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A orla da região noroeste tradicionalmente tem sua existência e desenvolvimento ligado às práticas marinhas. Na região, muitas comunidades sobrevivem da pesca e da catação de siri. As mulheres desfiadeiras majoritariamente são moradoras do bairro Ilha das Caieiras e áreas contíguas. Organizaram-se em grupos, e parte delas integra a “Associação de Desfiadeiras de Siri” na qual processam e vendem seu trabalho, sendo que a maioria ainda trabalha por conta própria desfiando o marisco em suas casas.

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35 HAROOTUNIAN, Harry. In:

Histor y’s Disquiet, Modernity, Cultural Pratice, and the Question of Everyday Life. New York: Columbia University Press. 2000. Fig 4.43 Fig 4.43 Fig 4.43 Fig 4.43 Fig 4.43 As desfiadeiras D.Lindaura, D. Euza e Simone Leal: prática tradicional na Ilha das Caieiras. Fonte: acervo pessoal.

Comer caranguejos é um hábito cultural dos habitantes da cidade. Para se ter uma idéia de quanto o caranguejo Ucides cordatus, é apreciado pelos moradores e turistas, Alves faz uma estimativa de 2000 dúzias de caranguejo comercializadas no verão de 1997, por semana, no município de Vitória.36 Aproximadamente metade dos

caranguejos comercializados em Vitória é capturada nos manguezais que circundam o município. A outra metade vem do norte do Espírito Santo e do sul da Bahia.

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3636 ALVES, André. Os

Argonautas do mangue. Mestrado pelo Departamento de Biologia da Universidade de Campinas. São Paulo. 2002. p.136.

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3737 A GAZETA. Periferia entra

na rota do turismo. Suplemento Grande Vitória. Vitória. 19/01/2003

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3838ALVES, André. Os

Argonautas do mangue. Mestrado pelo Departamento de Biologia da Universidade de Campinas. São Paulo. 2002.

Fig 4.44 Fig 4.44Fig 4.44

Fig 4.44Fig 4.44 Moqueca capixaba. Fonte: acervo pessoal.

E não é só a matéria-prima (siri desfiado) que é atração no bairro, mas também os restaurantes de frutos do mar são procurados e prestigiados por oferecerem moqueca capixaba, casquinha de siri e a famosa torta capixaba. A atenção dada a esses restaurantes ultrapassa o fato da procura por boa comida, mas também o ambiente e atmosfera que cerca o lugar onde os próprios moradores do bairro se encarregam da matéria-prima. A “moqueca capixaba” talvez seja a referência de maior projeção, tanto dentro como fora da cidade. Isso pode ser visualizado nos materiais de divulgação do Estado.

Uma outra tradição centenária é degustar a fritada de mariscos na panela de barro - mais popularmente conhecida como “torta capixaba” - que começou há mais de 150 anos com as classes mais pobres. Durante a Quaresma, os ricos faziam jejum à base de bacalhau importado de Portugal, enquanto os menos favorecidos comiam mariscos provenientes do mangue. Com o passar do tempo, o prato ficou mais popular e se tornou tradicional em todas as camadas da população. Preparada durante todo o ano em restaurantes especializados em frutos do mar, a iguaria é quase uma unanimidade quando chega a época da Semana Santa.

A desfiadeira Eliana Santos Muniz Corrêa, moradora de Caieiras e nativa da região, além de desfiadeira, tradição repassada há gerações, agora é microempresária, proprietária do restaurante Recanto do Siri na Ilha das Caieiras. No local, já recebeu turistas de várias partes do país e até do exterior. Segundo ela “são visitantes de São Paulo, Minas Gerais, além de americanos, japoneses e angolanos.”37Fundadora

da associação e da cooperativa das desfiadeiras, Eliana completa: “ Antes as pessoas

tinham vergonha de dizer que eram desfiadeiras e pescadores. Agora temos orgulho de nossas origens”.

Os Caranguejeiros do Mangue

Dentro das atividades relacionadas à culinária, temos a cata do caranguejo, destacando-se o trabalho dos caranguejeiros, definidos por André Alves38 como os

“argonautas do mangue”, numa referência aos guerreiros da mitologia grega. Em sua pesquisa, ele revela o perfil desses homens cuja habilidade adquirida na experiência vivida diariamente no mangue, confere-lhes uma valentia e sabedoria inigualáveis, diante de tantas dificuldades encontradas.

Na descrição de Alves,” a floresta de mangue é um ecossistema de transição entre a

água e ter ra firme, ir rigada por uma infinidade de pequenos canais diariamente inundados pela marés. Durante as marés altas,é possível navegar no interior da

floresta de mangue”.39 Os caranguejeiros e catadores de siri-açu são provavelmente os maiores conhecedores dos segredos de tais florestas.

