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No Ensino Secundário, a nova proposta de revisão curricular, expressa no Decreto – Lei n.º 74/2004, de 26 de Março, aponta como principal finalidade melhorar a qualidade da educação e da formação dos jovens. A implementação do currículo pressupõe que sejam considerados diferentes caminhos para atingir os principais objetivos. Onde o processo de ensino-aprendizagem deverá incluir a promoção de

experiências educativas que levem ao desenvolvimento de competências em diferentes domínios e que envolvam a mobilização de competências de conhecimento (substantivo, processual e epistemológico), de raciocínio, de comunicação e atitudes.

As entrevistas realizadas e as aulas a que assisti evidenciam que Miguel procura satisfazer as orientações curriculares. Todas as aulas observadas ocorreram com intervenção diretas dos alunos, baseando o processo de aprendizagem para o desenvolvimento de competências. Na entrevista, as suas palavras reforçam a importância que atribui ao desenvolvimento de competências prático/laboratoriais no atual programa. Quando lhe é sugerido que recorde uma das suas aulas, relembra a última aula prática para evidenciar a importância que este tipo de atividades tem ao estabelecer a articulação entre os conteúdos conceptuais, procedimentais e atitudinais:

Acabei de desenvolver uma aula prática. Posso falar dela por ser a que está mais presente. A aula é composta por duas etapas. Esta foi a primeira fase, que é a preparação do composto. Isto é um reforço à aula teórica (…) acaba por ser uma execução prática daquilo que poderia ser feito na aula. É sobretudo nestas aulas, que podemos relembrar e corrigir técnicas

e procedimentos básicos, subjacentes a qualquer trabalho laboratorial” (1ª Entrevista)

Posteriormente, Miguel reforça a sua posição convidando-me a assistir a mais uma destas aulas. Nesta aula, depois de escrever o sumário e confirmar a presença dos alunos, o professor faz a apresentação da tarefa a realizar. Já com os alunos sentados e em pequenos grupos, dois ou três alunos por grupo, apela para que se recordem dos conhecimentos anteriormente adquiridos e em interação constante com toda a turma vai conduzindo as suas respostas, mostrando estar em sintonia com os especialista em educação em ciências (Cachapuz et al., 2002, Gil Perez et al., 1990, Martins, 2003, Merino & Herrero, 2007), que advogam uma visão integrada das atividades, procurando estabelecer a articulação entre a teoria e a prática.

Quando questionado sobre as implicações que o novo currículo impôs à sua prática, o docente centra-se uma vez mais nas atividades laboratoriais. Responde à questão dizendo que não ocorreram quaisquer mudanças, já que a realização das atividades laboratoriais, após a abordagem teórica, sempre foram consideradas por si

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como uma oportunidade para observar e verificar os conceitos desenvolvidos anteriormente:

(…) as atividades laboratoriais reforçaram apenas a minha prática, eu sempre fui favorável e mesmo quando não era obrigatório sempre fiz em simultâneo com a teoria, os próprios alunos, ou pelo menos a título demonstrativo, se não tinham muito tempo.

(1ª Entrevista)

Antes de iniciarem a atividade laboratorial é feita uma introdução prévia à mesma. De forma contextualizada, o professor orienta o raciocínio dos alunos, de modo a que estes relacionem os conhecimentos anteriormente adquiridos com o objetivo da atividade e, em articulação, procurem os dados que lhes permitam responder à questão que é colocada inicialmente e que serve de mola propulsora para o desencadear da tarefa:

Professor – Vamos lá abrir o livro na atividade 2.3- Titulação de uma reação ácido-base.

Primeiro que tudo, alguém se recorda do que é uma reação neutralização? Inês – É uma reação em que os reagentes, ácido e base se transformam em sal e água e o pH é 7.

Professor – Toda a gente concorda com a Inês? Ou seja, sempre que há uma reação ácido-base, o pH é igual a 7? Porque se chama reação de neutralização? (...) Se os reagentes são o ácido e a base, em que é que isso se traduz, em termos concetuais? (...) Então, vamos voltar ao princípio.

