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1. Sociedade Civil no Quadro Jusnaturalista

1.2. A Constituição da Sociedade Civil em John Locke

Na esteira da tradição jusnaturalista, Locke também contrapõe o estado de natureza ao Estado/sociedade civil. Na sua obra de referência, Two Treatises of Government (1988), o autor concebe a sociedade civil como uma comunidade fundada por indivíduos que, na base

68 Para mais detalhes vide “Política” em Aristoteles (1998).

69 Bobbio (1986) e Neves (2003) debatem ao pormenor a ideias de Hobbes em torno da sociedade civil. 70 Para mais informação vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Hobbes (Acesso: 07/07/2014)

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de um pacto de cariz voluntário e racional, decidem estabelecer entre si relações permanentes e civilizadas, de maneira a alcançarem os seus legítimos interesses. Uma das consequências destas relações é a constituição de um governo, tomado como instituição que deverá salvaguardar a liberdade dos indivíduos, a ordem e tranquilidade necessárias para o desenvolvimento da sociedade civil.

O filósofo inglês John Locke procurou incorporar na sua conceção de sociedade civil, uma associação de homens livres, iguais sob o domínio da lei, partilhando o respeito pelos direitos uns dos outros, apesar de poderem perseguir objetivos diferentes. Assim, Locke se distanciava da ideia de monarquia absoluta defendida por Hobbes para introduzir a ideia de um Estado/sociedade civil liberal, com o predomínio da lei e o exercício de uma cidadania ativa, como se pode ver na seguinte citação:

Man being born, as has been proved, with a Title of perfect Freedom, and an uncontrolled enjoyment of all the Rights and Privileges of the Law of Nature, equally with any other Man, or Number of Men in the World, hath by Nature a Power, not only to preserve his Property, that is, his Life, Liberty and Estate, against the Injuries and Attempts of other Men; (…) Those who are united into one Body, and have a common established Law and Judicature to appeal to, with Authority to decide Controversies between them, and Punish Offenders, are in Civil Society one with another: but those who have not such common Appeal, I mean on Earth, are still in the state of Nature, each being, where there is no other, Judge for himself, and Executioner; which is, as I have before shew’d it, the perfect

state of nature.” (Locke, 1988: 323/6).

Nesta linha de raciocínio, Locke prossegue afirmando que todo o homem que integra a sociedade civil e se torna membro duma Commonwealth abdica do poder de aplicar punições a título privado contra possíveis infratores como acontece no estado de natureza. O homem da sociedade civil valoriza o quadro legislativo e confia nos magistrados que o representam no processo de resolução de todos os casos litigiosos. De acordo com o autor,

(…) And herein we have the original of the Legislative and Executive Power of Civil Society, which is to judge by standing Laws how far Offences are to be punished, when committed within the Commonwealth; and also to determine, by occasional Judgements founded on the present Circumstances of the Fact, how far Injuries from without are to be vindicated, and in both these to employ all the force of all the Members when there shall be need. (…) Hence it is evident, that Absolute Monarchy, which by some Men is counted the only Government in the World, is indeed inconsistent with civil society, and so can be no Form of Civil Government at all” (Idem).

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No desenvolvimento do seu pensamento, Locke defende que em caso de violação dos seus direitos, os membros da sociedade civil têm a liberdade de opor resistência ao poder soberano. Noutros termos, o autor afirma que uma vez delegado o poder soberano, se o governo violar as leis estabelecidas, o povo conserva o direito de se insurgir de modo a retirar a esse governo a confiança e o poder que lhe tinham sido delegado. Neste quadro, Locke atribui o fundamento legítimo do poder ao consentimento do povo e não à força do soberano, posiciona-se claramente contra o absolutismo e delineia uma forma de poder liberal71.

Em suma, a defesa da origem contratual do poder legítimo, da primazia do legislativo, do princípio da divisão dos poderes, do princípio da soberania popular e da necessidade de uma constituição ou lei fundamental, fazem de Locke o defensor de um conceito de sociedade civil que abre espaço para o sentido da democracia dos tempos modernos. Aliás, influenciado pelo seu pensamento, Montesquieu desenvolveu na sua magnum opus “L’Esprit des Lois” a teoria da separação de poderes (executivo, legislativo e judiciário), atualmente consagrada em muitas Constituições internacionais.

Locke (1632-1704)72 era de uma família com propriedades e também ele foi proprietário de terras e acionista da Royal African Company. Esta posição há de, eventualmente, ter pesado na sua opção pelo liberalismo em oposição à monarquia absoluta defendida por Hobbes. Efetivamente, Locke se preocupava com a questão da autoridade do Estado e da Igreja, com o princípio da Lei Natural que sancionava tal autoridade e com os fundamentos da Lei Natural na experiência particular dos indivíduos. É neste contexto que ele apoia a noção de governo consentido pelos governados diante da autoridade constituída e o respeito ao direito natural do ser humano, no que toca a vida, liberdade e propriedade.

71 Elaborações detalhadas sobre a sociedade civil em Locke podem ser encontradas em Rocha (2003), Neves

(2003) e Bobbio (1986).

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1.3. Da Sociedade Civil/Civilizada ao Estado/Sociedade Política em Rousseau