula e proporcionar maior desenvolvimento intelectual do aluno. Com esta estratégia, o professor consegue identificar, quer as aprendizagens já efetuadas, quer aquelas que precisam de ser melhoradas.

Na sua opinião, estes momentos da aula são difíceis, mas de extrema importância e só são conseguidos graças à larga experiência que acumula, ajudando-o a retirar

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informação que utiliza, em caso de dúvidas, na atribuição da classificação de final de período. Contudo, como se vê impossibilitado de registar por escrito toda a avaliação que desenvolve durante o decorrer da aula, opta por memorizar as informações, construindo ao longo do tempo uma síntese descritiva e qualitativa das avaliações que vai fazendo a cada aluno, as quais traduzem aproximadamente o conhecimento do aluno. Porém, pelo facto de não conseguir dar atenção a todos os aspetos em desenvolvimento, condicionando o desenrolar de todos os processos que conduzem à avaliação formativa e sistemática dos alunos na aula, considera esses elementos de avaliação são “pouco fidedignos e pouco fiáveis”. Justifica a sua atitude com base na falta de tempo para dar resposta ao excessivo número de alunos que requerem a sua atenção em sala de aula. Apesar de se constatar uma preocupação em implementar e diversificar as suas práticas avaliativas, desenvolvendo pontualmente práticas avaliativas que ajudam o aluno e o professor a regular o processo de ensino/avaliação, constata-se que Miguel ainda se refugia muito no modelo tradicional, reconhecendo falhas neste campo do seu trabalho.

Segundo Miguel a avaliação externa, constitui um reforço da avaliação do professor, podendo ser considerada um fator de regulação do seu ensino na medida em que se verifica uma adequação, quer na construção dos instrumentos de avaliação, quer no modo como procura aproximar os critérios de classificação dos seus testes aos dos critérios utilizados na classificação dos exames nacionais. A estrutura, assim como o grau de dificuldade, dos testes que realiza é semelhante aos exames, incluindo ítens de diferentes tipos e com diverso grau de profundidade para avaliar todos os conteúdos que possa vir a sair no exame. Para classificar os testes, segue rigorosamente os critérios gerais, fugindo por vezes aos específicos, mas com o cuidado de alertar os alunos para alguns aspetos que foram considerados fatores de penalização na classificação de exames realizados em anos anteriores.

Apesar de Miguel reconhecer a importância da correção destes testes, e o quanto esta pode ajudar os alunos a consciencializarem-se da progressão da sua aprendizagem, não lhe dedica mais espaço por falta de tempo. Miguel revela algumas dúvidas sobre a comparabilidade dos resultados alcançados pelos alunos nas provas internas e externas. Considera que a atitude displicente que os alunos apresentam, durante o decorrer do ano letivo, face ao exame nacional, condiciona os seus resultados. Mostra também, alguma indignação quanto à forma como algumas das questões são formuladas, constituindo, na sua opinião, um mecanismo de controlo do trabalho dos professores e, além disso,

discorda de alguns dos critérios de classificação aplicados nos exames nacionais, apesar de os usar, enquanto classificador externo.

Contudo, apesar da sua discordância em alguns aspetos, o professor olha atentamente para a informação disponível, nomeadamente os resultados dos testes intermédios e dos exames nacionais. Este olhar permite-lhe identificar as principais dificuldades dos alunos e ajustar o seu ensino. Mas, segundo Miguel, a falta de tempo imposta pela diversidade de conteúdos que tem de lecionar, impedem-no de fazer maior uso dos resultados, ficando aquém a partilha detalhada da informação recolhida.

Apesar dos condicionalismos, na escola todos estão conscientes da importância que o exame desta disciplina tem para a entrada do aluno no ensino superior, pelo que procuram evitar-se discrepâncias entre a classificação interna e a classificação de exame. Assim, em reunião de departamento curricular, os professores fazem uma análise do desempenho dos alunos e a partir das suas produções individuais e da análise dos resultados da turma/escola são tomadas medidas no sentido de ajudar os alunos a melhorar os resultados escolares.

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Capítulo V

A

PROFESSORA SOFIA

A professora que participou neste estudo assumiu o nome Sofia, por considerar muito feminino e inteiramente adequado a si. Este capítulo é-lhe dedicado. Começo por fazer uma breve apresentação do seu retrato, traçando o seu percurso pessoal e profissional. De seguida, caraterizo o contexto profissional, dando a conhecer aspetos gerais da escola e do contexto letivo em que desenvolve a sua atividade enquanto professora de Física e Química A. O conhecimento que a professora evidencia acerca do currículo que desenvolve, é de seguida descrito, com destaque para as implicações na escolha das metodologias que seleciona e nas dificuldades que enfrenta no processo de ensino aprendizagem. Segue-se uma seção sobre a conceção que Sofia possuí acerca da avaliação e como esta se reflete nas suas práticas avaliativas. Assim, descreve-se a forma como implementa a avaliação, bem como as dificuldades que enfrenta durante este processo. Fecham este capítulo, algumas considerações que a professora faz acerca da avaliação externa, qual a importância que lhe atríbui e qual o papel que esta desempenha na sua prática de ensino.

Apresentação

Nesta secção pretende-se dar a conhecer Sofia. Começa-se por fazer uma breve caracterização da sua pessoa, com destaque para os aspetos da sua personalidade que ajudam a compreender a sua atuação como professora de Física e Química. De seguida, dá-se voz à professora, que descreve o seu precurso biográfico, pautado pelos momentos e fases mais marcantes. Na procura do conhecimento de configurações contextuais que a caraterizam como professora, segue-se uma apresentação geral da escola e da turma em que se desenvolve a sua ação. Como são os seus espaços? O que se pode dizer do seu ambiente em geral? Como tem sido a sua dinâmica? Que aspetos pessoais e sociais caraterizam a turma?