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Três posturas foram visíveis nos sujeitos entrevistados. A seguir, vejamos cada uma delas.

Em P3, vemos certa insegurança em fazer as recomendações, pois afirmou sentir a necessidade de conhecer melhor o tema, como já indicara em momentos anteriores (ver Categorias 2 e 3), visto que sua formação inicial e em serviço não a oportunizaram discutir o eixo da oralidade.

Eu teria que pesquisar, eu teria que ir atrás também, poderia dizer como eu disse a você trabalhe essa questão de incentivar que eles falem, que eles se exponham, que eles dêem opinião. Que eles leiam individualmente ou coletivamente que ai às vezes a gente percebe né, alguns se calam, se aproveitam, eu digo muitas vezes “vocês pensam que me enganam né” Porque ficam mounmounmoun (risos) murmurando. Vocês nem tão lendo vocês estão me enrolando, ai boto no fim para eles lerem sozinhos. Mas assim, além disso eu teria que pesquisar, eu realmente não:::. Agora pode ser até que depois surjam idéias, mas agora não vem a cabeça nada de diferente não (P3).

O reconhecimento do não domínio de um saber move P3 a, inicialmente, sinalizar sobre a necessidade de pesquisar para melhor conhecer o que poderia ofertar como proposta a outro docente. Em seguida, ela recupera sua experiência de trabalho e oferta sugestões no nível interacional, argumentativo e no plano da oralização de texto. Como vemos, a primazia das sugestões não contempla as dimensões de um trabalho

com a oralidade, mas reforça a concepção de uma oralidade atrelada ao uso de estratégias em cuja modalidade de realização é oral.

Esse cenário aproxima-se da realidade presenciada por Magalhães (2007), cuja pesquisa indicou em seus resultados a compreensão de muitos professores de que trabalhar oralidade é envolver o aluno em atividades não controladas e assistemáticas. O mesmo aproxima-se também da pesquisa de Albuquerque (2010), em que os docentes deixavam transparecer em suas falas a falta de sistematização do ensino, relacionando o ensino do oral ao falar cotidiano, sem um planejamento que contemplasse os diversos aspectos relevantes para o desenvolvimento da oralidade.

P4 é objetiva ao sugerir atividades para a prática docente. Ao fazê-lo menciona a Proposta Curricular da Rede (doravante PCR), indicando-a como instrumento que ajudará o professor na efetivação do eixo da oralidade em sua sala de aula. É válido observar que apenas P4 sugere encaminhamentos a partir da referida proposta, tomando- a como norte para a indicação de atividades e fazendo um paralelo com a sua prática.

É, primeiro eu ia sugerir, eu digo olha, dá uma olhadinha no eixo da Proposta Curricular daqui de C27 tá, no eixo oralidade, Língua Portuguesa, eixo oralidade, que tem umas sugestões muito boas lá (P4).

Notamos neste excerto a compreensão de que a Proposta Curricular, enquanto “modelos da cultura erudita, e da formação para a cultura erudita” (TARDIF, 2008, p. 38), visa a nortear a prática do professor e faz parte de um saber curricular. Para Galthier et al. (2006, p.31), o programa apresentado pela Proposta constitui para o professor “um outro saber de seu reservatório de conhecimentos”, pois trata-se do“ programa que lhe serve de guia para planejar, para avaliar”. P4 sinaliza essa compreensão em seu falar incisivo, ao tomar como referência os elementos prescritos pelo referido documento, o que reforça a sua clareza quanto à função deste para a construção das estratégias didáticas a serem efetivadas por um professor.

Como sugestão de atividade, P4 recupera a Proposta Curricular da Rede a que atua e faz menção a diferentes atividades orais pertinentes para tal ensino, que afirma conter no referido documento.

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Ocultamos o nome do município a qual a professora se referia, por termos estabelecido um acordo com os sujeitos de pesquisa de não mencionar o nome da Rede municipal.

