• Nenhum resultado encontrado

A atividade selecionada por nós para tratar da relação da fala com a escrita é estruturada em torno do gênero textual carta. Observemos as proposta para, em seguida, procedermos a discussão sobre a análise realizada pelos sujeitos.

Atividade 3

Obra: Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 4ª série. São Paulo: Moderna, 1999.

Autora: Magda Soares

Continuação

Ao demarcar posição sobre o objetivo da atividade, P3 afirma

Eu acho que é identificar uma linguagem mais rebuscada na hora da escrita. Eles escreveriam assim (professora aponta o segundo modelo de carta) como estão falando, como se tivessem realmente de frente pra alguém na hora da conversa. Mas, mostrá-los que não existe só essa forma de escrever (primeiro modelo), existe uma forma mais rebuscada... (P3).

P3 sinaliza como sendo objetivo da atividade a reflexão sobre a linguagem empregada na fala e na escrita. Sua posição evidencia a compreensão do emprego de registros com maior ou menor grau de formalidade, em ambas as modalidades. Esse olhar afina-se com a discussão da língua em sintonia com o contínuo dos gêneros textuais, pois dialoga com as diferentes possibilidades de uso da língua implicadas nas distintas situações de produção discursiva.

Com o foco no questionamento sobre o objetivo da atividade, P4 faz uma análise a partir da relação entre a produtora da carta, a personagem Marisa, e a sua interlocutora, Ângela. Assim como P3, o olhar de P4 não está voltado para as polarizações, mas para a proximidade entre as modalidades. Um dos elementos que marcam essa compreensão é a consideração, por parte da docente, sobre a dimensão afetiva que perpassa os personagens, de forma a modelar e conduzir toda a produção escrita.

O objetivo é justamente a comparação, porque aqui a Ângela ela ta escrevendo uma carta né, e é uma carta como se ela estivesse realmente falando. Como se ela tivesse realmente falando né é, ela transcreveu o que veio na mente dela em palavras simples que ela utiliza no dia a dia, né. Uma coisa simples mesmo que ela expressou sentimentos que tava com raiva, né é é dava vontade de gritar com... gritar com raiva né, que ela mordeu o picolé com tanta raiva que acabou mastigando o pauzinho. Então aqui ela ta, é como se ela tivesse realmente falando da angústia dela de não ter que, ter que esperar as próximas férias para ter que brincar com a coleguinha. Então isso é, realmente é uma carta, mas é uma forma de ela... de ela escrever o que ela... da forma como ela fala. Ela colocou todo o sentimento dela aqui, já aqui é a mesma, é a mesma carta né, mas aqui ela já se tornou uma carta mais rebuscada, né, com aquele estilo, com termos mais difíceis, é o mesmo sentido, é a mesma coisa, mas com palavras mais diferentes, mais dificultosas né (P5).

P4 percebe que a mudança no registro também se deu em função do efeito de sentido pretendido pela proposta, para exemplificar a capacidade de alteração do registro na produção do mesmo gênero textual. Sua análise conduz ao que Tannen (1985) explicita sobre o gênero carta. Para a autora, na carta a mensagem figura como elemento secundário, se comparada ao envolvimento entre os sujeitos. Nesse movimento de análise, a professora evidencia compreender que a leitura de uma carta depende, em parte, do reconhecimento das estratégias de proximidade, as quais dão aos leitores a impressão de estarem juntos um do outro.

Parece ser também na direção do contínuo que P5 procede a sua análise:

[...] mostrar os vários tipos de oralidade, e que às vezes você não escreve como você fala ou vice e versa, você não fala como você escreve. Porque quando ele fala aqui, como se a gente tivesse começado essa carta assim, já de outra forma, mas de uma forma mais tradicional. Até pergunta e se elas estivessem falando com a amiga seria daquele jeito? É agora aqui já é diferente, então eu acho que é isso (P5).

É importante registrar em P5 que, para abordar a relação da fala com a escrita, a professora refere-se ao eixo de ensino da oralidade: “Mostrar os vários tipos de oralidade”. Ao mencionar “tipos de oralidade”, P5 parece conduzir sua análise para os diferentes tipos de registros na linguagem oral e ao mesmo tempo cruza a fala com a escrita em sua intercessão no contínuo do gênero em modalidades de produção diferenciadas.

