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Para tratar da compreensão docente sobre os elementos multimodais, trouxemos a atividade 5, retirada da C1, cuja proposta envolve o gênero história em quadrinhos. Após a apresentação da atividade, observemos como cada sujeito se comporta em sua análise.

Obra: Português uma Proposta para o Letramento: ensino fundamental, 2ª série. São Paulo: Moderna, 1999.

Autora: Magda Soares

Localização da atividade: página 91-94 – 2ª unidade.

Continuação

Ao posicionar-se frente ao que poderia ser o objetivo da atividade, P3 sinaliza que o texto tem como foco tratar

a questão da onomatopéia e a questão de escritas diferentes para dar um destaque em alguma coisa. Eu vi basicamente isso né, a questão dos sons e onomatopéias e a questão pra dar destaque em palavras e formas que são utilizadas na escrita né, a letra maiúscula, a exclamação. Basicamente é isso (P3).

Assim como P3, P4 também sinaliza como objetivo da atividade o trato com a onomatopéia.

risos...ummm, aqui trabalha, ta trabalhando muito onomatopéias, né, a questão dos barulhos, dos ruídos, isso em histórias em quadrinhos tem muito isso, né. Na verdade aqui ta falando da expressão “mãe”. Como é que o cartunista ele desenhou a forma que a menina tava gritando, né. Isso pronto (P4).

A multimodalidade é sinalizada nas falas de P3 e P4 através dos diferentes recursos onomatopéicos observados por elas na atividade. Dentre os elementos moldais indicados encontramos, por exemplo, o uso da letra maiúscula, a exclamação.

Dionísio (2005, p.176) afirma que a multimodalidade é um traço característico dos gêneros textuais orais e escritos, visto que ao empregarmos a língua nessas modalidades utilizamo-nos de, no mínimo, dois modos de representação, dentre os quais a autora cita: palavras e gestos, palavras e entonação, palavras e imagens, palavras e tipografia, palavras e sorrisos, palavras e animações, etc. Assim, orquestramos, em todas as situações comunicativas, os nossos sistemas de conhecimentos para harmonizar todos os recursos verbais (escritos ou orais) e os recursos visuais (estáticos ou dinâmicos) disponíveis nas interações comunicativas em que estamos inseridos.

Para indicar a presença da multimodalidade, P5 chama a atenção para a forma como o HQ representa a fala através de elementos da escrita:

O objetivo dessa atividade eu acho que deve ser [...] como é que, você não vai só falar, se você encontrar as palavras, como é que você irá interpretá-las, tipo aqui, Carol. Ai bota MÃE bem grande, como é que você sabe que ela tava gritando? Entendeu é uma coisa que Carol gritou: MÃE! Não precisa ler, é uma coisa que você não... serve então para mostrar que no texto tanto tem a parte de você observar os sinais como muda

seu nome. Pra interpretar, como você também pode utilizar palavra. Então a grosso modo a gente pode tirar o seguinte, que o modo como a gente fala as vezes não é o mesmo modo como a gente escreve, ou que a parte escrita pode ser bem chamativa e você também pode falar de uma forma que o interlocutor ouça melhor, entenda melhor, tudo é uma forma de você se fazer entender (P5).

Em sua análise, P5 evidencia a importância dos elementos multimodais para alcançar os efeitos de sentido pretendidos pelos personagens. Segundo a docente, tanto na fala quanto na escrita podemos usar diferentes recursos para atingirmos os objetivos visados.

Com vistas a melhor investigar como as docentes compreendem como sendo o objetivo de ensino do conjunto de atividades apresentada nessa categoria, perguntamos o que, na compreensão delas, a atividade deseja ensinar ao aluno. Vejamos as suas respostas:

Para os sujeitos, a atividade em tela, visa ensinar o aluno a:

usar artifícios diferentes escrevendo pra dizer o que ela gostaria de falar falando (risos). Como eles passariam para a escrita para mostrar que ela ta gritando, que ela quer chamar a atenção de alguma forma, e como passar isso para o papel. Iria ser bem interessante, cada um faria de um jeito bem diferente (P3).

P3 sinaliza para as especificidades dos recursos utilizados em cada modalidade da língua e atenta para o efeito desses elementos, indicados por ela como “artifícios”, no propósito da comunicação. O seu olhar também caminha no sentido de indicar como a proposta seria apresentada aos seus alunos e para o que eles deveriam ficar atentos na hora da efetivação da tarefa. Embora a docente se volte para os recursos modais, seu olhar não encaminha a reflexão para a especificidade do o gênero textual HQ, como vemos em P4:

ensinar pro aluno que nas história em quadrinhos já é uma historia onde trabalha-se muito a questão do personagens falando e aqui é o destaque mais com gritos, com ruídos, porque aqui ta falando sobre “como você representaria um ruído que uma pessoa faz, essa questão do grito, dos ruídos, rir alto, essa questão das expressões, dos ruídos, então trabalharia isso. Além da questão da fala das pessoas né, eles iriam

observar “ah professora, mais ta diferente o balãozinho da fala dos outros personagens, a gente ta sabendo que ela gritou porque o balãozinho ta todo espichado, ta todo cheio de espinho”, aí com certeza as representações, com certeza os meninos iriam perceber como se representaria ruídos, essas questões dos ruídos dentro da historia em quadrinhos. Que os balões seriam diferentes, que ai dava pra ele saber quando uma pessoa tava falando baixinho, quando uma pessoa tava assobiando, tava gritando. Então tudo isso dava pra trabalhar, e eu acredito que eles iriam aprender (P4).