(na proposta curricular) tem roda de conversa, tem é::: momentos que os meninos conversam mesmo, tem a questão das::: discussões dos problemas da:::, das conversas que a professora propõe, de conversas dirigidas, né, tem a hora da novidade. Eu iria falar justamente, olha, na minha sala eu faço isso, né, até na questão dos momentos de aula mesmo, a questão, não é somente naquele momento, a hora da novidade, roda roda de conversa, não, o eixo primordial é a oralidade, mas também tem::: os momentos das aulas também, que a gente tem que incentivar com que eles falem. Não é somente a gente falar, mas eles tem que falar também, entendeu! Ai eu eu eu iria pro...eu iria sugerir, ia sugerir isso, pra que desse, pra que ela desse uma olhadinha na proposta curricular da Rede e ia contar um pouco da minha experiência, o que é que eu faço em sala de aula, né, porque é assim, o que eu consigo alcançar. Na minha sala de aula eu consigo alcançar, não ei se na sua, né, mas assim, eu eu faria dessa forma, eu faria dessa forma (P4).

Além das atividades orais, reconhecidas do ponto de vista teórico, a partilha dos saberes adquiridos na prática compõe também o pacote de sugestões dadas por P4. Essa postura revela a compreensão docente de que seu fazer também pode servir de aporte para a prática de outros sujeitos. Sob essa perspectiva, P4 se comporta como protagonista de suas ações (ZEICHNER, 1993), desempenhando, portanto, um papel ativo na formulação dos propósitos, dos objetivos e dos meios para atingi-los.

De fato os professores utilizam constantemente seus conhecimentos pessoais e um saber-fazer personalizado, trabalham com os programas e livros didáticos, baseiam-se em saberes escolares relativos às matérias ensinadas, fiam-se em suas experiências e retêm certos elementos de sua formação profissional. (TARDIF, 2008, p. 64).

Implicada nessa visão, P4 afina-se com a perspectiva de Tardif (2005), para quem a atitude autônoma em relação à construção de saberes a torna um sujeito formador e não uma executora de tarefas. A construção desses saberes é formada através do

relacionamento dos jovens professores com os professores experientes, os colegas com os quais trabalhamos diariamente ou no contexto de projetos pedagógicos de duração mais longa, o treinamento e a formação de estagiários e de professores iniciantes, todas são situações que permitem objetivar os saberes da experiência. Em tais situações, os professores são levados a tomar consciência de seus próprios saberes experiências, uma vez que devem transmiti-los e, portanto, objetiva-los em parte, seja para si mesmo, seja para seus colegas (TARDIF, op. cit. p.52).

Vemos que o professor, munido de suas certezas experienciais, estabelece uma relação crítica com os outros saberes, o que lhe oportuniza uma incorporação ressignificada de novos saberes, em ação na categoria de seu discurso.

Tal entendimento permite-nos compreender a prática implicada em um processo de re-tradução da formação docente e adaptação à sua profissão, fazendo com que seja retirado do seu cenário o que se apresenta inútil ou sem relação com a realidade com que se depara; por outro lado, o professor preserva também o que de alguma forma pode ser útil à sua prática.

No bojo da oferta de proposta a outro docente, P5 demonstra inicialmente muita resistência:

Eu vou dizer a mesma coisa que me disseram uma vez observe a turma em cima das suas observações você traça um planejamento, da pra eles, como é que você vai trabalhar, que o importante é você deixar claro na turma os passos que vão ser seguidos, mas você só pode fazer isso tendo a realidade da turma. Não adianta eu chegar, terminar, pessoal trabalhe assim, assim, assado, porque eu não conheço a realidade da turma, então tem que partir do início de fazer a diagnose da realidade. Porque foi assim que me falaram e foi assim e eu fiz dessa forma e realmente... e depois eu percebi que realmente é, não adianta uma pessoa chegar pra min e dizer “oi, a oralidade é::: a gente vai fazer assim, assim, não. Eu tenho que observar primeiro, ver quais são os pontos que eu quero que seja melhorado pra encima disso ai sim, eu chegar “oh fulano eu vou trabalhar esses pontos, me ajuda” porque eu acho que você chegar sem nada não tem como. E você tem que dominar, uma coisa que você tem que dominar realmente é a realidade da turma, pra você saber, “como é sua turma?”, “é assim, assim, assim, domina isso, não domina aquilo, que cê num souber isso, num tem nem como você melhorar a si mesmo, porque a gente esta sempre se melhorando, mas encima da realidade deles, porque se eles avançam, ai a gente vai avançar também, mas se eles tão pouco... você vai ter que arrumar oportunidade para eles melhorarem, e você só arruma essas oportunidades se você conhecer a sua turma como a palma da sua mão (P5).

