• Nenhum resultado encontrado

Em suas respostas, tanto P3 quanto P4 sinalizam que sua trajetória de formação continuada as ajudou de forma mais incisiva no processo de construção da “proposta de oralidade” que a formação inicial, o magistério (na atualidade normal médio) e a graduação em pedagogia.

Eu diria que muito mais a trajetória de capacitação do que de formação, até porque, as capacitações que a gente tem aqui... porque enquanto Recife eu acho muuuito falho, muito vago ainda. Mas assim, éee, o que eu aprendi no magistério hoje esta superado, porque eu vi muita coisa na faculdade, muita teoria, pouca prática né, então eu diria que muito mais essas orientações que a gente tem éee, as capacitações com outros estudiosos na área, eu acho que me fizeram acrescentar muito mais do que a formação teórica de faculdade e magistério. Fora a questão da prática né, porque vou aprendendo com eles, com os colegas, com os anos passando. A grande parte das formações continuadas é com a escrita e a leitura (P3).

Diferentes dimensões da construção dos saberes para o ensino da oralidade são apontadas nessas falas, dentre elas, a formação docente (ensino médio, graduação e formação em serviço); os anos de prática em sala de aula; a relação com o grupo-sala e o trato com os pares. Temos um repertório de saberes estruturados na dimensão social, constituído por pilares, como afirma Tardif (2008), dentre eles, o coletivo das práticas de trabalho; o reconhecimento social do saber; a construção do e no reconhecimento do outro e a aquisição do saber no contexto de uma socialização profissional.

As fontes de produção dos conhecimentos indicados por P3 envolvem dimensões dos saberes da ação pedagógica ou saber experiencial (GAUTHIER et AL, 2006), que brotam da prática e por ela também são validados. São saberes mobilizados na prática, que não se encontram sistematizados em doutrinas ou teorias, entretanto formam um conjunto de representações que orientam, interpretam e fazem com que os professores compreendam a sua profissão, as várias dimensões do cotidiano de sua prática e constituam jurisprudência em sua profissão (CAMPELO, 2001).

A construção de saberes em P3 também pode ser compreendida em Tardif (2008), que relaciona o objeto composicional dos saberes, dentre outras dimensões, a interações do professor com os seus pares e demais sujeitos que compõem a sua área de atuação. A docente em questão explicita essa dimensão ressaltando a contribuição desta relação para a execução das propostas de ensino por ela ofertadas.

O saber disciplinar (GAUTHIER et al, 2006, p.29), ou “saberes sociais” (TARDIF, 2008, p.38), compõe os discursos de P3, pois permeia o seu universo de incorporação em sua prática docente, assim como o saber curricular, cujas orientações prescrevem elementos para a atuação profissional. Para esta díade (saber social e saber curricular), temos a realidade mencionada pela docente da decalagem entre as suas experiências na docência e os saberes que foram adquiridos na formação inicial (ver Categoria 3, item “a avaliação ”). Conforme o discurso acima, os saberes aprendidos em sua formação inicial, tanto nas esferas do ensino médio quanto na do superior, não são compatíveis com a sua realidade. O primeiro pela defasagem do saber, o segundo pela ausência de ponto de contato com a sua demanda imediata.

Neste cenário, com base em Tardif (2008, p. 53), assumimos que não podemos compreender a natureza do saber de P3 sem tomá-lo intimamente em relação ao que ela

é, faz, pensa e diz. O encaminhamento em si conduz a docente à postura crítica, no sentido de avaliar e julgar seu processo de formação e validação pela sua prática.

As declarações de P4 também são abarcadas nas discussões teóricas que sustentam o discurso de P3. A docente (P4) realça o seu processo de formação em serviço e valida os ensinamentos adquiridos nesse processo formativo como sendo primordiais para a construção dos saberes mobilizados em sua prática pedagógica

Com certeza, assim. Na época em que eu trabalhei o magistério, a visão era totalmente diferente, né, a gente...faz um tempo, faz o que, mais de dez anos? Mas de dez anos! nada. Faz o que uns quinze anos que eu terminei o magistério. Então assim, quando eu entrei na Rede, aqui, primeiro eu trabalhei na escola privada, sócio-interacionista, o método, né e assim eu não senti muita dificuldade quando eu entrei aqui na Rede porque é o mesmo método, né. Agora assim, o choque foi na questão, na questão assim de exigência, porque a gente sabe que escola privada exige mais do professor, é exigido mais do professor, não que a Rede não exija, mais assim, o que eu aprendi pra, hoje pra minha prática se dá hoje principalmente pelas formações, as formações continuadas daqui da Rede. Porque na escola privada que eu trabalhei, a gente não tinha acesso às formações, era só trabalho, era trabalho, era reunião, era isso aquilo outro, mas quando eu entrei aqui na Rede, esses seis ano que eu estou aqui em (cita nome do município26), toda formação que eu participo, eu sempre aprendo alguma coisa. São formações muito boas, há quem critique, porque cada um tem uma opinião, mas assim, são muito boas, são, a gente aprende. E o que me influenciou assim nessa visão de trabalhar dessa forma foi as formações (P4).

