• Nenhum resultado encontrado

Nesta categoria, o cenário se apresentou com a configuração descrita a seguir. Apenas P3 e P5 responderem à questão que serviu de base à estruturação dessa categoria, cujo olhar investigava se as docentes enxergavam a oralidade nas propostas dos livros didáticos por elas utilizados. Não houve resposta efetiva da questão por parte de P4, visto que, ao buscar responder a pergunta, a docente desviou o seu olhar do livro didático e passou a apontar demandas vivenciadas por ela no trato com o oral. Nesse sentido, sua resposta foi enquadrada na Categoria 3, na sub-categoria “Demandas”.

Para P3, o livro didático utilizado em sua sala não abordava atividades de oralidade, exceto aquelas que conduziam os alunos a lerem.

Bem, numa questão de livro, eu não me lembro agora de nenhuma atividade assim que fosse pra despertar a oralidade fora a questão de eles incentivarem pra ler, leia, leia leia. Tem algumas perguntas, eu nem me lembro se esse livro tem, mas alguns assim estimulam as perguntas orais né, é. Eu acho que nesse tem, é que eu saio misturando todos eles, mas assim de responda agora oralmente. Então de qualquer forma tá incentivando né, e eu sempre faço com eles, a maioria das

atividades em classe é “comente”. Então, eu vou conduzindo vou pegando o que é que eles já sabem o que eles não entenderam, assim da e ao mesmo tempo que a gente vai fazendo vai aprendendo. Então que eu me lembre é só isso, essa questão de leia o texto, que para alguns é acessível e pra outros se torna difícil. E essa questão de estimular resposta oral. Que eu me lembro o livro só tem trazido isso ai. (P3)

Consonante ao que enxerga no livro didático, P3 traz a oralidade a partir de atividades ligadas à dimensão interacional (MENDES da SILVA e MORI-DE- ANGELES, 2003), ou seja, no que se refere a atividades que promovem a interação dos alunos em sala de aula, como por exemplo, a leitura, a discussão em sala de aula, a participação dos alunos na atividade, respondendo e comentando oralmente perguntas que partem dos textos. Essa postura vai de encontro ao que propõe Soares (1999), para quem colocar o aluno para interagir oralmente com o professor e os colegas não é suficiente para que se efetive o ensino do oral. Para a autora, as atividades orais

precisam ser planejadas para o desenvolvimento de habilidades de produção e recepção de textos orais frequentes em situações mais formais, que exigem preparação e estruturação adequada da fala, textos de diferentes gêneros, com diferentes objetivos e diferentes interlocutores, falados ou ouvidos em função de determinadas condições de produção e determinadas situações de interação (p. 22).

Garantir espaços sistematizados de reflexão sobre os usos da língua oral, estruturada em uma proposta planejada e executada de forma intencional com objetivos claros, reforça e legitima o ensino da oralidade na escola, assumida, dessa forma, como eixo que necessita ser ensinado-aprendido, conforme salientam os encaminhamentos propostos por Soares (op. cit).

Vemos que, para P5, o livro didático não evidencia o trato com a oralidade, pois não apresenta nada específico do oral.

Não, porque nos livros eu não vi ainda especificamente assim como você esta falando, eles às vezes assim vem com temas, não sei se é isso que você esta querendo, não sei se é isso que tu ta entendendo. É vem assim, gírias, vem pessoas que falam do modo, como é que chama, da cultura de cada estado. Vem nessa parte. Não vem especifico da oralidade, não sei se é isso, se eu

estou entendendo. No livro não tem desse jeito agora na sala de aula já é outra realidade, a oralidade ali já é outra (P5).

Embora afirme inicialmente a ausência no tratamento do oral pelos LDs, P5 menciona que encontra neles questões que exploram as gírias, os regionalismos, por exemplo. Parece haver, de sua parte, uma separação entre os elementos da variação da língua e a oralidade, como se a docente não concebesse o oral sendo tratado no suporte escrito, o livro didático, ao afirmar que “no livro não tem desse jeito, agora na sala de aula já é outra realidade, a oralidade ali já é outra”.

Essa fala parece deixar mais evidente o desconhecimento da identificação, pela docente, de propostas que se destinem ao oral nos LDs, mas também nos conduz a pensar em compreensões de oralidades diferentes: uma em sala de aula e outra na proposta do livro, conforme vemos no fragmento a seguir, em que P5 afirma ter em sala uma “outra realidade do oral”:

Tem o choque, tudo que eles trazem de casa, do que eles fazem na rua. O falar da rua é diferente do que a escola quer que eles tenham. Quer um exemplo, eles chamam muitos palavrões, mas os palavrões eles não chamam na forma de agressão não. Porque eu estava até analisando essa semana, já virou rotina de falar, então pra eles é natural. E isso aqui é, você vê ele, susto, ai a ia você fica assim, você olha, ele continua repetindo, é o modo dele de falar que já faz parte os palavrões dele. Não estou dizendo que é certo, não::: não é isso. Pra eles é natural. Eu fico olhando e não é um nem dois não é a maioria a grande parte é assim isso mata de vergonha, cada um que eles falam, poxa, mas há o dia a dia. Ai você fica se perguntando, será que é em casa? Alguém chamou ele aprendeu? Algum coleguinha na rua? Enfim, independente da causa eles tem isso e bota no papel [...] (P5)

Essa outra realidade apontada pela docente está relacionada ao modo informal como os alunos interagem entre si em sala de aula. Eles empregam ‘palavrões’que, segundo ela, entram em choque com o que se espera na escola, visto que os educandos trazem para o espaço formal costumes do meio em que vivem. A grande preocupação da professora é quando os alunos trazem o registro informal para a escrita na hora da produção textual, como se desconhecesse que na escrita também há um registro

informal a depender no nível de relação entre os interlocutores e da situação de interação que os envolve (MARCUSCHI, 2001a).