(Aula de 7 de Fevereiro)

Selecionando as respostas mais pertinentes, sistematiza no quadro as ideias fundamentais, as quais são registadas em simultâneo pelos alunos no seu caderno diário. A atividade só começa a ser realizada quando os alunos já estão familiarizados com a teoria, de modo a que percebam o seu objetivo e não apresentem dificuldade em interpretar os dados extraídos, supondo que algo funcionou mal:

Professor – Muito bem. Para concluir, o pH só será igual a 7 se as forças relativas forem as mesmas. As proporções são iguais na altura em que se dá o equilíbrio.

Estamos entendidos? Então é assim: vamos começar a fazer a titulação do ácido forte, o ácido clorídrico, com a base forte, o hidróxido de sódio. Estes grupos vão adicionar a base até observar a mudança de cor e então aqui sim, supostamente o pH no ponto de equivalência será 7. Nós conseguimos detetar com o indicador e com o ponto de equivalência? Mário – Não, temos de medir a concentração.

Professor – Não é a concentração, mas sim o volume. Este grupo vai registar o valor do pH à medida que vai adicionar a base para posteriormente construir a curva de titulação.

(Aula do dia 7 de fevereiro)

A atividade laboratorial começa então a ser desenvolvida em pequenos grupos e os alunos seguem as orientações do manual. Embora os equipamentos já se encontrem previamente preparados pelo professor e apenas seja necessário que o aluno retire do armário alguns materiais ou escolha de entre os que já estão nas bancadas, reconhece-se, por parte do professor uma preocupação em que os alunos percebam o porquê da seleção de determinado equipamento. A metodologia adoptada envolve duas técnicas diferentes. Uma parte do turno utiliza a potenciometria e o outro grupo de alunos vai detetar o ponto de equivalência através da técnica da volumetria. No desenrolar da atividade, o professor vai estimulando o senso crítico dos alunos. Miguel procura assim, desenvolver o raciocínio dos alunos até estes chegarem à explicação que justifica o uso dos diferentes materiais, os procedimentos adoptados e as dificuldades ou possíveis limitações que poderão encontrar durante a execução de cada uma das técnicas:

Professor – Neste caso vamos usar uma volumétrica, mas também vamos usar uma titulação colorimétrica o que se vai acontecer?

Alunos – Mudança de cor.

Professor – Há um grupo que vai usar um indicador e há um grupo que fará a titulação potenciométrica e ai o potenciometro é o quê, o que vai medir?

Maria – Medidor de pH.

Professor – Como é que funciona? Quais os cuidados que devemos ter? (Aula do dia 7 de Fevereiro)

Durante a observação da aula foi possível verificar uma aproximação à investigação didática, comprovada pelo elevado envolvimento dos alunos na realização, análise dos resultados e na elaboração de conclusões. Verificou-se ainda

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uma relação entre a precisão e a argumentação dos resultados, bem como algumas caraterísticas básicas do trabalho científico:

Com a ajuda dos alunos, o professor recorda conhecimentos adquiridos, sistematizando no quadro as ideias fundamentais. Apela constantemente para a necessidade dos alunos pensarem em possíveis erros a cometer e como forma de os evitar certifica-se que todos os alunos são conhecedores da técnica a executar, fazendo, com a sua ajuda, previsões do que poderá vir a acontecer.

(Registo de observação da 1ª aula)

Deste modo, contrariando os resultados de alguns estudos realizados (Cachapuz et al., 2002; Coelho & Silva, 2007, Ramalho, 2007), a atitude do docente revela que a atividade laboratorial constituiu parte de uma atividade mais lata em que a aprendizagem resulta da conjugação de várias tarefas centradas essencialmente nos alunos, desenvolvendo técnicas inerentes ao trabalho científico como forma de resolver problemas, desenvolvendo a capacidade de selecionar, analisar, confrontar e avaliar criticamente os resultados:

O trabalho foi desenvolvido em pequeno grupo e no final foram confrontadas diferentes ideias e métodos de trabalho, com vista à clarificação de pontos de vista e à chegada de uma conclusão final que lhes permitisse responder à questão colocada no ínicio da atividade. O professor formulou várias questões de modo a possibilitar a argumentação e contra-argumentação dos diferentes grupos de trabalhos. (Registo de observação da 1ª aula)

