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a visão contemporânea da natureza e da paisagem:

uma abordagem conceitual

“A história social do homem é a história da apropriação da natureza pelo homem. A consciência mais alta é aquela que associa e integra homem e natureza, condição de sua existência, a natureza condicionada. O homem cria sua própria natureza e nela se supera.”

Marx ( Manuscritos de 1844)

A história da humanidade não é outra coisa senão a história da apropriação da natureza pelo homem e de sua própria natureza, a natureza condicionada. O trabalho social e a atividade econômica são os meios desta apropriação, movimentos que revelam a essência humana, afirmava Marx em 1844 em sua reflexão sobre natureza e sociedade. Assim, toda produção supõe determinantes da atividade prática1 – as

técnicas - que se consolidam através da práxis, tomando então significado criador e poético. A Natureza se transforma em seu todo, numa forma produtiva.

Natureza e cultura, portanto, operam dando significado à paisagem. A produção da obra urbana se reflete em sua paisagem e é avaliada como produto cultural. Ideologias e ícones são constantemente reformulados em conformidade com a organização física e social da vida humana, influenciando a recriação da paisagem. Dessa forma, a paisagem através de seus espaços livres públicos é capaz de narrar toda uma história. Mais do que pontos, centralidades, os lugares físicos representam as relações cívicas reproduzidas espacialmente na paisagem.

1 A definição de determinismo

físico apresenta um sentido dialético: indica que cada determinismo se situa na atividade real de um ser da natureza, atuando sobre a natureza, o homem vivente. O conjunto de determinismos é um vasto produto da atividade, um imenso objeto: o mundo. Este objeto deve ser compreendido em parte como função da natureza e em outra parte, função da atividade humana. In: Lefebvre, Henri. Le Materialisme Dialetique. Paris: Quadrige/PUF, 1940. Fig.1.1

Fig.1.1 Fig.1.1 Fig.1.1

Fig.1.1 Vista de Dresden sob o luar. Pintura Johan Clausen Dahl ( 1788-1857). Fig 1.2

Fig 1.2 Fig 1.2 Fig 1.2

Fig 1.2 Cidade Vir tual. Fonte: www.exposiçaovirtual. hpg.com.br.

1.1 1.2

Pode-se assim dizer, que a cenarização da paisagem retrata o projeto social de cada lugar, categorizado no espaço e no tempo. Obra de arte coletiva, a divisão de funções e trabalho, produziu hierarquias espaciais quase sempre perceptíveis pela forma. A disponibilização da técnica utilizada de forma universal, na maioria das vezes, desconsiderou os sistemas locais naturais e humanos, e se sobrepôs a reali- dades econômicas e sociais diferentes, resultando em distorções e desigualdades no cenário mundial. Esta condição revela a perda significativa dos valores ambientais e paisagísticos, evidenciando o desequilíbrio entre forças produtivas e processos naturais.

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22 O objeto é abstrato, porém

uma potencialidade prática concreta. Todo objeto, todo produto, tem um sentido voltado para a natureza, e outro sentido voltado para o homem. É concreto por entrar em nossa atividade e é abstrato por seus contornos definidos, porque tem uma existência social convertendo- se a uma série de relações sociais que se agregam a sua materialidade. In: Lefebvre, Henri. Le Materialisme Dialetique. Paris: Quadrige/ PUF, 1940. 3 33 33 LEFEBVRE, H,1940. 4 44 44 SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado. São Paulo: Hucitec, 1988. p. 29 e 34.

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55 Para DEBORD (1992), o

espetáculo é o dinheiro que apenas se olha, porque nele a totalidade do uso se troca contra a totalidade da representação abstrata. Tudo que era vivido diretamente tornou-se uma represen- tação.

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LIMA, Catharina P. C. dos Santos. In: Natureza e Cultura – O Conflito de Gilgamesh. Paisagem e Ambiente: ensaios n°18. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Univer sidade de São Paulo, 2004. p.11.

Portanto, a atividade produtiva encerra com ela suas contradições, introduzindo oposições no mundo, o concreto e o abstrato2. A consciência moderna apoiada

sobre esta atividade, porém, comprometida no doloroso conflito entre o setor dominado (natureza consolidada humanamente pela técnica) e o não dominado (natureza não humanizada, impulsos naturais,)3 busca solução em formas separadas

– a religião, magia, a ciência, a arte - resultantes da dialética socialmente determinada pela atividade produtiva.

