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Relapsos do Sistema de Cooperação para o Sub/desenvolvimento

3. Ajuda Externa, Cooperação e Sub/desenvolvimento

3.3. Sociedade Civil, Cooperação e Sub/desenvolvimento

3.3.3. Relapsos do Sistema de Cooperação para o Sub/desenvolvimento

De acordo com Lopes, pesquisas realizadas para o projeto “Reformando a Cooperação Técnica para o Desenvolvimento de Capacidades” confirmam que muitas das recomendações visando a reelaboração dos princípios da cooperação para o desenvolvimento não foram implementadas, e que vários problemas prevalecem. Assim, a cooperação técnica continua a ser frequentemente criticada por, entre outros,

i) Minar a capacidade local: em vez de ajudar a construir instituições sustentáveis e outras capacidades, a cooperação técnica tende a substituir ou inibir alternativas locais;

ii) Distorcer prioridades: o financiamento para cooperação técnica geralmente contorna os processos normais e escapa da disciplina de definição de prioridades das avaliações formais;

iii) Escolher atividades mirabolantes: os doadores geralmente escolhem as atividades de apelo mais visível aos eleitores do seu país de origem, deixando de parte atividades menos visíveis mas de extrema importância para o desenvolvimento;

iv) Fragmentar o financiamento: cada doador envia seu próprio pacote de financiamento e de outros recursos para programas individuais, e exige procedimentos, formatos e padrões de relatórios distintos que, regra geral, consomem imenso tempo e recursos aos beneficiários;

v) Usar tied aid: os doadores geralmente exigem que se comprem bens e se contratem especialistas do país doador, apesar de ser muito mais barato contratá-los em outro lugar;

vi) Se fixar em metas: os doadores preferem atividades que mostrem perfis claros e resultados tangíveis. O desenvolvimento de capacidades humanas tende a ser negligenciado;

vii) Ignorar os anseios locais: os doadores prestam pouca atenção às comunidades que irão se beneficiar dos projetos de desenvolvimento, às autoridades locais, associações comunitárias, entre outras organizações da sociedade civil que deveriam fortalecer a fundação sobre a qual capacidades locais mais fortes se desenvolveriam (Lopes, 2005: 84/5).

Por que esses problemas antigos persistem?

Para responder a esta questão precisamos examinar os pressupostos básicos que dão suporte ao antigo modelo de cooperação técnica, que permanece inalterado até hoje. Noutros termos, há que interpelar a natureza do desenvolvimento que se pretende implementar, o papel que se atribui à capacidade humana dentro do desenvolvimento local, o sentido das relações de poder que se estabelecem entre os doadores e os recetores.

Os relapsos do modelo de cooperação vigente baseiam-se em dois pressupostos equivocados. O primeiro é a crença de que é possível simplesmente ignorar as capacidades existentes nos países em desenvolvimento e substituí-las por conhecimento e por sistemas produzidos em outros lugares, uma forma de desenvolvimento como substituição em vez de

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desenvolvimento como transformação. O segundo pressuposto tem a ver com a assimetria da relação entre doador e recetor, onde o doador controla todo o processo e retoricamente afirma que os recetores são seus “parceiros de cooperação” (Lopes, 2005).

Enfim, defendemos a ideia de que os moçambicanos precisam de analisar criticamente os pressupostos da cooperação que vigoram no sistema da ajuda externa, assumir protagonismo e usar a arena pública para debater objetivamente as condições de possibilidade do seu desenvolvimento humano, tendo em conta em primeiro plano as capacidades endógenas66. Este exercício democrático sai reforçado com o maior envolvimento da sociedade civil, conceito cujos contornos teóricos e empíricos debatemos no capítulo seguinte.

66A maioria dos países e sociedades evoluiu de maneira orgânica, seguindo sua própria lógica e se firmando com os próprios recursos e força. Assim, supor que os países em desenvolvimento com capacidades frágeis possam simplesmente começar de novo a partir dos modelos de outros países é desdenhar da história. De acordo com Lopes, o processo mais natural é o desenvolvimento como transformação que se opera através do fomento de processos domésticos, valendo-se da riqueza do conhecimento e das capacidades locais e expandindo-os para atingir os objetivos e aspirações que o país definir para si (Lopes, 2005: 85/6).

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CAPÍTULO II

DO QUADRO TEÓRICO-CONCEPTUAL AO PLANO EMPÍRICO DA SOCIEDADE CIVIL O presente capítulo trata da conceptualização e operacionalização da sociedade civil. Nele debatemos a noção de sociedade civil na teoria e na prática, desde o plano geral das abordagens clássicas até às perspetivas de autores contemporâneos, tendo em conta as formações sociais em que essas abordagens foram feitas. Sete questões centrais compõem os três eixos de análise que em seguida se apresentam.

O primeiro eixo, que designamos como panorama clássico da sociedade civil, procura responder três questões, nomeadamente i) o que é sociedade civil e como seu conceito surgiu? ii) quem são os principais teóricos e como a conceberam? e, iii) o que existe de semelhante e de diferente entre os demais autores? Nele consta a apresentação e discussão das abordagens de dois grupos de pensadores considerados clássicos.

No primeiro grupo, sociedade civil no quadro jusnaturalista, figuram os nomes de pensadores que analisaram o conceito de sociedade civil entre os séculos XVII e XVIII, tais sejam, Hobbes, Locke, Rousseau, Kant, Ferguson e Paine. No segundo, sociedade civil no

quadro hegeliano, destacam-se as figuras de Hegel, Marx e Gramsci, autores que escreveram

sobre a matéria, fundamentalmente, entre os séculos XIX e a primeira metade do século XX, período anterior a II Guerra Mundial.

O segundo eixo trata de duas questões a saber i) como e se faz sentido debater o conceito de sociedade civil na atualidade e ii) se tal conceito pode ser adaptado para análise de contextos extra ocidentais, onde ele não nasceu e para os quais não foi inicialmente teorizado. Nesta secção discutimos as ideias de Ernest Gellner, John Keane e Jeffrey Alexander, articulando suas abordagens com as dos autores clássicos que os antecederam no debate sobre a matéria.

O terceiro e último eixo de análise, sociedade civil no contexto africano, busca averiguar as condições de possibilidade do uso do conceito de sociedade civil para o estudo de situações concretas em países da África Subsahariana. Duas principais questões o orientam: i) se é possível a análise empírica da sociedade civil e ii) que dimensões e indicadores podem permitir sua operacionalização. Autores como Haberson, Young, Bratton, Azarya, Kasfir, Gyimah-Boadi, Tripp, MacGaffey, Widner, Guyer, Callaghy e Rothchild & Lawson realizaram estudos empíricos que ajudam a responder as questões levantadas.