A fala acima evidencia outro saber mobilizado por P4, que diz respeito ao reconhecimento do desequilíbrio existente entre os conhecimentos adquiridos durante a sua formação inicial em magistério (normal médio) e a realidade demandada pela escola na atualidade. Os saberes prescritos à época de sua formação em nível médio não respondem mais às demandas apresentadas, na atualidade, pelo seu grupo sala (comunidade escolar), o que a mobiliza a proceder redefinições na seleção do saber a ser ensinado, bem como repensar a sua prática de ensino, com vistas a atender às mudanças. Ferreira (2005, p. 58) atribui esse fenômeno a dois fatores: 1) o

26

desenvolvimento da produção científica que ressalta, em determinado período, uma distância significativa entre o saber científico e o saber a ensinar; 2) uma mudança ocorrida na própria sociedade.

Em cena, encontra-se em disputa o “sistema de ensino e a sociedade” (FERREIRA, 2005, p. 58), que gera acirramento pela incompatibilidade entre os conteúdos selecionados para o ensino e a realidade da clientela educacional. Nesse sentido, promove uma crise no ensino e, por conseguinte, a necessidade de mudança no saber a ser ensinado. Segundo Gabriel (2001, p.4), a disputa em tela promove uma reflexão epistemológica no campo da didática e no plano metodológico, pondo em relevo a diversidade dos saberes e estabelecendo interrogação a partir das evidências.

Outra evidência de construção de saberes pode ver vista na continuidade da fala de P4, quando a docente ressalta a construção de saberes a partir das experiências vivenciadas com os seus pares, dimensão também destacada por P3:

também o que me ajudou foram as experiências trocadas com outras professoras, não é porque eu sou professora que não vou é é é aderir a sugestão de uma colega. Não. Muito pelo contrário. Se vem como uma sugestão legal eu digo, eu quero, vou tentar aplicar em minha turma. Então foram as experiências também trocadas, foi muito bom, muito bom mesmo (P4).

Dessa forma, a docente reforça a perspectiva da construção dos saberes em sua dimensão coletiva, em que as experiências compartilhadas são validadas pelo saber da ação e reforçadas pelo discurso da jurisprudência da prática. É importante observar, conforme Gauthier et al (2006), que a profissionalização do ensino só existirá quando esse saber da ação pedagógica for mais explicitado, visto que ele constitui um dos fundamentos da identidade profissional do professor.

Ao tratar sobre a contribuição de sua formação para o ensino da proposta de oralidade, P5 responde:

Eu creio que sim, eu acho que contribuiu sim porque ao longo dos anos você vai adquirindo experiência, e essa experiência você vai utilizando e chega um momento que você planeja sem ter tanto trabalho como era antigamente, porque logo quando você sai da faculdade para planejar uma aula, ai era uma dor de cabeça, e tem a pauta...Não, hoje não, hoje já da pra planejar uma aula e se ela não sair como eu quero, pegar a realidade deles e transformar já em um novo planejamento coisa que logo

no inicio da carreira, quando se forma logo a gente não tem essa concepção. É aquilo e aquilo, se a coisa saiu do, fugiu, pronto. Ai o negócio desanda, ai é quando eles dizem; “não, mais, fulano não tem domínio de sala”. Ai, sim, ai quando a gente sai a gente não tem esse jogo de cintura, coisa que agora tenho, eu posso até chegar hoje e “oh, vai dar uma aula sobre biografia.” Mesmo sem ter escrito no papel, automaticamente sua mente já vem, fazer isso fazer aquilo. Coisa que no início a gente não tem (P5).

A docente enfatiza as experiências adquiridas ao longo dos seus anos de prática, pondo em evidência os saberes da ação como essenciais para a habilidade que apresenta hoje no planejamento de sua prática. A compreensão da sua realidade e de como a sua prática foi modificada pelos anos de experiência fazem com que a docente crie táticas frente às estratégias que lhes são dispensadas pelos saberes pedagógicos que definem o que do oral deve ser ensinado-aprendido (FERREIRA, 2005).