A distinção filosófica ou antropológica entre objetos e coisas naturais estaria, assim, inscrita na própria evolução da configuração territorial marcando no tempo, a forma de utilização da natureza pelo homem – a partir de determinismos sociais que termina por transformá-los em objetos impregnados de valor. Desse modo, o contexto social de um determinado lugar exprime por meio de um conjunto de práticas, tecnologias e juízos normativos a estrutura espacial compartilhada por uma sociedade através de suas paisagens específicas.

No momento atual, o valor universal do modo de produção representa a base material para a compreensão de paisagens em constante e rápida transformação. A globalização da técnica em face do meio confere-lhe um instrumental de crescente solidariedade entre momentos e lugares. Para Milton Santos, esta nova realidade na utilização do território significa uma “verdadeira redescoberta da Natureza, na qual

cada parte, isto é, cada lugar, ganha um novo valor.” 4 Quanto mais os lugares se mundializam, mais se tornam singulares e específicos, isto é, “únicos”, assumindo sua importância decorrentes de suas próprias virtualidades, naturais ou sociais, preexistentes ou adquiridas segundo intervenções seletivas.

Assim, cada paisagem, cada sociedade é um produto histórico, inserido em contextos cada vez mais amplos, combinando de maneira particular variáveis distintas ou similares. Nesse sentido, a Baía Noroeste toma uma dimensão ambiental e social mais relevante na medida em que ainda preserva seus referenciais culturais e históricos, mesmo inserida num processo de espetacularização de suas imagens e riquezas. No momento de forte exposição de sua paisagem e cultura pela mídia, submete grande parte de sua realidade à aparência, que é agora o seu produto de venda. Até que ponto este pseudo-uso5 garante a manutenção dessas particularidades?

Nesta perspectiva, a visão daquilo que nos apresenta, em um determinado momento, como paisagem, é dificultado pela aparente banalidade de um mundo concreto. As formas materiais da paisagem, inscritos na lógica de constante evolução, desafiam nossa capacidade de entendimento dos processos que as produziram. Nesse sentido, discutir conceitos que abordam as relações entre natureza, cultura e sociedade, materializados na paisagem, impõe uma aproximação reflexiva do objeto de estudo. Em suas origens, Natureza, deriva do latim natura, de uma raiz do particípio passado de nasci – nascer; e cultura vem do latim colere, com ampla gama de significados, entre os quais habitar, cultivar.Assim, natureza evoca nascimento, e cultura, transformação.6 Nessa prática cotidiana, os objetos resultantes de fatos socializados

historicamente ascendente sobre a construção do objeto, considerando-se aí o espaço social, cria um caráter ambivalente na percepção da paisagem com forte tendência à negação da natureza.

A passagem da natureza para o âmbito da cultura gera conflitos travados cotidianamente na luta pela imposição da vida moderna. Para Lefebvre, este violento conflito entre uso e troca que se expressam no lugar e na paisagem, atinge seu ápice quando o espaço se torna objeto que se compra e se vende e reproduz-se como tal. A conseqüente fragmentação das relações sociais coloca o indivíduo diante de situações sempre cambiantes, o que envolve um empobrecimento de outras instâncias como a memória. Produz-se um estranhamento do cidadão diante do mundo pelas mudanças nas formas de apropriação, eliminando as referências do lugar que diz respeito. Assim, o que deve ser mantido, perde-se para sempre, o moderno impõe o efêmero.

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77 LIMA, Catharina Cordeiro

dos Santos. A natureza na cidade, a natureza da cidade. Tese de Doutoramento, São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 1999.

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88O poema escrito na Suméria

tido como o primeiro texto em escrita cuneifor me, descreve a cidade Uruk como sendo a segunda cidade- estado a estabelecer-se no delta do Tigre-Eufrates, e a rigor, um dos primeiros núcleos neolíticos a se tornar cidade.

A natureza pode ser considerada como uma abstração, com sentidos e conceitos radicalmente diferentes, suscitados ao longo do tempo. A história de idéia da natureza, responde a uma história social e depende da representação dos sujeitos pensantes. Dessa forma, a conceituação da natureza na história sofre contínuas reavaliações, o que ocorre também em função das perdas materiais e espirituais decorrentes das cisões entre natureza e cultura.

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