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O recente “Estudo de Mapeamento das Organizações da Sociedade Civil em Moçambique” apresenta uma tipologia da sociedade civil que integra i) organizações de pesquisa e advocacia, ii) organizações baseadas no conhecimento, iii) organizações baseadas na fé, iv) organizações não-governamentais nacionais e internacionais, v) organizações de defesa de interesses comuns, vi) organizações de prestação de serviços, vii) organizações comunitárias de base, viii) movimentos, ix) plataformas, fóruns e redes temáticas. Entre estes tipos de organizações podem ser encontradas diversas camadas intermediárias com características específicas. Assim, a distinção entre as organizações mencionadas não é estática visto que elas podem desenvolver ou alterar as suas características passando a ter outra configuração e orientação. De acordo com o relatório do estudo, os movimentos representam um bom exemplo dessa flexibilidade, pois há vários tipos de organizações que só fazem parte deles

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temporariamente. Portanto, muitas das organizações da sociedade civil que descrevemos em seguida não apresentam entre si fronteiras estanques, pois estão interligadas, são complementares e às vezes se sobrepõem umas às outras (Topsoe-Jensen et. al. 2015: 50-62).

Figura 1.2. Mapa de Moçambique

1.1. Organizações de Pesquisa e Advocacia (OPA)

De acordo com o estudo de mapeamento em questão, as OPA são organizações com fortes raízes na academia e com uma legitimidade ganha pela credibilidade e solidez do seu trabalho. Têm suas sedes na capital do país (Maputo), mas em alguns casos com satélites ou associações filiadas nas províncias. Os temas de pesquisa e produção de evidências dependem da ordem política e abrangem questões que estão na ordem do dia, tais como a indústria extrativa, os projetos de mineração, a corrupção, a pobreza e a proteção social, entre outros.

Algumas OPA têm ligações verticais com organizações da sociedade civil a nível provincial. Por exemplo, o Centro de Integridade Pública (CIP), no âmbito do rastreio da despesa pública ou monitoria do orçamento, possui uma rede de OSCs provinciais que apoiam a organização dos estudos e a publicação dos resultados. Concretamente, o CIP colabora com

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a Associação Formigas Unidas, Associação Wonelela, Estamos (Organização Comunitária), e Instituto para o Desenvolvimento da Cidadania e Desenvolvimento Sustentável (Facilidade) na recolha de dados a nível provincial e distrital.

A parceria entre, por um lado, a OPA a nível nacional capaz de digerir e publicar a informação e, por outro lado, as OSC locais envolvidas na recolha de informação e muitas vezes sofrendo pressões e prejuízos políticos, nem sempre é satisfatória para estas últimas. De facto, enquanto as OPA entendem a colaboração como uma parceria de igual para igual, há reclamações de que elas ficam com todos os louros pois, os esforços das organizações locais são invisíveis para a opinião pública. No plano nacional destacam-se, entre outras OPA, para além do referido CIP, o Grupo Moçambicano da Dívida (GMD), o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), o Observatório do Meio Rural.

1.2. Organizações Baseadas no Conhecimento

Esta categoria de organizações é similar às OPA tendo, contudo, características adicionais pelo facto de combinarem os estudos baseados em evidências com a capacidade técnica e profissional sobre os temas de estudo, mobilização e ação no campo e, por vezes, posteriores ações de advocacia. Entre outras, o relatório do estudo destaca o Centro de Aprendizagem e Capacitação das Organizações da Sociedade Civil (CESC), Centro Terra Viva (CTV), Fórum Mulher, Justiça Ambiental (JÁ!), Kukumbi, Liga dos Direitos Humanos (LDH), LIVANINGO, e Women and Law in Southern Africa (WLSA). A nível provincial foram identificadas organizações deste tipo, tais sejam, entre outras, AKILIZETHO e FACILIDADE em Nampula, ESTAMOS no Niassa, Pressão Nacional de Direitos Humanos (PNDH) em Sofala. Algumas delas trabalham na prestação de serviços ligando esta atividade com a monitoria, pesquisa e advocacia, como é o caso da Liga dos Direitos Humanos, PNDH, União Nacional dos Camponeses (UNAC) e a Organização Rural de Ajuda Mútua (ORAM).