Andar no interior dessa floresta alagadiça não é uma tarefa fácil. O solo é mole e lamacento. Algumas técnicas e princípios devem ser seguidos e são passados de geração em geração. Uma tradição, quase uma ciência empírica. Alves no desenvolvimento do seu trabalho acompanhou de perto a atividade do caranguejeiro e relata que “andar na lama cerca de quatro horas por dia e carregar um saco com

até dez dúzias de caranguejo exige além de habilidade, muito preparo físico. Nesse esforço diário, eles revelam sua forma de sobr evivência .Quanto menor o barco, mais se consegue penetrar no emaranhado de raízes. Dessa forma, os caranguejeiros que residem nos bairros situados no lado noroeste (região da Grande São Pedro) da Ilha de Vitória, vão para o mangue remando em canoas e na volta utilizam sacos de ráfia para acondicionar os caranguejos.” 40 Se a maré está cheia, não adianta o caranguejeiro ir para o mangue, pois as tocas dos caranguejos estarão cobertas pela água e ele não vai poder trabalhar. Por isso, eles utilizam o período de maré baixa, tendo um limite de até 6 horas de trabalho até que a maré suba novamente e inunde a floresta de mangue.

Fig 4.47 Seqüência da cata do caranguejo (Médio)

39 39 39 39 39 ALVES, 2002, p.124. 40 40 40 40 40 ALVES, 2002, P.126.

Ilustrando essa dificuldade, Alves ressalta aqui a técnica de captura” no braço”que consiste basicamente em localizar o buraco do caranguejo e enfiar o braço na lama para capturá-lo com a mão. Normalmente, “fura- se a lama” com o pé ou com a mão na direção do local onde se imagina que o caranguejo esteja e introduz- se o braço nesse furo. Se a direção do furo estiver certa, ou seja, se o furo atingir a toca, sairá água pela sua aber tura. Os movimentos têm de ser rápidos. A mão deve estar fechada quando o braço é introduzido no buraco para evitar que o caranguejo agarre os dedos com as suas puãs.

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41 A redinha prevê o uso de

armadilhas que normalmente são colocadas num dia e retiradas no outro. Para localizá-las no dia seguinte , costuma-se fazer uma marcação, descascando o caule das ár vores ou colocando um punhado de lama onde foi armada a redinha. Ao saírem dos buracos, os caranguejos vão se embolar nessas armadilhas abandonadas e se não forem encontrados, morrem.

As técnicas tradicionais são mais seletivas e menos produtivas, e por isso proporcionam um uso mais sustentável do recurso natural. Como atualmente existe no mangue uma menor população de caranguejos, fica quase impossível capturar, utilizando as técnicas tradicionais, uma quantidade de caranguejos necessária para a subsistência. Dessa forma, o uso da “redinha” 41é praticamente imposto pela

atual situação. O uso da redinha está proibido através de portarias federais em várias regiões do Brasil, mas não existe ainda uma portaria que normatize a pesca do caranguejo, como já existe para diversos tipos de peixes e crustáceos.

Para sobreviver da venda desse crustáceo, os caranguejeiros tiveram de desenvolver também sua habilidade comercial, pois na maioria das vezes, são eles próprios ou parentes que negociam os caranguejos. Segundo Alves, eles convivem com realidades de tempo e espaço completamente diferentes: de um lado, o manguezal, e de outro, a cidade. O horário de trabalho no manguezal é regulado pelas marés, enquanto o comércio é regulado pelo fluxo de fregueses. Os caranguejeiros têm que conciliar os dois tempos em sua profissão. As leis de mercado influenciam, e muito, a relação dos caranguejeiros com o manguezal. A demanda por uma grande quantidade de caranguejos a serem consumidos, a concorrência de outras regiões e a pressão dos atravessadores fez com que eles tivessem que aumentar a quantidade de caranguejos capturados para obter a mesma renda anterior.

Fig 4.45 Fig 4.45 Fig 4.45 Fig 4.45 Fig 4.45 Seqüência de imagens mostrando a dificuldade da técnica da cata do caranguejo no mangue. Fotos: André Alves.

