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ORALIDADE E GÊNEROS TEXTUAIS: CONCEPÇÕES TEÓRICAS “Ploculando”

1.4 Gêneros textuais orais: reflexões sobre o ensino

Na escola, o ensino da fala e da escrita, bem como de suas relações e variações deve se dar através dos gêneros textuais. Eles são ferramentas que favorecem o aluno a analisar as condições sociais de produção e recepção de textos, oferecendo um quadro de análise dos conteúdos, da organização do conjunto do texto e das sequências que o compõem, das unidades linguísticas e das características específicas da textualidade, sem desprezar a sua funcionalidade social, cujo foco está em o que fazemos com os gêneros em nosso dia a dia. (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004).

Como nos chamam a atenção Cavalcante e Melo (2006), o professor deve compreender que não existe “o oral”, mas gêneros orais diversos. E o que isso representa? Para início de conversa, representa que o ensino do oral deve ser mobilizado através dos gêneros orais específicos, e o olhar didático deve também se voltar para os elementos linguísticos característicos de cada gênero (estruturas sintáticas, seleção lexical, estratégias interativas etc.).

Dessa forma, a escola fica com a incumbência de favorecer a reflexão sobre os gêneros orais formais que ultrapassarem as formas orais de produção coloquial, visto que as produções de gêneros orais frequentes no cotidiano do aluno já são dominadas por ele. Para Dolz e Schneuwly (2004), tanto os gêneros orais públicos que servem a aprendizagem escolar (entrevista, discussão em grupo, exposição, relato de experiências, apresentação de seminário, etc.) quanto os gêneros orais públicos tradicionais da vida pública (debate, entrevista, negociação, testemunho diante de uma instância oficial, etc.) devem ser trabalhados na escola, pois, em algum momento, na escola ou na vida pública, os alunos poderão sentir necessidade de utilizá-los.

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Usamos a expressão domínio discursivo apoiando-nos na concepção de Marcuschi (2002), que a utiliza para identificar uma instância ou esfera da produção discursiva ou de atividade humana. Os domínios não são textos nem discursos, mas favorecem o aparecimento de discursos específicos, dentre os quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais, como, por exemplo, o discurso jurídico, discurso religioso, discurso jornalístico, entre outros.

Para os mesmos autores, os gêneros formais públicos constituem as formas de linguagem que apresentam restrições impostas do exterior e implicam um controle mais consciente do próprio comportamento para dominá-las. Em grande parte são regidos por convenções cujo propósito é regular e definir o seu sentido institucional. Mesmo sendo produzidos, em geral, de forma presencial (face a face), inscrevendo-se em uma situação de imediatez, tais gêneros exigem antecipação e necessitam, portanto, de uma ação pedagógica planejada.

Dolz e Schneuwly (op.cit.) afirmam que o oral formal apresenta domínios de linguagem que precisam ser estudados em um trabalho independente ou em um “trabalho isolado”, sendo assim, exige uma ação pedagógica planejada, pois o fato de deixar o aluno em contato com a fala cotidiana, ou deixá-lo ouvir o outro falar, não garante que o mesmo adquira as competências necessárias de uso da fala para além de seu convívio familiar.

Ressaltamos que não entendemos, com a fala dos autores, que a escola será o único espaço de garantia de uma aprendizagem do oral formal público, visto que há outras instâncias que também podem promover reflexões sistemáticas ou assistemáticas sobre o uso de gêneros orais formais. Entretanto, enquanto espaço institucional de ensino-aprendizagem, a escola se afirma como espaço de reflexão formal sobre a língua, o que implica, também, o ensino da produção de gêneros que exigem maior controle/monitoramento. Em outras palavras, os professores, assim como os Livros Didáticos, devem investir nos gêneros formais, tomando-os como objeto de ensino sistemático, a fim de habilitar o aluno a produzir discursivamente de forma eficiente.

