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Miguel tem cerca de 50 anos, mas o seu aspeto desportista faz com que aparente menos idade. É bastante alto, magro e veste-se num estilo jovial, sempre com um visual, onde se alia o desportivo ao clássico, com predominância das cores vermelha, branca e azul. Os seus cabelos grisalhos e volumosos dão-lhe um aspeto distinto e carismático.

É uma pessoa educada e afável, embora quem não o conheça lhe associe uma certa altivez, em parte devido à sua aparência e à forma decidida de se expressar. Mas, num contato mais profundo, essa impressão desvanece-se, pois embora goste de manifestar os seus pontos de vista, aceita com resiliência outras opiniões, o que faz com que consiga estabelecer uma relação fácil com as pessoas:

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Penso que sou uma pessoa transparente. Sou bastante impulsivo. Digo sempre aquilo que penso, nunca guardo. Mas, se me exalto por algum motivo, sobretudo quando me picam, passados cinco minutos, já me passou. Não sou agressivo e nem sou rancoroso.

(2ª Entrevista)

A sua simpatia está presente quando se relaciona com os alunos. Esta caraterística é evidenciada no momento de entrada na sala de aula, pelo tom de voz e familiaridade com que se dirige a cada um dos alunos. O seu aspeto jovial e o gosto pelo desporto ajudam-no a ter bom relacionamento com os alunos mantendo facilmente relações extra escolares:

Pratico desporto desde sempre, natação, ciclismo, basquetebol e desde largos anos que participo com os alunos em torneios de futebol, à segunda e quarta-feira, organizados na escola. Tenho com os meus alunos, uma boa relação apesar de ser impulsivo e reagir facilmente. Há ocasiões em que sou um pouco mais veemente. Defendo o meu ponto de vista, mas não parto para a ofensa. Em relação aos alunos, às vezes tento refrear-me, mas por vezes aquilo que me dizem e a forma como o fazem leva-me a reagir e por isso tento controlar-me (…). No entanto, defino- me de acordo com a expressão “cão que ladra não morde”.

(2ª Entrevista)

Reconheçe a sua impulsividade no relacionamento com os outros, sobretudo, como refere quando o “picam”. Facto que se torna visível no decorrer das suas aulas, em momentos em que os alunos não seguem integralmente as suas orientações. Estão distraídos ou lhe colocam questões despropositadas (fora de contexto ou de um nível elementar). Tal como refere, não tem muita paciência para “lidar com criancices”. No entanto, o professor não é agressivo. Ultrapassado o primeiro momento, acaba por se acalmar, o seu tom de voz muda novamente e a aula retorna ao ritmo sereno e amigável. Estes pequenos incidentes servem para Miguel pensar na sua ação e pode dizer-se que até têm uma vertente positiva, a da retroação. É nestas ocasiões que o professor reforça o seu papel de orientador, encaminhando o seu raciocínio e a sua ação face à forma como os alunos devem estar perante a disciplina. Acaba por relembrar a necessidade de se empenharem ativamente e transformarem os seus esquemas

interpretativos em outros mais profundos, que deem conta de questões mais complexas, onde necessariamente só um raciocínio mais profundo pode dar resposta ao problema que este lhes coloca:

Há poucos dias um aluno disse-me algo que me ficou a bater: eu fiz uma questão e quando ele respondeu eu acrescentei: “Julgo que tem a ideia mas não está a ser preciso”. Então ele acrescentou: “Nunca está bem”. Foi aí que eu fiquei a pensar. Será que estou a exagerar? A exigir demais? Não deveria ir mais devagar? (…) Sabes, estes indivíduos quando chegam ao 11.º ano têm de ser mais precisos. Julgo que estão a ser um bocado displicentes e esta displicência, mais tarde revela-se na vida deles. Dou um exemplo. Tal como sabes, a falta de unidades é sempre um fator de penalização. Os alunos são chamados à atenção todos os dias e continuam a ignorar. É assim, às vezes chateio-me, reajo e (…), mas eles vão aprendendo a conhecer-me, sabem que não tem solução e nem repercursão.

(2ª Entrevista)

Miguel é casado e tem dois filhos. O filho mais novo entrou o ano passado para a universidade e embora não apresente dificuldade em acompanhar aí o ensino, revela ao pai que deteta alguma desarticulação entre os dois níveis de ensino. Para ele, não existe sequencialidade entre o que está a aprender e o que lhe foi exigido, o que segundo o pai se fica a dever “ao desfazamento entre os dois níveis”. Este é mais um dos motivos pelos quais considera que o rigor e o empenho são os caminhos que se devem seguir para ajudar o aluno a superar as diferentes exigências e descontinuidades existentes entre estes dois ciclos de ensino.

Conheci Miguel no ano letivo de 2004/2005, quando repliquei a ação de formação promovida pela Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, “Trabalho prático na perspetiva dos novos programas de Física e Química - Uma abordagem ao 10.º ano”. Numa primeira fase, a ação de formação foi dinamizado pelos autores dos programas com o intuito de dar a conhecer alguns dos pressupostos fundamentais ao êxito na implementação do currículo e promover o desenvolvimento de capacidades e atitudes necessárias à inovação. Posteriormente, desenvolvi a ação, no distrito de Beja e Évora, com vários professores interessados que se encontravam a lecionar o 10.º ano,

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através de uma metodologia que privilegiou a interação entre a aquisição de competências pedagógicas e didáticas adequadas ao desenvolvimento do currículo, bem como o nível de aprofundamento dos temas e conceitos. Durante este período de formação estabelecemos uma relação formal e eu pude constatar que se trata de uma pessoa bastante interessada, responsável e com grande vontade de experimentar e implementar estratégias inovadoras que satisfizessem o interesse dos alunos e o ajudassem a melhorar o seu ensino, pelo que me senti satisfeita quando ao contatá-lo me confirmou a sua disponibilidade e interesse em participar.