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A cidade dialética: segregação sócio-espacial

Para o autor “a presença de uma massa populacional com salários muito baixos, que depende

de trabalho ocasional para viver, ao lado de uma minoria com altos salários, cria na sociedade urbana uma distinção entre os que têm permanente acesso aos bens e serviços oferecidos e os que, mesmo apresentando necessidades similares, não podem satisfazê-las. Isto cria ao mesmo tempo diferenças qualitativas e quantitativas de consumo. Estas diferenças são, ambas, causa e efeito da existência, isto é, da criação ou manutenção, nestas cidades, de dois sistemas de fluxo que afetam a fabricação, a distribuição e o consumo de bens e serviços. Um destes dois sistemas de fluxo é o resultado direto da modernização e diz respeito às atividades criadas para servir ao progresso tecnológico e à população que dele se beneficia. O outro é também um resultado da modernização, mas um resultado indireto, visto que concerne apenas àqueles indivíduos que só parcialmente se beneficiam ou na, do recente progresso técnico e das vantagens por ele proporci- onadas”37

Não existe, então, dualismo, visto que os dois sistemas de fluxo são interligados, têm a mesma origem, o mesmo conjunto de causas e sua existência aponta, ainda, para uma outra questão, além da do dualismo: a da dependência do sistema inferior em relação ao sistema superior.

Dessa forma, o fluxo do sistema superior abrigaria os negócios bancários, o comér- cio e a indústria de exportação, o comércio, a indústria e os serviços urbanos moder- nos, o comércio atacadista e os transportes. Ao fluxo inferior caberiam as formas de fabricação que se utilizam do capital não intensivo, o comércio não moderno de pequena escala, e os serviços abastecidos pelas vendas a varejo. Cada um dos dois circuitos se definiria, portanto, pelo conjunto das atividades que ele abriga, num determinado contexto, e pelo setor populacional essencialmente ligado a ele para efeito de trabalho e consumo.

O mais importante, porém é que Milton Santos situou a diferença fundamental en- tre as atividades do sistema superior e as do sistema inferior nas diferenças tecnológicas e de organização. O sistema superior utiliza-se de importante e elevado nível tecnológico, de uma “tecnologia de capital intensivo”, enquanto no sistema inferior prevalece a “tecnologia de trabalho intensivo”, geralmente do local de origem ou localmente recriada e adaptada. Se o primeiro sistema é fortemente imitativo, o se- gundo dispõe, como trunfo, de um considerável potencial criativo.

Em termos de produtividade espacial, isto é, no que diz respeito à organização do cotidiano nas metrópoles, é preciso reconhecer que esse quadro responde pela exis- tência de um contingente de pessoas com salários muito baixos, ou vivendo de ativi- dades ocasionais, coexistindo com uma minoria de alta renda, cada um com suas correspondentes demandas de produção, consumo e circulação. As diferenças qua- litativas e quantitativas no consumo, determinadas por essa divisão na sociedade urbana, deságuam na criação e na manutenção de dois circuitos de fabricação e de

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38 PEREIRA LEITE, Maria

Ângela Faggin. A produção e o uso da paisagem metropo- litana. 2002. (texto sem pu- blicação)

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39 PEQUENO. Renato. Desen-

volvimento e Degradação no Espaço Intra-urbano de For- taleza. Tese de Doutorado. apresentada à FAUUSP. São Paulo,2003. 40 40 40 40 40 LEFEBVRE, Henri. . . . . La Production de L’espace.3ª ed. Paris: Anthropos,1986, cap.VI. Tradução Jorge Oseki (mimeo). 41 41 41 41 41 LEFÉBVRE, Henri.La Production de L’espace. (1986). Tradução Jorge Oseki (mimeo).

ao mesmo tempo, convergentes de usar e circular pela cidade e por sua região de influência. Pereira Leite38 considerando a abordagem metodológica sobre produti-

vidade espacial realizada por Santos, defende a argumentação de que o espaço urba- no “ trata-se de uma dualidade, mas não de um dualismo: é, assim, mais apropriado falar em

paisagem dialética, ou cidade dialética ao invés de insistir na já superada denominação cidade legal/cidade ilegal ou mesmo cidade oficial/cidade informal.”

Essas diferenças de base tecnológica e organizacional estabeleceriam, ambos, dessa maneira, uma forma de especialização espacial que molda a paisagem pela criação de lugares resultantes da dinâmica interna e da dialética entre os dois sistemas. Nesse sentido, a diferença maior entre as cidades, encontra-se nas relações históricas que ela estabelece com o espaço regional no qual elas se encontram inseridas. Como cidades periféricas, a serviço de um modelo de desenvolvimento concentrador e gerador de acumulação de capital, os espaços intra-urbanos dos países subdesenvol- vidos passam a atender a interesses distantes, além de possuírem zonas de influência e espaços derivados extremamente dependentes de fatores externos.39

Desse modo, a acumulação do capital, implicando na necessidade de expansão geo- gráfica da sociedade capitalista, resulta na criação de um espaço construído voltado para a produção e consumo, significando uma forma de imobilização do capital acumulado. Este capital social concentrado especialmente nas unidades produtivas existentes é conduzido a um processo unidirecional de centralização formando um ambiente competitivo. Esta centralização fortalece alguns espaços em detrimento de outros, em perfeita contradição com a equalização.

Em ampla medida a teoria da produção das diferenças formulada por Lefebvre se funda na teoria das diferenças máximas; tal conjunto engendra para além de seus limites, um outro conjunto totalmente diferente; os numerais inteiros engendram a dos fracionários e assim sucessivamente. A partir desse raciocínio lógico-matemáti- co, há produção e indução. Portanto, Lefébvre conclui que todas “as repetições engen-

dram diferenças, mas todas as diferenças não são equivalentes. Assim o qualitativo nasce do quan- titativo e inversamente”.40

Portanto, a organização do espaço centralizado e concentrado serve tanto ao po- der público como à produção material, otimizando os benefícios. As classes sociais aí se investem e aí se disfarçam na hierarquia dos espaços ocupados. Nesse con- texto, o espaço é simultaneamente homogêneo e fragmentado. Esta homogeneização esconde as relações reais e os conflitos no espaço fragmentado: espaços residenciais, comerciais, institucionais. Além disso, produz espaços hierarquizados e marginais. Dessa forma, “as diferenças se mantém ou começam à margem da homogeneização, seja

como resistências seja como exterioridades (o lateral, o heterotópico, o heterológico). O dife- rente é primeiro, o excluído: os periféricos, as favelas, enfim os espaços marginalizados. Cedo

ou tarde, entretanto, a centralidade existente e as potências homogeneizantes absorvem as dife- renças”.41

Para Lefébvre, o espaço social se forma ora no trabalho e nas relações de domina- ção, ora nas superestruturas (instituições, mídia). De maneira que a prática social (global) e a prática política tendem a se reunir na prática espacial, ganhando uma coesão e mesmo uma coerência lógica.

A cidade, portanto, se apresenta como o resultado da diversidade de ocupação do solo, às vezes, sobrepostos a um mesmo território, noutras interligados ou isolados. Estas tendências e problemas consolidam um mosaico urbano compostos de frag- mentos, de caráter espacial, sócio-econômico e ambiental fortalecidos pelas caracte- rísticas especiais do sítio urbano, cheio de clivagem naturais e artificiais, reforçando a marca física de duas cidades diferentes e separadas por classe, renda e cultura. Esta segregação ocorre de forma clara no município de Vitória configurando-se no lócus da dualidade de paisagens, a qual será objeto de novas reflexões posteriormente, no texto sobre a nova redistribuição espacial de Vitória.

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