P4 e P5 têm um ponto em comum em suas análises, pois enxergam na proposta o objetivo de ensinar o aluno a modificação no registro, fruto da intimidade que há entre a produtora e sua interlocutora da carta. Entretanto, ambas as docentes não focam seu olhar sobre expressões utilizadas na atividade, cuja proposta é marcar a relação de proximidade entre os personagens, como por exemplo, “tempão andando” e “barata tonta”, expressões usadas na primeira versão da carta, que no segundo momento é substituída por “Depois que você partiu tudo aqui se tornou muito tedioso. Sinto-me muito entediada por ter de esperar as próximas férias para que possamos nos encontrar de novo [...]”

Nesta investigação também observamos a partilha das docentes sobre a possível reação de seus alunos frente ao primeiro modelo de carta (formal). Para P4, os alunos teriam maior afinidade com o segundo modelo da carta, marcada em registro informal:

Eu creio assim, que se eles... [faz referência aos seus alunos] se fosse pra eles escolher, escreva uma carta, eles iriam es..., eles iriam utilizar essa linguagem aqui (professora aponta para o segundo modelo de carta - informal). Tenho certeza! Eu tenho certeza! (P4).

Para P3, os seus alunos teriam dificuldade de compreender o primeiro registro do gênero, produzido em uma linguagem formal. A docente traz também como possível fonte de dificuldade a estrutura do gênero carta e modelos desse gênero apresentados na atividade.

[...] de explorar o gênero, ela não dá, porque eles não têm intimidade com a questão do formato, do que a gente trabalha enquanto formação daquele gênero. Do gênero, não daria pra explorar nesse sentido [...] acho que eles num despertaria muita atenção não. E acho que eles não conseguiriam transcrever dessa forma”(P3).

P5 também compartilha o mesmo olhar das demais professoras. Em sua compreensão,

eles [os alunos], se fosse pra eles escolher, escreva uma carta, eles iriam es..., eles iriam utilizar essa linguagem aqui. Tenho certeza! [...] agora é como eu disse, eu eu se eu fosse trabalhar na minha turma, eles iriam fazer dessa forma aqui [aponta para o segundo modelo de carta]. Essa carta seria muito formal. Eles iriam dizer, ah professora, essa carta é muito formal, muito chata, eu não falo dessa forma, eu falo assim. Eles, eles fa... fariam a carta dessa forma, deveria ser dessa forma (P5).

As colocações dos sujeitos parecem desconsiderar, nesse evento, que a linguagem formal também faz parte do cotidiano dos alunos. Todos eles são rodeados pelo registro formal na maioria das programações dos meios de comunicação - o telejornal, o jornal impresso, por exemplo. As posições tomadas pelas professoras,

frente à proposta, podem indicar a ausência, em sala de aula, de discussões e atividades que promovam tal reflexão.

No caso de P3, por exemplo, parece haver uma resistência em apresentar o “novo” modelo de carta aos seus alunos, visto que os educandos parecem ter maior intimidade apenas com o modelo clássico de carta pessoal, com a indicação de data, de local, de ano, de despedida etc. Parece não haver a compreensão de que há uma plasticidade nos gêneros textuais (MARCUSCHI, 2008) que os possibilita adequar-se às demandas sociais. Apresentar um novo modelo à turma e/ou solicitar que ela produza uma carta, com base em seus conhecimentos, é uma possibilidade para a realização dessa atividade, sem que haja prejuízo para os alunos em relação à exploração de conteúdos.

No caso de P5, sua fala apresenta indícios de que a docente determinaria qual modelo seus alunos iriam produzir, embora tenha deixado claro que essa posição seria fruto da reação deles frente ao que lhes é proposto. Em síntese, todos os sujeitos revelam seguir não apenas a direção do que os aprendizes têm familiaridade, mas também a sua própria afinidade com o gênero textual. Observemos que se a atividade for tomada apenas com o foco no registro informal, não haverá a oportunidade do confronto pretendido pela proposta do livro. Isso pode resultar em uma atividade de produção do gênero carta, sem, contudo, favorecer uma reflexão sobre a relação da fala com a escrita, tendo como variável, para o ajustamento do grau de formalidade, a relação de afetividade entre os sujeitos.

Ao prosseguirmos com a análise de protocolos de atividades, apresentamos às professoras um fragmento de atividades cuja discussão centrou-se na oralização da escrita. Com o foco nesse debate, apresentamos a categoria a seguir.

CATEGORIA 8

Documentos relacionados