Vemos como elemento central da não oferta inicial de propostas, por parte de P5, a falta de conhecimento da realidade da sala do professor, seu interlocutor, o que a impossibilita de oferecer ajuda no quesito oralidade. Com essa posição, a docente lança a sugestão de uma avaliação diagnóstica, instrumento que ajudará o professor a planejar suas estratégias a partir da sondagem do que o grupo-sala domina e o que precisa

dominar. O diálogo entre o professor e o aluno também é apontado como proposta de ação ofertada por P5. Assim, o professor deve deixar claras, para os alunos, as proposta a serem efetivadas, ou seja, deve explicitar os procedimentos metodológicos.

No prosseguimento das sugestões, P5 afirma

[...] então é assim, eu deixo eles bem à vontade para falar, então principalmente nas aulas de história, geografia, a gente trabalha apresentando trabalho, não em forma de seminário, porque é uma palavra muito pesada para eles, seminário tem sempre aquela coisa certinha, e lá na sala não é muito certo não, é mais na liberdade. Chegou, você quer falar? “Não, hoje eu tô” Não tem importância nenhuma. “Tem alguém que queira apresentar esse trabalho?” Então assim, deixar a turma bem a vontade na apresentação deles. Você pode pegar os textos, começa a trabalhar ai em determinado momento você vê que eles já estão seguros. “Pronto, agora vamos fazer os grupos e cada um vai dar suas opiniões. Tipo no mural de noticias, o que é que eu faço; separo as noticias e peço para eles trazerem de casa também porque eu separo porque as vezes tem menino que não traz; “Esqueci!”Então separo algumas, então ai eles trazem, cada um fica com a notícia, em grupo. “Olhe, nessa do grupo a gente vai tirar cada grupo uma notícia, daí vocês escolham uma, leiam todas as noticias que estão no grupo e escolham uma” daí eles vão escolhendo uma, daquela cada grupo tem um, a gente vai tirar quatro, ai depois que tem as quatro notícias, os grupos vão se dividir novamente, cada um uma noticia e vai apresentar sua noticia na sala. Sabe, é uma forma que eles gostam muito, geralmente a gente faz isso ou na segunda ou na terça feira porque é a noticia do jornal do sábado e do domingo. Porque é uma atividade que eles gostam... [...] Então eu acho, ai pronto, a partir disso que eles vão dando a noticia ai você já percebe a oralidade, o que é que você tem que fazer mais, o que é que você tem que puxar menos. Pelo menos comigo foi assim, deixar os alunos a vontade pra falar, agora falar assim, dentro dos assuntos não é, história, geografia, a parte das noticias que é o que eles mais gostam. Agora se você chegar e disser assim: “Hoje a gente vai fazer::: fazer a leitura desse texto, depois vocês vai apresentar aqui, pronto, fica travado. “Não quero, não vou fazer.” “Deus me livre!” “É esse assunto que vou falar, vô nada, quero não.” A partir do momento que você deixa livre, ai o negócio vai fluindo, eles falam que nem percebem, falando huhuhuh, falando com os colegas. (P5).

A docente sistematiza a atividade de apresentação das notícias e constrói esse momento como um espaço livre para apresentação. A atividade parece perseguir um objetivo, mas qual seria? A professora afirma que é deixando os alunos falarem à

vontade - “agora falar assim, dentro dos assuntos” - é o momento em que ela observa o que precisa ser feito - “a partir disso que eles vão dando a notícia ai você já percebe a oralidade, o que é que você tem que fazer mais, o que é que você tem que puxar menos”. Mas, o que ela observa para intervir? Seria a variação dialetal? Seriam elementos argumentativos?