Cavalcante e Melo (2006, p. 93), aportadas nos PCNs de Língua Portuguesa, em Marcuschi (2002) e Schneuwly e Dolz (2004), também reforçam que o ensino da oralidade deve ocorrer através de gêneros orais específicos, sobretudo gêneros da esfera pública formal. As autoras pontuam critérios de análise e avaliação dos gêneros, estruturados na natureza extralinguística, paralinguística, cinésica e linguística.

Os critérios de natureza extralinguísticas compreendem os seguintes aspectos: Aspectos extralingüísticos

Fenômeno Características

Grau de publicidade Número de participantes (produtores e receptores) ou tamanho do público envolvido na situação comunicativa;

Grau de intimidade dos participantes Conhecimento entre os participantes; conhecimentos partilhados, grau de institucionalização do evento.

Grau de participação emocional Afetividade, relacionamento na situação, emocionalidade e expressividade;

Proximidade física dos parceiros de comunicação. Comunicação face a face, distanciada, no mesmo tempo ou em tempos diversos.

Grau de cooperação Possibilidade de atuação direta no evento, tal como no diálogo ou num texto monologado ou produzido à distancia.

Grau de espontaneidade Comunicação preparada previamente ou não. Fixação temática O tema é ou não fixado com antecedência; o tema

é espontâneo.

Os critérios de natureza paralinguística e cinésica compreendem os aspectos:

Aspectos paralinguísticos e cinésicos

Fenômeno Características

Aspectos paralinguísticos Qualidade da voz (aguda, rouca, grave, suave

infantilizada), elocução (maneira de produzir fala – lenta, atropelando as palavras, soletrando etc) e pausas (risos, suspiros, choro, irritação).

Aspectos cinésicos Atitude corporal (postura variada: ereta, inclinada

etc).

Gestos (mexer com as mãos, gestos ritualizados como - acenar, apontar, chamar, fazer sinal de ruim, de bom etc);

Mímicas faciais.

Por fim, os critérios de natureza linguística compreendem

Aspectos linguísticos

Fenômeno Características Marcadores conversacionais São marcadores típicos da interação oral, para

indicar que o interlocutor está prestando atenção; para marcar o turno etc. Podem vir no inicio, meio e final de turno. Exemplos: tá, hum, sim, aí, ahan. Repetições e paráfrases Duplicação de algo que veio antes; assim como as

repetições, também as paráfrases também fazem algo vindo antes.

Correções Há a substituição de algo que é retirado. Há correção de fenômenos lexicais, sintéticos e reparos de problemas interacionais.

Hesitações Demonstram tentativa de organizar o discurso oral ou podem caracterizar também insegurança do locutor. Vêm no início de um tópico ou antes de um item lexical. Exemplos: êêê:::, ááá::.

Digressões Suspensões temporárias de um tópico que retorna. Apontam para algo externo ao que se acha em andamento.

Expressões formulaicas, expressões prontas Exemplos: provérbios, lugares comuns, expressões feitas, rotinas. Não tem funcionamento orientado para frente ou para trás, mas para a contextualidade e para o conteúdo.

Exemplo: bom-dia, até logo. Atos de fala/estratégias de polidez positiva e

negativa

Atos de fala positivos, tais como elogiar, agradecer, aceitar etc.

Atos de fala negativos, tais como discordar, recusar, ofender, xingar etc.

Os fenômenos que materializam os critérios extralinguísticos, paralinguísticos/cinésicos e linguísticos devem ser observados tendo por base os gêneros textuais. A proposta geral é que o estudo da oralidade envolva atividades que ajudem o aluno a identificar o que se faz quando se produz o gênero oral (MARCUSCHI, 1995). Nesse sentido, a reflexão também pode contemplar a análise e avaliação dos critérios supracitados.

