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Harvey4 argumenta que o colapso desses conceitos absolutos sob o peso da “com-

pressão do espaço-tempo” foi central no nascimento de novas formas de moder- nismo do século XIX e início do séc. XX. O próprio significado e a própria percep- ção do tempo e do espaço variam, mostrando que essa variação afeta valores indi- viduais e processos sociais do tipo mais fundamental. O movimento socialista com a crescente disparidade de classes produzidas no âmbito da produção capita- lista contestava cada vez mais a unidade da razão iluminista e inseriu uma dimensão

de classe ao movimento moderno. Segundo Harvey, “as mudanças por certo foram afeta- das pela perda da fé na inelutabilidade do progresso e pelo crescente incômodo com a fixidez categórica do pensamento iluminista. Esse incômodo veio em parte do caminho turbulento da luta de classes, em particular depois das revoluções de 1848 e da publicação do Manifesto Comunista ( p.37).“

O surgimento do modernismo no início do século XX, também foi decorrente da necessidade de responder ao caos e a desordem, provocados pelo crescente milita- rismo e pelas guerras, cuja lógica de dominação e opressão tinha por argumento a racionalidade iluminista.5 A renovação do modernismo, passa, então, pela eficiência

tecnológica , pelo mito da máquina, e pela crença no planejamento racional sob condições padronizadas do conhecimento. A arquitetura assume um papel impor- tante na defesa do projeto modernista como o influente movimento da Bauhaus e a Carta de Atenas de 1933: “pela ordem, promover a liberdade “ foi um dos slogans de Le Corbusier .

Por fim, chegamos ao final do século XX com uma nova concepção de modernidade baseada na acumulação flexível, que privilegia a heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras na redefinição do discurso cultural, a fragmentação e a desconfi- ança dos discursos universais como inerentes ao pensamento dito “pós-moderno”.A difusão de inovações tecnológicas nas áreas de microeletrônica, informática e tele- comunicações estão substituindo cada vez mais a produção física em si como processo dinamizador da atividade econômica, e levando as cidades a desempenhar um papel fundamental na geração de economias do conhecimento, como nós de redes globais de cooperação tecnológica, ao invés das economias de escala das gran- des indústrias. A concentração de poder em instituições financeiras relativas à ex- plosão de novos mercados financeiros, permitiu boa parte da flexibilidade geográfi- ca e temporal em escala global.

Nesse sentido, podemos nos reportar ao movimento “desconstrucionista”6 que

surgiu como um poderoso estímulo para o pensamento pós-moderno, especialmente quanto à natureza da linguagem e da comunicação. Enquanto os modernistas pres- supunham uma relação rígida e identificável entre o que era dito (o significado ou mensagem) e o modo como estava sendo dito (o significante ou “meio”), o pensa- mento pós-moderno os vê “separando-os e reunindo-os continuamente em novas

combinações”. Dessa forma, a heterogeneidade inerente a este movimento estimula

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44 HARVEY (2000), p.31-37. 5

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55 Movimento iniciado nos

anos 60 por Derrida. Derrida considera a colagem /mon- tagem, a modalidade primá- ria do discurso pós-moder- no. Segundo ele, o propósito é quebrar (desconstruir) o poder do autor de impor sig- nificados ou de oferecer uma narrativa contínua. Cito In: Harvey (2000). p.55.

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6 HARVEY, David. Condição

o sujeito como receptor do texto ou imagem, “a produzir uma significação que não

poderia ser unívoca nem estável.” 7 Dessa forma, a destruição criativa converge e

complementa o conceito de espetáculo na modernidade.

A pós-modernidade caracteriza-se pela diversidade de jogos de linguagem media- da por imagens, ou seja, o espetáculo do imaginário moderno se revela como ins- trumento de unificação da sociedade. A mídia – informação, propaganda, publici- dade ou consumo – representa o espetáculo e torna-se o âmago do “irrealismo” da sociedade. Para Debord8, tudo que era vivido diretamente tornou-se uma repre-

sentação. O próprio sujeito parece disseminar-se nessa nova realidade social. Por- tanto, diante da impossibilidade de aceitação de qualquer metanarrativa totalizante, a imagem constituída por signos e sinais da produção reinante, passa a ser a finali- dade última dessa produção.

Todas estas transformações econômicas, sociais e políticas no cenário mundial que se aceleraram, sobretudo, a partir da última década, colocaram uma nova di- mensão para a realidade das cidades, que passaram a desempenhar um papel reno- vado no atual contexto que envolve os vários agentes que se associam e /ou dispu- tam novas posições nas relações gerais de produção/consumo em nível mundial. Nesse sentido, as inovações tecnológicas assumem um duplo papel: por um lado, permitem a equalização desejada; por outro, evidenciam e ampliam as diferencia- ções inerentes à produção capitalista. Promovida pelo capital, a tecnologia se pro- põe a facilitar o desenvolvimento, e por outro lado, a forma como ele é obtido e usufruído se traduz pelas desigualdades refletidas nas relações espaciais e sociais. Portanto, este processo denominado pós-moderno passou a ter reflexos diretos nas cidades , tanto do ponto de vista social (parcelas cada vez maiores de trabalhadores excluídos das garantias e políticas trabalhistas) como espacial, marcado por uma nova forma de organização do mercado imobiliário (o mega-projeto ou o supra- espaço multifuncional privado que substitui a cidade) e a exarcebação da segregação espacial, que definem novas territorialidades urbanas.

Para Sassen9, os novos setores de crescimento , as novas capacidades organizacionais

das empresas e as novas tecnologias – os três inter-relacionados – estão contribuin- do para “produzir não apenas uma nova geografia para a centralidade, mas também uma nova

geografia da marginalidade”, que evidenciam a necessidade de políticas e ações governa-

mentais para reduzir as novas formas de desigualdade espacial e social. Desse modo, a sociedade pós-moderna configura-se na fragmentação, cuja ênfase está na superposição e na combinação de todas as suas esferas e subsistemas. Seus produtos culturais se inter-relacionam, se entretecem num continuum de diferenças e semelhan- ças, em que cada área do conhecimento já não é capaz de individualmente assegurar respostas suficientes às questões que se originam da própria essência transitória do cotidiano.

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77 HARVEY, David. Condição

Pós-moderna. São Paulo: Ed. Loyola, 2000.p.55.

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88 DEBÓRD, Guy. A Sociedade

do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto,1997. p.16.

99999 SASSEN, Saskia. As cida-

des na economia mundial. São Paulo: Studio Nobel, 1998. p.12.

Apesar dessas mudanças na aparência e nos processos do capitalismo, tanto Harvey quanto Latour, compartilham do argumento de que não existe uma grande ruptura na constituição de um conceito pós-moderno. Para Harvey10, não é possível prever

configurações exatas quanto à incansável atividade transformativa da acumulação do capital, em termos mais concretos, a forma que o capitalismo assume, seja moder- nismo ou pós-modernismo,” varia de época para época, de lugar para lugar, a depender de

qual configuração é mais lucrativa e qual não o é.”Segundo o autor, este novo momento da

modernidade que conjuga uma série de noções conflitantes, mostra-se mais como transformações da aparência superficial do que como sinais do surgimento de algu- ma sociedade pós-capitalista inteiramente nova. Na verdade, o princípio norteador da acumulação é o mesmo, apenas, muda-se a forma. O debate da pós-modernidade, portanto, gira em torno da necessidade, não de rejeitar, mas de reelaborar a modernidade.

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