Do ponto de vista do que se deseja ensinar e do que precisa ser aprendido no que diz respeito à oralidade, não parece haver muita clareza. Os PCNs nos advertem quanto a essa postura. Para tal documento,

Acreditando-se que a aprendizagem da língua oral, por se dar no espaço doméstico, não é tarefa da escola, as situações de ensino vêm utilizando a modalidade oral da linguagem unicamente como instrumento para permitir o tratamento dos diversos conteúdos. Uma rica interação dialogal na sala de aula, dos alunos entre si e entre o professor e os alunos, é uma excelente estratégia de construção do conhecimento [...]. Mas se o que se busca é que o aluno seja um usuário competente da linguagem no exercício da cidadania, crer que essa interação dialogal que ocorre durante as aulas dê conta das múltiplas exigências que os gêneros do oral colocam, principalmente em instâncias públicas, é um engano [...]. Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral no planejamento e realização de apresentações públicas [...]. (BRASIL/MEC, 1998, p. 24-25)

Será que os momentos em que os alunos expressam seu ponto de vista “dentro dos assuntos” devem ser espaço apenas de reflexão sobre registro ou ajustes do oral a uma escrita padrão como vemos nos indícios em categorias anteriores? Não podemos nos esquecer de observar que o gênero utilizado pela docente para “ensinar a oralidade” é um gênero escrito, advindo do suporte escrito – o jornal. Não vemos em nenhum momento de sua fala menção a gêneros orais públicos/formais como recomendam os documentos oficiais (PCN/PNLD) para o trabalho com o oral.

Um olhar mais geral sobre o evento acima diz respeito à promoção da atividade oral se processando em diversas áreas do conhecimento “história, geografia”. P5 não restringe a prática de colocar o aluno para se expressar sobre determinado tema apenas às aulas de língua portuguesa, embora oferte maior parte de suas aulas a essa disciplina, conforme menciona durante a entrevista (Categoria 1). Sua proposta favorece o uso da língua oral, a partir de um gênero textual familiar aos alunos como a notícia, gênero este que se efetiva como instrumento de ensino-aprendizagem nas mais variadas disciplinas, entretanto, o ensino da oralidade não aparece como central.

Vemos um conjunto de saberes mobilizados na prática de P5, pois para confeccionar a atividade como um todo ela organiza um espaço que favoreça a

realização da atividade, a formação de grupos. Ainda que avalie posteriormente a necessidade de rever o quantitativo de alunos (Categoria 3), ela traz material para os educandos (ou solicita que eles tragam os jornais), ações essas que configuram um saber organizativo (GUIMARÃES, 2004).

Vemos os saberes cognitivos empregados no planejamento dos objetivos pretendidos, ainda que do ponto de vista teórico-metodológico precise ser ajustado para que os alunos percebam o que está no “jogo do aprender”. Há também a dimensão afetiva perpassando as subjetividades dos sujeitos envolvidos, uma vez que, ao compreender a dinâmica de seu grupo-sala, a docente age no sentido de envolvê-los na ação, de modo a afastar a desmotivação dos alunos por conta de estratégias metodológicas com as quais sua sala não demonstra afinidade. Nesse sentido, P5 os envolve em uma proposta que considera a dimensão subjetiva e desenha uma construção impregnada por seu olhar individual.

A seguir, apresentamos a segunda parte da análise, em que nos debruçamos sobre o olhar docente sobre o oral a partir de um conjunto de atividades apresentadas em Livros Didáticos de Língua Portuguesa.

Guiados pelo segundo objetivo específico de nossa investigação, com vistas a refletir como o docente compreende a oralidade a partir de atividades que lhe são propostas nos livros didáticos de língua portuguesa, distribuímos um conjunto de atividades, sob as quais nos debruçaremos a seguir:

CATEGORIA 6

A COMPREENSÃO DOCENTE SOBRE AS QUESTÕES DA VARIAÇÃO

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