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A intenção aqui é tentar levantar a temática da vinculação histórica e social do mangue como ambiente proscrito, ou seja, associado a uma idéia depreciativa e de exclusão representativa na paisagem. O manguezal, ecossistema que gerou tanta controvérsia a respeito de sua paisagem e utilização, segundo historiadores e geógrafos surgiu no final do Período Cretáceo, há cerca de 65 milhões de anos15,

portanto é bastante antigo no mundo e resistiu às diversas mudanças da natureza ao longo da história, para ser atualmente um dos ecossistemas mais ameaçados pela pressão do sistema capitalista de produção.

O manguezal apresenta uma condição ambígua inerente a sua representação social. Ao mesmo tempo em que é fonte de alimentos e berço para reprodução de espécies vegetais e animais, ou seja, pela importância de sua cadeia produtiva na interação entre sistemas, por outro lado, enquanto motivação paisagística ainda está longe de ser incorporado aos padrões culturais da sociedade como um todo. A estética é um atributo totalmente dependente do movimento de transformação cultural das sociedades em um determinado momento histórico e que realmente influencia diretamente na determinação destes valores.

No século XX, os padrões estéticos foram altamente influenciados pela comunicação de massa que constantemente criaram e recriaram a estética socialmente aceita, produzindo e destruindo símbolos, dificultando assim, o processo de caracterização estável e significativo dos valores paisagísticos. Tal caracterização nos permite compreender e justificar os fatores que levam a população a adotar este ou aquele lugar como um marco paisagístico em seu cotidiano.

Nesse sentido, no Brasil, a apreciação de cenas marinhas e da paisagem litorânea sempre foi preponderante ao longo do processo de urbanização, mesmo porque as

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áreas planas favorecem a implantação de loteamentos e infra-estrutura. O mar é, portanto, principal referência paisagística que desperta o interesse das massas, do mercado imobiliário - que dele tira partido e oferece produtos de consumo – e do poder público que investe na adequação urbanística, de modo a extrair dele dividendos. Os demais elementos da paisagem como os manguezais não são objeto de atenção imediata nem para o empreendedor nem para a maioria do público consumidor e são eliminados quando necessário.16Outro fator que reforça a

desvalorização do mangue é a dificuldade de penetrar no interior de sua floresta, devido a presença do emaranhado de raízes das árvores e do solo lamacento, sendo possível adentrá-lo apenas com pequenas embarcações.

Mesmo com todas as características excepcionais do mangue, a falta de conhecimento de sua importância e riqueza ecológica econômica levou os manguezais a estarem sempre associados ao mau cheiro por vazadouros de lixo e esgotos que normalmente são lançados às suas margens ou sobre sua extensão. Até o conhecimento do seu real significado, os manguezais foram alvo de discussões entre urbanistas e até mesmo pelos sanitaristas, como no caso de Saturnino de Brito que na elaboração de planos para o município, que na elaboração estigmatizou o mangue, propondo a execução de aterros. A perspectiva sanitarista condenava o mangue, associando-o a locais fétidos e causadores de doenças, devendo ser erradicados ou saneados por meio de aterros ou drenagem.

Quanto ao aproveitamento da fauna, há muito tempo não existe mais o preconceito social do consumo de alimentos provenientes do mangue, desde que confirmada suas condições saudáveis. Conforme foi demonstrado nos relatos anteriores, os alimentos provenientes do mangue eram destinados apenas às classes subalternas, como indígenas e escravos, imprimindo-lhe um caráter depreciativo. Atualmente, pode-se até dizer que tais alimentos são tão freqüentemente encontrados nas mesas requintadas da culinária capixaba quanto na dieta da população carente coletora. Há uma variedade de espécies consumidas. Além da utilização dos manguezais como fonte comestível, é notória a sua contribuição na renda familiar de populações mais carentes que vivem próximas a este ecossistema, via comercialização dos mariscos.

A tendência é mudar esta visão depreciativa do mangue. É evidente que o lugar se define, inicialmente como a identidade histórica que liga o homem ao local onde se processa a vida, mas cada vez mais a “situação” se vê influenciada pelas relações do lugar com um espaço mais amplo. Assim a situação muda na trama relativa das relações porque relativiza o sentido da localização. Nesse sentido as novas contextualizações acerca de conceitos e ideologias relativas ao meio ambiente que ocorrem especialmente a partir da década de 1980, amplia a perspectiva de conservação e valorização de ecossistemas até então negligenciados tais como o mangue.

Hoje, o mangue pode não estabelecer um intercâmbio ou projeção simbólica de magnitude com a região metropolitana marcado pela história fragmentária feita de resíduos e práticas sociais, porém a construção de uma identidade social da natureza

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16 MACEDO , Soares Sílvio.

Paisagem , turismo e litoral. In: Turismo e Paisagem. Coletânea de textos. Organizador : YÁZIGI, Eduardo. Editora Contexto.São Paulo.2002.

Fig 4.16 Fig 4.16Fig 4.16

Fig 4.16Fig 4.16A bacia do Rio Santa Maria que nasce na Serra do Garrafão e desemboca na Baía Noroeste. Fonte: FERREIRA, 1989. Tratamento da imagem: Isabella Fig 4.17

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Fig 4.17Fig 4.17 O estuário do Rio Santa Maria com inúmeras ilhas. Foto: Vítor Nogueira.

suscita novas formas de apropriação e hipóteses otimistas. A construção ou desconstrução de uma paisagem, segundo Pereira Leite17, representa sempre um

determinado momento na produção histórica de uma sociedade. Daí, a importância dos símbolos culturais associados à imagem de uma localidade, cidade ou região, imprimindo-lhe caráter único. Assim, concomitante ao desenvolvimento das ciências ambientais a noção do ecossistema manguezal enquanto paisagem de valor evolui e se transforma por uma necessidade que vai sendo imposta pelas transformações do mundo.

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