Mas, o que deve ser ensinado no trabalho com a oralidade? Conforme Marcuschi (2005), alguns aspectos centrais podem ser explorados no estudo da oralidade, dentre eles a dimensão da variação e mudança da língua, os níveis de uso da língua e suas formas de realização e a relação da fala com a escrita. Não devemos esquecer da necessidade de proporcionar, nesse trabalho, o “desenvolvimento das capacidades envolvidas nos usos da linguagem oral próprias das situações formais e ou públicas”, que envolve a produção/planejamento dos gêneros orais; a escuta atenta; a compreensão e a apresentação, bem como as regras de convívio social (PCN, 1996).

Cientes das lacunas de como efetivar o ensino dos gêneros no currículo escolar, Dolz e Schneuwly (2004) propõem uma distribuição dos gêneros por “agrupamentos”, que deve ser levado em conta cinco ações, a saber: relatar, narrar, argumentar, expor e descrever ações em função de algumas características estruturais e sociocomunicativas. A proposta dos autores visa a auxiliar a reflexão sobre a seleção de gêneros textuais ao longo da escolarização, sendo a complexidade o principal critério para a progressão didática.

A progressão compreende que os gêneros pertencentes a uma mesma esfera social de comunicação apresentam semelhanças em suas situações de produção e podem compartilhar outras características em seus conteúdos composicionais e temáticos, mesmo que possuam diferentes graus de complexidade (MENDES DA SILVA e MORIS DE ANGELIS, 2003).

Os autores se preocupam com a elaboração de propostas didáticas flexíveis para o ensino de alguns gêneros orais formais públicos, com vista à operacionalização das propostas de ensino dos gêneros orais. Entre os gêneros por eles propostos estão a exposição oral do aluno; o seminário; o debate regrado; a entrevista radiofônica; o relato oral de experiências, dentre outros. A proposta implica em ensinar habilidades e competências para operar com os gêneros orais, assim como as habilidades de recursos e estratégias linguísticas desempenhadas em sua realização. Para tanto, é necessário apresentar de forma progressiva a complexidade do tratamento com o gênero que está

sendo explorado, assim como seus recursos e estratégias nos variados anos de escolarização.

A proposta de Dolz e Schneuwly (2004, p.135) afirma-se nos fundamentos de que não existe uma proposta didática “mítica” do oral que sustente a sua didatização, “mas práticas de linguagem muito diferenciadas, que se dão, prioritariamente, pelo uso da palavra (falada), mas também por meio da escrita”. Para os autores, são essas práticas que podem se tornar objetos de um trabalho escolar.

Acreditamos que tal proposta sinaliza e ratifica o papel docente em relação às demandas de seu grupo-sala, visto que a seleção dos gêneros textuais de acordo com a sua complexidade requer compreensão efetiva do que se deseja desenvolver e aprofundar na proposta didática, de modo a favorecer uma análise linguística cada vez mais complexa dos gêneros textuais.

Com vista a auxiliar o professor no trato com a oralidade, alguns autores brasileiros também buscam apresentar reflexão teórico-metodológica no sentido de possibilitar a visualização do oral enquanto objeto a ser aprendido e ensinado. Vejamos a variedade de propostas a seguir:

Elias, Andrade e Aquino (2011) destacam a aplicação de atividades de formulação textual, com procedimentos que visam a possibilitar levar o aluno à compreensão dos modos de organização do discurso, bem como a tratar a modalidade oral e escrita da língua. As autoras trazem exemplos de textos retirados de jornais e apresentam as formulações orais, com tendência à informalidade no registro, cujo propósito comunicativo é envolver o leitor na leitura e na compreensão do conteúdo textual.

Crescitelli e Reis (2011) propõem a didatização do oral evocando a atividade de transcrição, em que devem ser observadas as estratégias de construção textual; retextualização da fala para a escrita, observando as operações de transformação empregadas na nessa mudança e atividades de variação linguística, em que recomenda análise dos níveis das falas dos professores e de seus alunos, bem como a variação existente entre os diferentes gêneros orais. O foco desse olhar é na natureza das variações, sem prescrever a padrões de “certo” ou “errado”, mas atentando para as condições de produção.