Considerando a produtividade e a geração de renda que um único manguezal pode proporcionar, deveríamos ter uma atitude mais responsável para lidar com seus processos naturais e assim garantir uma extração dos seus recursos mais sustentável. André Alves aborda o problema, fazendo uma pequena analogia da produtividade e geração de renda. Segundo ele, cada caranguejeiro pega em média 25 dúzias de caranguejo por semana, no verão. Tendo por base 53.440 dúzias de caranguejos capturados por ano, somente pelos caranguejeiros do município de Vitória, sendo comercializado a dúzia no valor de R$ 5,00, chegamos a uma renda anual de R$ 276.200,00 para um grupo de aproximadamente 90 pessoas.42

A partir do final do outono, durante o inverno e início de primavera essa quantidade cai para quase a metade, e muitos caranguejeiros passam a fazer biscates para manter suas famílias. O catador de caranguejo, atualmente, pertence à categoria de marisqueiro e sua profissão está regulamentada na Delegacia Federal de Agricultura, passando a receber os benefícios sociais do INSS.

DIAGRAMA 5 Ciclo de vida do caranguejo

42 ALVES,2002, p.139.

Fig 4.46 Fig 4.46Fig 4.46

Fig 4.46Fig 4.46 Seqüência de imagens mostrando o caranguejeiro com destino à comercialização do produto. Há sempre a figura do atravessador neste comércio. Fotos: André Alves 4.46

Na época da “andada”43 os caranguejos ficam mais vulneráveis e fáceis de serem

apanhados, andam por todo o mangue e perdem o instinto de defesa e direção. Se por um lado, a andada proporciona divertimento para os moradores dos bairros vizinhos ao mangue, gera um grande impacto no ciclo de vida desses crustáceos. Os caranguejeiros também capturam caranguejos durante a andada, embora a maioria selecione apenas os machos e não as fêmeas.

As exigências para que essa produção seja conservada e até ampliada deveriam estar apoiadas num maior cuidado dos indivíduos em relação a forma e o volume de extração, assim como, numa regulamentação da legislação ambiental e trabalhista, que assegure o equilíbrio do ecossistema. A captura do caranguejo deve atender, antes de às lei do mercado, às leis naturais do manguezal.

A exploração do tanino para confecção da panela de barro

Em Vitória, a confecção de panelas de barro, típicas da cozinha e do artesanato capixaba, incentiva a exploração do tanino que é outra atividade associada ao mangue. Na fase final de elaboração da panela, a mesma recebe, ainda quente, uma pintura feita tendo por base o tanino e a água, tornando-a enegrecida e impermeável. Tal substância é retirada da casca da Rizophora mangle, que segundo Rizzini e Mors 44(1976), possui um teor de tanino entre 15% e 25%. Para eles, os

manguezais possuem a maior reserva de tanino dentre os demais vegetais do mundo.

Na avaliação de Ferreira (1989), apesar de constituir uma tradição local, a exploração de tanino em Vitória é feita de forma predatória, pois uma vez retirada grande porção da casca de uma Rhizophora, esta seca e morre. Para Carmo et alli

45o rompimento total dos vasos condutores afeta drasticamente o controle hídrico

da planta e o transporte da seiva, alterando os processos vitais, como reprodução e crescimento, podendo levar a planta à morte. Observa-se vários casos desses ao norte da Ilha do Lameirão e outros manguezais adjacentes. Entretanto, a prática dessa atividade faz parte da tradição capixaba. A Associação das Paneleiras de

43 43 43 43 43 Período em que os caranguejos machos e fêmeas saem das tocas e andam pelo manguezal para se acasalarem. Posteriormente as fêmeas andam para liberar os filhotes geralmente às margens dos canais.

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44 Citado In: Ferreira, 1989. 45

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45 CARMO, Tânia Mara Simões

et alli. Os Manguezais da Baía de Vitória, Espírito Santo: um ecossistema ameaçado. In: Revista Brasileira de Biologia. 1995. pp. 801-818. Fig 4.47 Fig 4.47 Fig 4.47 Fig 4.47 Fig 4.47 Seqüência modelagem, pintura, queima e comercialização da panela de bar ro. A tradição centenária herdada dos indígenas foi incorporada à culinária capixaba. Fonte: acervo pessoal.

Goiabeiras é regulamentada por uma lei municipal e recebe o apoio da Companhia Vale do Rio Doce.

Segundo a autora, alguns pescadores também se utilizam deste corante para tingir e conservar suas redes. Uma prática atualmente empregada para obtenção do tanino consiste no anelamento do tronco de Rhizophora mangle, ou seja, quase 100% do perímetro do tronco é descascado. A madeira retirada e comercializada entre os próprios moradores da região de entorno constitui também uma ameaça à biota vegetal.

A referência musical local são as bandas de congo, apontadas como representantes do folclore da cidade. O Centro Cultural Caieiras é responsável pela organização de projetos que desenvolvem o talento e aptidão dos meninos moradores da região para esta manifestação cultural. Atualmente, já existe a banda de Congo Mirim da Ilha das Caieiras.

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