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interacionista da língua, e em busca de um diálogo com a teoria dos saberes docentes, investigamos, nessa pesquisa, como um grupo de professoras do ensino fundamental (3º ao 5º ano) concebiam o oral enquanto objeto de ensino-aprendizagem e quais saberes as docentes mobilizavam ao analisar atividades orais propostas por livros didáticos de língua portuguesa. Com este propósito, direcionamos nosso olhar para onze (11) categorias, cujas discussões proporcionaram algumas compreensões sobre os objetivos supracitados.

Na configuração do cenário de análise, observamos alguns elementos que nos ajudam a compreender como os sujeitos concebem o oral enquanto objeto de ensino- aprendizagem. Para início de conversa, a maioria das professoras participantes dessa investigação demonstrou preocupação com o uso da língua adequado às diferentes instâncias de produção, o que para elas significa “preparar para a vida”. Se considerarmos que o desenvolvimento desta competência evoca o ensino do oral, podemos inferir que a oralidade é enxergada como objeto que precisa ser ensinado- aprendido.

A assunção discursiva dos gêneros textuais como objeto de ensino- aprendizagem, permeada pela visão do letramento, pode ser indício da apropriação pelos sujeitos do gênero textual como ferramenta de ensino-aprendizagem, enquanto objeto teórico que permeia as orientações oficiais para o ensino de língua (PCNs, 1996; PNLD, 2010). Outra compreensão possível desse movimento sinalizado pelas docentes está diretamente relacionada à inserção dos sujeitos em um constante processo de formação continuada desenvolvido pela Rede Municipal em que as docentes atuam, conforme evidencia o nosso “questionário de identificação” (anexo 1). Contudo, o panorama não nos permite assegurar que em sala de aula existam práticas efetivas rumo à consolidação do ensino dos gêneros textuais, sejam eles orais ou escritos.

No tocante às discussões feitas pelos sujeitos sobre o livro didático, enquanto instrumento que poderia contribuir para o desenvolvimento dos objetivos ligados ao ensino de língua, vemos que as docentes julgam o referido suporte como instrumento insuficiente nesse cumprimento. A avaliação é animadora, visto que sinaliza uma possível não aceitação passiva do livro didático como modelo de planejamento fechado

em si. As falas podem corroborar com uma perspectiva de autonomia em relação ao uso do livro, bem como sinalizam para a prática da pesquisa em outros suportes didáticos, sendo a demanda dos alunos o principal fomentador dessa busca. A autonomia e os encaminhamentos dos sujeitos configuram um cenário estruturador na construção de novos saberes docentes, conforme ressalta Freire (1999).

Nas discussões estabelecidas em torno da compreensão docente sobre o tratamento dado pelos livros didáticos (LD) ao ensino da oralidade, vimos se firmarem duas posições: 1) ausência de ensino e 2) ensino deslocado da realidade.

A primeira postura parece atrelada à falta de compreensão sobre o que vem a ser o ensino da oralidade, visto que ao oral são atribuídas as atividades de leitura em voz alta e conversa informal, por exemplo. A segunda compreensão toma o LD como suporte que não consegue atender às especificidades do uso dos registros utilizados pelos alunos em sala de aula, pois, enquanto suporte escrito, não contempla o oral vivenciado em uma situação presencial.

Residem nessas visões princípios de natureza diferenciada. A primeira visão toma a oralidade enquanto ferramenta de mediação e comunicação (DOLZ e NOVERAZ, 2004); a segunda visão parece não compreender o LD como ferramenta de apoio para um processo de didatização dos conteúdos de ensino, que não se compromete com o atendimento de todas as demandas específicas de um grupo-sala, por isso o seu uso consciente exige tomá-lo apenas como apoio à prática. O que dizer dessas posturas? Dentre outras compreensões possíveis, podemos reconhecer a carência de uma formação inicial e continuada que oportunize um pensar sobre o oral como objeto didático.

A abordagem do oral enquanto categoria de ensino nas práticas docentes foi compreendida, em nossa pesquisa, a partir de quatro vieses, a saber: 1) os tipos de atividades propostas com foco na oralidade (indicações de atividades); 2) as demandas do grupo-sala reveladas pelos sujeitos investigados; 3) o cumprimento dos objetivos propostos com a efetivação das atividades; e 4) o repensar sobre novas estratégias de ação com vistas a intervir nas atividades realizadas.

Vimos a leitura e a conversa sobre determinado tema tomadas como atividades orais. A oralidade aparece como oralização e conversa “informal”, dimensões já observadas pelas docentes ao se posicionarem sobre o LD. Dentre as falas, percebemos que as atividades “hora da novidade” e “questionamento sobre o texto” aparecem como propostas que oportunizam o ensino do oral, desde que seja observado o que pode ser ensinado de oral para o grupo sala, de modo que não se perca a dimensão informal das propostas, tampouco se tome o fato de serem atividades em que a fala é o principal instrumento de socialização, como sendo ensino.

No cenário das demandas, vimos que um dos pontos de intercessão entre dois sujeitos diz respeito à superação da timidez dos alunos no uso da fala, bem como à necessidade de fazer os alunos observarem o tipo de linguagem empregada no tratamento entre eles (uso da fala polida). As demandas explicitadas caminham sob duas perspectivas: a primeira parece assegurar-se na compreensão de que o trato com a oralidade parece mais voltado para o treino de técnicas de uso da fala em público; a segunda volta-se para uma das dimensões específicas da oralidade, que envolve a questão da adequação do registro à esfera de produção e realização, no caso específico, à sala de aula. Sobre essas demandas, podemos estabelecer dois olhares, o primeiro que compreende um oral sem ensino e o segundo, um oral a ser ensinado, contudo as estratégias de intervenção no segundo sentido parecem frágeis na arrumação do fazer docente.