Para estabelecer o confronto dos resultados obtidos pelos diferentes grupos, Miguel faz uso do manual escolar. Enquanto procura satisfazer as orientações do programa, o professor utiliza este instrumento de forma não aleatória na promoção do sucesso de ensino e aprendizagem, manifestando preocupação em efetuar escolhas criteriosas, procedendo previamente à análise crítica e às respetivas adaptações, com vista à concretização dos objetivos estabelecidos no programa (Leite, 2006; Pacheco, 2007):

De um modo geral, não sigo com rigor o livro, mas eles são muito caros. Os alunos utilizam-no, não para sublinhar, pois quando há aspetos de grande importância eu prefiro ditar para o caderno, mas para completar com a observação de uma imagem ou resolução dos exercícios que considero mais significativos e peço aos alunos que resolvam em casa os restantes.

(1ª Entrevista)

O uso do manual escolar é um recurso de aprendizagem muito usado. Miguel sugere a sua utilização frequente, quer na identificação dos conceitos estruturantes e visualização de imagens que os ilucidam, quer na seleção de exercícios de aplicação ou de atividades laboratoriais. No caso da componente laboratorial de Química o professor segue, rigorosamente o manual, aconselhando os seus alunos a prepararem em casa a atividade, numa atitude investigativa:

Os alunos tinham conhecimento prévio porque eu tinha pedido para eles prepararem a actividade. Existe um caderno de laboratório para as aulas. Na física eu adapto porque não temos todos os equipamentos que são sugeridos. Em relação à Química sigo o manual e peço para prepararem previamente, para depois discutirmos a parte teórica, ver quais os objetivos e retirar a informação para avançar.

(2ª Entrevista)

Assim, sobretudo na componente de Química, o manual escolar constitui o elo de ligação entre o programa e a ação do professor. Na Física, “o facto de o programa ser bastante eclético”, condiciona de algum modo as práticas e instrumentos utilizados pelo professor. Como o manual não satisfaz completamento o trabalho que Miguel pretende desenvolver, constrói fichas de trabalho para orientar o seu ensino e satisfazer as aprendizagens dos alunos: “nós escolhemos o manual sem o conhecer e no caso da Física é preciso fazer umas fichas”.

A segunda aula desenvolveu-se em torno de tarefas propostas no caderno de atividades do aluno. Os exercícios são criteriosamente selecionados, englobam itens variados que sistematizam toda a matéria lecionada na unidade temática - Equilíbrio Ácido-Base. Entre estes encontram-se sobretudo exercícios de exames nacionais de anos anteriores. Os alunos desenvolvem a tarefa em pequeno grupo, seguindo-se a sua correção em plenário no caso dos exercícios de resposta curta. Quando é exigida uma

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resposta mais longa, acompanhada de cálculo, o professor pede a um aluno que vá ao quadro, selecionando um de entre os que se voluntariam.

Há alunos que progridem autonomamente, resolvem os exercícios sem ajuda e no fim comparam o seu resultado com o processo de resolução apresentado no quadro. Apenas um grupo de alunos se mostra menos interventivo. Sentados nas últimas mesas, encontram-se três alunos que se mostram mais inseguros e apenas intervêm quando são questionados diretamente. Para se assegurar que estão a realizar as tarefas, averiguar e ajudar o seu trabalho, o professor passa frequentemente junto deles.

Durante estas aulas, constata-se um respeito mútuo entre os alunos e o professor, mas também um à-vontade por parte da maioria dos alunos, incentivado pela postura de Miguel, que evidencia muita confiança em si mesmo e na relação com os outros, facto que ajuda os alunos a desenvolverem o espiríto analítico e crítico, a expor as suas ideias e a discutir pontos de vista.

Em suma, na prática letiva de Miguel encontra-se subjacente grande parte das orientações curriculares. Através da abordagem problemática, o professor procura desenvolver uma educação CTS, ao estabelecer relações entre experiências educacionais e as experiências de vida, combinar atividades de formatos variados e envolver ativamente os seus alunos na procura de informação. Apesar do número reduzido de aulas a que assisti foi possível observar que as metodologias de ensino que seleciona contemplam momentos em que os alunos recolhem dados, fazem sínteses, formulam hipóteses, fazem observações de experiências e aprendem a consultar e interpretar fontes diversas de informação para responder a questões e delinear soluções para os problemas que são levantados.