Negreiros (2011), em seu texto “Oralidade e poesia em sala de aula”, traz o gênero textual poesia como uma das possibilidades de o professor tratar das “sutilezas” orais presentes em obras de autores clássicos da poesia brasileira, entre eles: Manoel

Bandeira, Ferreira Gullar e Carlos Drummond de Andrade. Negreiros (op. Cit, p. 67, 77) chama de “sutilize” as marcas lexicais, sintáticas e discursivas da oralidade presente nos objetivos e sentidos empregados pelos autores em suas poesias. Nesse sentido, propõe um conjunto de questões endereçadas pelo professor ao grupo sala, dentre elas:

• Os alunos e os professores usam essas marcas orais com freqüência? Em quais situações?

• Qual a finalidade dessas marcas orais no texto poético? O que elas representam? O que significam? Qual o sentido dessas marcas no poema?

• Quais os usos dessas marcas no texto poético e o uso dessas marcas na fala cotidiana?

• Que tipo de “enunciador” (que pode também ser chamado de “eu lírico”) é responsável por esse discurso?

• O texto poético, analisado a partir dessas marcas, é belo? O que o aluno sentiu ao perceber essa linguagem do cotidiano presente no poema?

• Os assuntos abordados no texto são coerentes com os usos linguísticos orais empregados?

O autor enfatiza que há outras possibilidades de investigar as marcas orais no texto poético. O seu propósito com os questionamentos acima é “dar ao aluno a possibilidade de se transformar em sujeito-leitor, consciente de sua linguagem, de seu mundo, dos sentidos que permeiam a linguagem e o mundo dos outros sujeitos” (p.?).

Ramos (2011, p. 83), envolto em uma proposta de didatização, apresenta os quadrinhos e as tiras como exemplos de gêneros textuais que permitem refletir sobre alguns recursos da oralidade. Através de uma variedade de exemplos, o autor apresenta os mecanismos de representação da fala utilizados pelos gêneros textuais supracitados, do “ponto de vista externo” (formato de balões para representar elementos da multimodalidade discursiva) e o “conteúdo textual” (uso de letras maiúsculas para representar gritos, termos reproduzidos em negrito, por exemplo).

A caracterização da fala também é marcada na proposta de Ramos (op. cit). O autor enfatiza o trato com os usos das variantes nos usos da fala, chamando a atenção para o nível formal e informal, bem como para as variantes regionais. Os recursos onomatopéicos também são evidenciados por ele como elementos usados no HQ ou nas tiras para representar a fala dos personagens.

Ferraz, Costa-Maciel e Barbosa (no prelo) trazem uma discussão sobre o oral a partir de uma sequência didática com o gênero textual “notícia de rádio”. As autoras propõem uma sistemática que envolva o grupo-sala em uma reflexão metadiscursiva e passo a passo seja ampliada a prática da análise linguística, com vistas a promover no aluno um pensar sobre o gênero e sua função social, a relação entre oralidade e escrita, bem como as especificidades de cada uma das modalidades de uso da língua que permeia toda a produção do gênero.

As propostas acima são apresentadas como indicações de atividades aos docentes, não há exemplificações empíricas do que está sendo proposto, no sentido de trazer e analisar como as posições se efetivam na prática docente, entretanto, há um esforço dos pesquisadores e pesquisadoras em estabelecer reflexões teórico- metodológicas, com vistas a aproximar a oralidade das práticas em sala de aula, pois a compreendem como essencial na discussão sobre o ensino de língua. As proposições põem em relevo as perspectivas de aproximações entre a oralidade e o letramento, fazendo-as dialogarem na reflexão e produção de cada atividade proposta.

Nesse campo de debate sobre o ensino da oralidade, é importante que observemos como a academia vem produzindo pesquisas e divulgando investigações cujo foco seja a oralidade. É sobre esse tema que nos debruçaremos no capítulo seguinte.

CAPÍTULO 2

ESTADO DA ARTE: A ORALIDADE COMO OBJETO DE ENSINO-APRENZAGEM

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