1.3. Organizações Baseadas na Fé

Representam, nos termos do estudo, uma camada transversal e controversa da sociedade civil que integra as igrejas de várias congregações, organizações muçulmanas, entre outras, que operam na esfera do desenvolvimento aos diversos níveis, do nacional até as bases comunitárias. Aqui verifica-se uma força muito grande de mobilização por parte dos grupos e organizações religiosas. As organizações baseadas na fé têm-se empenhado no desenvolvimento de atividades relacionadas com a educação, saúde e proteção social, onde buscam cuidar de pessoas vulneráveis da comunidade, órfãos, viúvas, idosos ou pessoas

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vivendo com HIV/SIDA. De acordo com o relatório, é nesta camada da sociedade civil que se verifica a prática de voluntariado, um suplemento oferecido por cidadãos responsáveis e empenhados na melhoria do bem-estar da população necessitada.

Figura 1.3. Voluntária dando alimento a crianças carentes

1.4. Organizações Não-governamentais Nacionais e Internacionais

As organizações não-governamentais internacionais (ONGIs) desempenham um papel importante como parceiras, financiadoras e muitas vezes intermediárias entre as organizações não-governamentais nacionais e as agências doadoras da comunidade internacional. O relatório constata que, nos últimos anos, tem-se verificado uma tendência de transformação de ONGIs em organizações nacionais. Este processo constitui uma estratégia para legitimar a sua atuação e participação no diálogo político e em diversas áreas de desenvolvimento nacional sem acusações de ingerência. É igualmente uma resposta às restrições cada vez mais rigorosas impostas para a operação das ONGIs em Moçambique, afirma o estudo. Por outro lado, o mesmo constata que algumas organizações nacionais – com registo, sede e funcionários moçambicanos – são membros ou filiadas em organizações internacionais. Esta relação estabelece ligações verticais, que as permite operar num contexto global e estratégico.

1.5. Organizações de Defesa de Interesses Comuns

Nesta categoria, o estudo inclui as ordens profissionais (advogados, engenheiros, médicos, contabilistas, entre outras), associações de comerciantes, sindicatos e outras organizações do setor público e privado que operam com base em interesses comuns. Seu objetivo é a defesa de interesses profissionais que envolvem aspetos económicos como negociação de salários, condições de operação económica, de comércio ou de produção. Este tipo de organizações

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pode estabelecer parcerias estratégicas com associações diversas. O relatório apresenta o exemplo do memorando de entendimento entre o AGIR e a Ordem dos Advogados. No âmbito do Subprograma de Acesso à Informação, a Ordem dos Advogados garante o seu apoio às OSC envolvidas em casos que requerem assistência jurídica.

1.6. Organizações Prestadoras de Serviços

O relatório afirma que estas representam uma boa parte das OSC no país e são também uma camada transversal na sociedade civil. Podem atuar em diferentes níveis. São ativas nos setores de desenvolvimento e operam principalmente na saúde, educação, ambiente, agricultura, água e saneamento. Muitas destas organizações foram formadas durante os anos 90 com o objetivo de combater o HIV/SIDA e financiadas através do Conselho Nacional de Combate ao Sida (CNCS) e dos seus núcleos provinciais. Com a diminuição de oportunidades de financiamento muitas dessas organizações têm desaparecido. A sobrevivência de parte delas passou pela diversificação das suas atividades de modo a abranger áreas alternativas do mercado que oferecem oportunidades de financiamento.

1.7. Organizações Comunitárias de Base (OCBs)

Representam a maior parte da sociedade civil no país. São, entre outras, as inúmeras associações de camponeses, comités de água, comités de gestão de recursos naturais, comités de saúde, comités de desenvolvimento que representam as comunidades rurais e urbanas. As OCBs são vistas como porta-vozes das comunidades e representam muitas vezes a defesa de interesses comuns perante o governo.

De acordo com o estudo em causa, as associações de camponeses, comités de água e de gestão de recursos naturais revelaram o seu engajamento na busca da satisfação de seus interesses demonstrando discernimento sobre os direitos das comunidades. As OCBs têm poucos recursos, difícil acesso à informação e falta de quadros com elevado nível de escolaridade. Contudo, elas possuem uma grande força de vontade na defesa de seus direitos e apresentam ideias inovadoras para a solução de problemas que afetam o seu quotidiano.