No decorrer da discussão, P5 recupera suas angústias de início de carreira docente, em que atuou em turmas de alfabetização e, assim como P4, reconhece a decalagem entre os saberes. Em seu caso, aqueles adquiridos em sua formação superior e aqueles demandados pela realidade de sua sala de aula, configurando uma disputa entre os saberes (FERREIRA, 2005). Em meio a essa realidade, P5 evidencia a demanda pelo saber da prática para aportar as suas ações pedagógicas, no início de sua formação. Segundo a docente, a sua formação em nível superior não lhe deu suporte necessário para administrar, por exemplo, o planejamento das aulas. O que garantiu a segurança nessas ações foi seu tempo de serviço e o contato com outros sujeitos mais experientes.

E outra coisa, e no início quando eu terminei a graduação pra mim foi difícil, como eu não tinha feito a... eu achava que o magistério, ia ensinar um método de alfabetização. “Você vai chegar para os alunos assim oh.” A graduação não ensina, não da nenhum método pra você especifico pra você [...] Ai pronto, ai com o passar do tempo ai vem uma pessoa aqui, vem uma amiga aqui, vem outra que já tem mais experiência, ai você vai moldando ai você vai fazendo seu método encima de um pouquinho de cada um, aí depois que você fica experiente ai você pega a turma, ai pronto, “ah eu tenho que fazer assim.” Ai se torna mais fácil, mas no início foi muito ruim. Quase que eu desistia (P5).

Assim como as demais professoras, P5 reafirma o fortalecimento da sua prática através do contato com outros sujeitos mais experientes, o que lhe propiciou

instrumentos para operacionalização da prática, pois permitiu a troca de saberes e favoreceu a construção e adaptação de sua realidade. Nessa interação, as experiências adquiridas fizeram-na agir com maior perícia com os seus alunos.

Diferente dos demais sujeitos, P5 não traz boas impressões de sua formação em serviço:

Não, porque as formações continuadas são de palestras, e você fica lá sentado, e quem ta dando lá a palestra não tem muita idéia do que é uma sala de aula. As vezes na própria fala deles a gente vê que a realidade é outra, eles falam muito a quem, é como se a sala fosse tudo muito certinho, tudo bem mecanicozinho, que eles já soubessem daquilo, não é. Tem certas coisas que os palestrantes falam que você não utiliza na sua sala, não tem como utilizar porque as vezes foge muito, você tem... Você escuta, ai você leva pra sala, ... são.... não convêm, ta entendendo, eu acho que eles poderiam ... é o seguinte você esta dando uma palestra, você parece que esquece que foi professor ou nunca foi professor. Não sabe da realidade porque uma coisa é você ir pra uma sala de aula, dar aula, e outra coisa é você chegar prum grupo professor e dizer o que ele tem que fazer, como? Se você não conhece a realidade. Ah mais é porque eu vou dar uma palestra no Recife, então eles tiram a grosso modo, então por isso que eu digo, o que eles falam, não da pra fazer nas salas [...] (P5).

As suas críticas em relação à formação em serviço voltam-se para a metodologia dos eventos e a desarticulação entre a fala dos palestrantes e a realidade vivenciada no chão da sala de aula. P5 parece resistente ao modelo de formação em serviço que lhe é ofertada e sua inquietação é direcionada para o mesmo aspecto registrado em fala anterior, ao lembrar de sua formação inicial (magistério e graduação) - a ausência de “métodos” que se enquadrem com perfeição em sua realidade escolar.

É válido registrar que ao tratar sobre a sua relação com os pares, P5 afirma que constrói sua prática fazendo uma compilação de experiências diferenciadas, entretanto, parece ser “mais rigorosa” nas exigências relativas à formação continuada, sendo taxativa ao dizer que esta não lhe serve, ao menos considerando a possibilidade de criar táticas, com vistas a adequar as proposições apresentadas.

Em meio à discussão sobre a construção de saberes, lançada acima, dirigimo-nos em um movimento de entender se o docente compreende a si como um produtor de saberes. Nesse sentido, pedimos a todos que fizessem sugestões a um professor (sujeito fictício) que gostaria de trabalhar a oralidade com os seus alunos, mas que estivesse sem saber como efetivar esse ensino. Foi nessa perspectiva que construímos a categoria a seguir.

CATEGORIA 5

Documentos relacionados