Vemos que P4 volta-se para discussão das características do gênero HQ, mencionando os recursos específicos presentes nesse gênero, cujo objetivo é representar de forma gráfica as ações dos personagens realizadas na modalidade oral (RAMOS, 2011, p. 83). Na perspectiva de Ramos, a docente observa o gênero do “ponto de vista externo”, pois reflete sobre as características e formato dos balões “o balãozinho ta todo espi...espichado, ta todo cheio de espinho”. Ela recupera também os recursos onomatopéicos utilizados na representação da fala dos personagens. Sob seu encaminhamento, o foco da atenção dos alunos estaria sobre o gênero textual, em sua dimensão estrutural e também do conteúdo, visto que é em função do conteúdo textual do gênero HQ que se desenha a configuração dos variados recursos gráficos.

oralidade, tanto da parte da pausa, você pode falar de uma forma, e também pode escrever da mesma forma que você fala. Que aqui ta assim ela falou, é do mesmo jeito, mas quando você vai escrever a gente tem o maior cuidado para que as pessoas possam entender aquilo que você escre... escreveu, que as vezes as pessoas escrevem mais não entendem, porque talvez o tal do escrever é uma coisa que... a escrita eu acho que é uma coisa mais difícil porque você tem que ter todo cuidado pra... você não vai está lendo pra aquela pessoa, então você vai ter que escrever da forma de que quem esteja lendo entenda o que você quis dizer quando escreveu aquilo. Já você lendo não, você vai vendo os sinais, você vai interpretando, porque já está prontinho, a partir do momento que eu vou pegar e eu vou ler um texto, eu vou ter cuidado desses sinais também aparecerem no meu texto, pra poder se fazer entender (P5).

A fala de P5 faz menção ao eixo oralidade relacionado ao objetivo da proposta. Nesse olhar, elementos como as pausas usadas na fala e representadas na escrita e elementos que dizem respeito ao aspecto paralinguístico são tomados como ponto de focalização ( CAVALCANTE e MELO, 2006). Para P5, podemos representar

elementos na escrita da mesma forma que produzimos na oralidade “A oralidade, tanto da parte da pausa, você pode falar de uma forma, e também pode escrever da mesma forma que você fala”. Nesse sentido, a docente parece não atentar para o fato de que usamos recursos diferentes nessa representação.

De acordo com Marcuschi (2001a), a oralidade e a escrita possuem características próprias. Assim, a escrita não consegue reproduzir fenômenos orais tais como os gestos, as prosódias, os movimentos corporais e faciais; por outro lado, a fala não consegue representar elementos significativos da escrita como, por exemplo, o tamanho das letras, cores e formatos. Entretanto, a escrita resgata elementos da oralidade através de marcas gráficas como, por exemplo, o ponto de exclamação, o ponto de interrogação, etc.

Ao se referir ao ato de representar os recursos orais na escrita, P5 atribui à escrita um maior grau de complexidade. “A escrita eu acho que é uma coisa mais difícil, porque você tem que ter todo cuidado pra... você não vai estar lendo pra aquela pessoa, então você vai ter que escrever da forma de que quem esteja lendo entenda o que você quis dizer quando escreveu aquilo” (P5). Para esse sujeito, a escrita requer maior cuidado que a fala, o que nos remete à falta de compreensão de que tanto a fala quanto a escrita exigem diferentes graus de complexidade em sua produção. Os registros formais na fala e na escrita, por exemplo, requerem maior grau de planejamento, já os informais nas duas modalidades, por serem menos tensos, deixam-nos mais à vontade (BORTONI-RICARDO, 2004).

No decorrer da fala de P5, podemos compreender que em sua visão o maior esforço na escrita é gerado pela ausência, em geral, do produtor do texto em tempo real, o que dificulta a compreensão do leitor caso o texto esteja com o emprego inadequado de sinais. Nesse caso, os sinais de pontuação servem para nortear a leitura de modo a ofertar ao leitor a compreensão “desejada” pelo escritor. P5 parece entender que a pontuação dá ao leitor/ouvinte instruções de sentido, implicadas nas relações prosódicas trazidas pela pontuação, bem como pela dimensão enunciativa da relação que, de acordo com Vilela e Nascimento (1998), é assumida como

elemento necessário para a produção de sentido para o texto escrito, por parte do leitor, mostrando-lhes quais são os enunciados e quais são os elementos do enunciado e, ainda, quais são as relações entre os enunciados constituintes do enunciado a serem necessariamente levados em conta na produção de sentido para o texto (p. 33)

Não vemos em P5 a explicitação da mesma compreensão de ensino de pontuação que P4 evidencia em sua fala indicada na atividade 4 (ver Categoria VIII). Entretanto, quando a mesma menciona uma visão estruturada em uma gramática normativa, parece atribuir à pontuação uma “capacidade soberana” que reside no texto pontuado, ao afirmar que ao ver os sinais o sujeito “vai interpretando, porque já está prontinho” (P5). Essa visão se distancia de uma compreensão de texto que compreende a linguagem como comunicação apenas, mas que a enxerga estruturada na interação entre os sujeitos. Logo, o sentido não está no texto, nem na pontuação, mas nessa interface texto-leitor-produtor (KOCH e ELIAS, 2006).

No prosseguimento da análise das atividades, trouxemos como foco de investigação uma proposta da C1, cujo objetivo é refletir sobre a produção e a compreensão do gênero textual oral. É sobre essa questão que trataremos na categoria a seguir.

CATEGORIA 10

OLHARES DOCENTES SOBRE A PRODUÇÃO E A COMPREENSÃO DO GÊNERO

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