Do ponto de vista do tratamento didático, a ocasião relatada pela docente se configura em um momento oportuno para estabelecer uma reflexão sobre os usos da língua e seus registros (TRAVAGLIA, 1995, BORTONI-RICARDO, 2004; MARCUSCHI, 2001a, 2008), assim como para explorar com o grupo-sala as aproximações e os distanciamentos entre os gêneros textuais, o que conduziria a uma reflexão sobre o continuo tipológico, fato não sinalizado por P5. Verticalizar a discussão para a não aceitação do registro informal na produção do texto escrito pode reforçar a visão da oralidade sob o prisma das dicotomias estritas, conforme sinaliza Marcuschi na tabela abaixo.

Dicotomias Estritas FALA ESCRITA Contextualizada Descontextualizada Dependente Autônoma Implícita Explícita Redundante Condensada

Não Planejada Planejada

Imprecisa Precisa Não-normatizada Normatizada

Fragmentária Completa Fonte: Marcuschi (2001, p.27).

Essa perspectiva ancora-se no paradigma teórico da análise imanente do código. Sob esse enfoque, a escrita é compreendida como uma representação da linguagem de formato elaborado, complexo, formal e abstrato; e a fala, por sua vez como o inverso da escrita, concreta, contextual e simples. Assim, a escrita firma-se como um fenômeno "naturalmente claro e definido", já a fala se apresenta como variada, nunca vista como protótipo da "fala padrão". Marcuschi analisa esse fenômeno da seguinte forma:

É o caso de dizer que fala e escrita são intuitivamente construídas como tipos ideais concebidos com princípios opostos e que não correspondem a realidade alguma, a menos que identifiquemos um fenômeno que as realize (MARCUSCHI, 2001b, p.37).

Ao recuperar a pergunta inicial da categoria sobre o livro didático e a exploração da oralidade, P5 afirma:

[...] a oralidade no livro fica subtendida, ele não dá tanta ênfase, eu creio que deva ser por conta disso, da regionalidade, porque esses livros não ficam só numa região, eles né, vão passando de uma região, talvez seja isso eu não sei (P5).

Para P5, o LD é limitado ao tratar a fala real, como, por exemplo, a de seus alunos, por não contemplar a dimensão regional. Nessa fala, a docente faz uma confusão teórica entre registro e regionalidade. Se observarmos os conceitos de variação em Travaglia (1995, p.43), vemos que a variação na dimensão regional ou geográfica é marcada, normalmente, pelas influências sofridas na formação das regiões, pela polarização política e/ou econômica e/ou cultural dos falantes em comunidades linguísticas geograficamente limitadas. Esses fatores influenciam o desenvolvimento de um comportamento linguístico identitário, como, por exemplo, os diferentes falares dos nordestinos e dos cariocas. Já a variação de registro diz respeito a mudanças que ocorrem tanto na fala como na escrita, ocasionadas por outros fatores, tais como a situação de interação e os papeis sociais assumidos pelos sujeitos na sociedade (MARCUSCHI, 2008).

Do ponto de vista da regionalidade, Travaglia (op. cit) afirma que, em sua grande maioria, as diferenças entre as línguas usadas em uma região e em outra normalmente são diferenças no plano fonético (pronúncia, entonação, timbre, etc.) e no plano do léxico (palavras diferentes para dizer a mesma coisa, as mesmas palavras com sentido diferentes em uma e outra região, uso mais frequente de um ou de outro morfema derivacional ou flexional, etc.), quase inexistindo diferenças no plano sintático. Sob essa perspectiva de análise, não enxergamos a variação regional no exemplo dado por P5.

Outro elemento a ser destacado em P5 é a oscilação entre afirmar e negar a presença do oral no LD. Inicialmente parece que em sua compreensão os LDs não trazem a oralidade porque o conteúdo apresentado não se aproxima do uso da língua oral encontrada em sua sala. Posteriormente, P5 parece entender que os LDs não

explicitam o oral devido às inúmeras realidades regionais. Esse cenário ainda revela a necessidade de compreender melhor o que vem a ser o oral, em suas diversas possibilidades de trabalho em sala de aula.

Marcuschi25 (2005) apresenta-nos um repertório de possibilidades de se ensinar a oralidade, dentre as quais podemos destacar:

• A existência de níveis de uso da língua desde seu aspecto coloquial até o formal, tanto na fala quanto na escrita;

• As características que influem na produção da fala, tais como idade, gênero, atividade profissional, posição social;

• A contribuição da fala na formação cultural e na preservação de tradições não escritas que persistem mesmo em culturas em que a escrita já entrou de forma decisiva;

• A relação que fala mantém com a escrita;

• Os aspectos relativos ao preconceito e à discriminação linguística, bem como suas formas de disseminação.

Nesse movimento, Marcuschi atenta para um trabalho sistemático nos livros didáticos, em sala de aula, com vistas a formar nos alunos a consciência de que “a língua não é homogênea nem monolítica” (MARCUSCHI, 2005, p.24).

Ao capturarmos a compreensão docente sobre o trabalho com o oral no livro didático, buscamos investigar se havia em sua prática atividades que se voltassem para o ensino da oralidade e como essas atividades se desenhavam em termos de conteúdos e metodologias em suas práticas pedagógicas. Vejamos os resultados a seguir.

CATEGORIA 3

PRÁTICAS DOCENTES PARA O ENSINO DO ORAL: ATIVIDADES, DEMANDAS, OBJETIVOS E

Documentos relacionados