Vimos que um dos sujeitos, que aponta a “timidez” como demanda dos alunos, na hora de traçar objetivos para superar a deficiência, investe em atividades de apropriação do sistema de escrita alfabética (3º ano). Aquele sujeito (P5) que sinaliza demandas ligadas ao uso da fala polida, aponta como estratégia de ensino o ajuste da fala do aluno à norma padrão. A questão do registro é tomada como desvio da norma, fenômeno que não aparece quando a referida docente trata especificamente sobre variação de registro. Não vemos objetivos que sejam diretamente ligados ao que as professoras sinalizam como “demandas”, o que evidencia a ausência de encadeamento entre atividades propostas e objetivos traçados para a realização das tarefas.

O que dizer então da avaliação docente sobre as possíveis modificações que fariam se, porventura, fossem realizar novamente as atividades por elas propostas com os seus alunos? Nesse ponto, temos três cenários. O primeiro revela o sentimento de impotência docente em virtude de não saber o que alterar, pois não se tem clareza de

como didatizar o oral; o segundo cenário está diretamente ligado à condição de produção e realização da atividade, pois se relaciona com a organização dos turnos das falas; o terceiro cenário tem o viés ligado aos saberes organizativos, de modo que a dimensão metodológica ganha espaço privilegiado em relação à construção de uma demanda que é sinalizada, a priori, como necessária aos alunos, ou seja, a questão da polidez no uso da fala. Mais uma vez as posições dos sujeitos denunciam a necessidade de saber o que deve ser ensinado e aprendido quando se toma o oral como objeto didático.

No campo das discussões sobre a contribuição da formação docente para o pensar sobre o oral, a formação inicial em nível médio e superior são tratadas como momentos que não favoreceram o pensar docente sobre o referido eixo. O que podemos pensar sobre essa realidade? Uma das possibilidades de interpretação é a de que os centros de formação de professores, em diferentes instâncias, precisam avançar e ou assumir o oral como objeto didático, conforme apregoam os documentos oficias (PCNs, PNLD, “Propostas Curriculares”). Essa ausência ou incipiência do ensino pode ser visualizada na maior parte das falas docentes, com relevo para a dimensão das “demandas e objetivos” discutidos no parágrafo acima, que mostra um desencontro entre estratégias de intervenção para o ensino e a superação das lacunas relativas ao oral.

A realidade do baixo ou nenhum investimento na formação para o ensino do oral pode revelar a pouca compreensão sobre o que deve ser ensinado sobre o oral? Possivelmente! Mas o que faz alguns sujeitos terem a clareza de que o oral deve ser ensinado e trazerem para as suas práticas indícios desse ensino? De que forma esses sujeitos constroem esses saberes? Algumas pistas nos são dadas em relação a algumas dessas respostas, como a formação em serviço, a partilha de experiências entre os sujeitos e a sua prática em sala de aula, mesmo que este último ponto não seja uma unanimidade entre os sujeitos. Temos assim a construção de saberes ancorados na socialização das práticas (GUIMARÃES, 2004).

Chamamos a atenção nessa etapa “conclusiva” da pesquisa para convocação dos docentes a serem sujeitos protagonistas na construção de saberes, conforme salientam Schön (1992) e Zeichner (1993), no sentido de se posicionarem como sinalizadores de encaminhamentos de sugestões de atividades, com vistas ao ensino da oralidade. Na

ação de protagonismo, são mobilizadas pelas docentes três posturas: 1) o reconhecimento de um “não saber”, reforçado pelo conhecimento de que há algo a “saber” sobre o ensino do oral; 2) um voltar-se para documentos de referência pelo reconhecimento de que nele há um “saber" norteador da prática; e 3) uma resistência à partilha de um “saber”, motivada por elementos explícitos, tais como a insegurança de não saber o que o será adequado a uma turma que não é sua.

No conjunto, a postura assumida pelas professoras referente às possíveis orientações a outros pares se estrutura em uma partilha ajustada sob dois enfoques: a) oral como objeto de mediação e b) oral como objeto de ensino. Há uma mescla dessas perspectivas, e, por vezes, a superação da primeira sobre a segunda, o que resulta em perda da especificidade do objetivo didático, na dimensão mais efetiva do ensino para o grupo-sala.

No que tange à discussão de como as docentes compreendem as atividades orais apresentadas em livros didáticos destinados aos anos iniciais, o panorama revelou que, de modo geral, a análise das atividades voltadas à variação linguística é feita a partir da discussão da normatividade, ou seja, as professoras tratam a variação dialetal como desvio que não deve ser explorado pelos alunos, pois eles podem tomar o “erro” como forma “correta”. As professoras assumem uma postura de “assepsia” da atividade, no que se refere à variação, de modo que os alunos não reflitam sobre “erros”.

Vimos que as perspectivas de análise da variação de registro são conduzidas a partir de dois olhares. O primeiro remete às diferenças entre o espaço rural e o urbano, reforçando a polarização entre as falas dos sujeitos pertencentes a essas áreas; o segundo considera a variável “grau de intimidade” como promotora de mudanças no registro. Diferentemente da variação dialetal, a análise da atividade com foco na variação de registro não foi enxergada pelas docentes sob o prisma do erro, o que pode ser motivado pela configuração da proposta, que não apresenta desvios ortográficos ou gramaticais, apenas manifestações como gírias. O silenciar docente em relação à gíria pode nos conduzir à compreensão de que, para as docentes, esse uso informal da língua não é tomado como elemento desviante da norma padrão, mas sim como um fenômeno legítimo? Eis um ponto de reflexão para novas pesquisas.

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