1.8. Movimentos

Os movimentos são uma expressão estratégica das organizações da sociedade civil que, por vezes, integram grupos e associações informais buscando oportunidades para se manifestarem pontual e publicamente. Nos termos do estudo, eles não obedecem uma estrutura previamente estabelecida e, geralmente, envolvem iniciativas ad hoc de um conjunto de organizações sem

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uma liderança e responsáveis conhecidos. Entretanto, conseguem reunir multidões que expressam simultaneamente diversas vontades. As marchas, que ganharam popularidade como expressão da sociedade civil moçambicana nos últimos anos, representam um bom exemplo deste tipo de ação em que várias organizações da sociedade civil se reúnem para mobilizar a população a participar num evento pontual. Normalmente, elas são utilizadas para advogar uma causa ou protestar contra situações de injustiça que lesam a sociedade em geral25.

Figura 1.4. Marcha pública pelo bem-estar em Moçambique.

1.9. As Plataformas (Fóruns e Redes Temáticas)

As plataformas representam espaços muitas vezes criados para obter uma estrutura que permita a fácil comunicação entre as OSC, o governo e os doadores. De acordo com o estudo, elas surgiram por volta dos anos 2003-2005 e se fortaleceram no contexto da governação participativa. Um marco importante foi a criação da plataforma da sociedade civil (G20) destinada a participar no processo das políticas públicas de combate à pobreza que passaram a ter lugar nos Observatórios de Pobreza/Desenvolvimento (Matéria tratada no capítulo IV).

As plataformas são vistas como porta-vozes das OSC e responsáveis pela coordenação dos membros na implementação, monitoria e avaliação de diversas políticas públicas. Espera-se

25O estudo de mapeamento apresenta como exemplos de marchas que revelam a diversidade dos interesses da sociedade civil os seguintes: marcha pela liberdade de expressão; marcha contra a violência doméstica; marcha pela estrada Lichinga-Cuamba; marcha pelos Elefantes, entre outras.

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igualmente delas o desenho de estratégias de articulação conjunta; a realização de pesquisas e recolha de evidências necessárias para fundamentar suas posições no diálogo político com o governo; e, entre outras atividades, o fomento do desenvolvimento institucional e capacitação das organizações-membro para a angariação de fundos.

Existem plataformas ou fóruns de OSC a nível nacional, provincial e distrital, mas algumas destas estruturas perderam seu dinamismo inicial e deixaram de ser consideradas verdadeiros representantes de seus membros. Um problema fundamental que contribui para o descrédito das plataformas ou fóruns é o facto de começarem a atuar como organizações executoras de projetos. Desta forma, em vez de ser apenas a coordenadora e a porta-voz que protege os interesses de todos, a plataforma começa a competir com seus membros26.

Pela sua relevância para as camadas populacionais desfavorecidas, e não só, acrescentamos aos dados do mapeamento em questão cinco tipos de associações da sociedade civil cujo levantamento não tem sido regularmente feito. Trata-se concretamente das associações de ajuda mútua, de parentesco fictício, de expressão cultural, de amigos e naturais de determinado local e associação de promotores de conhecimento (Sogge, 1997: 50-65).

1.10. Associações de Ajuda Mútua

Para arcar com os ritmos normais da vida, acontecimentos pontuais e imprevistos, os moçambicanos praticam muitas formas de ajuda mútua. Estas implicam trocas recíprocas de poder de trabalho, meios de produção e circulação, crédito, entre outros. A nossa observação empírica, os trabalhos de Sogge (1997), entre outros, destacam as seguintes formas de ajuda mútua: a) Trabalho em conjunto para preparar a terra, compensado por comida e bebida: tsima (províncias do Sul), mukume (Nampula), dima (Tete), chitangatilano ou chitagatano (zonas do Niassa onde se fala Nyanja); b) Trabalho em conjunto, organizado em forma rotativa entre os campos dos membros: cofunana (províncias do sul), chicumu (Tete), makara (Nampula),

kukumpi (Zambézia); c) Trabalho conjunto em resposta a uma necessidade pontual resultante

de cheias, infestações, secas – tsone; d) Esforço conjunto e em grande escala contra as infestações de ratazanas e gafanhotos – mbelelo; e) Esquemas de crédito geridos em conjunto,

26Por exemplo, a FOCADE em Cabo Delgado passou de secretariado das ONGs a implementadora; o FONGA está a atuar como uma organização implementadora de projetos; o FONAGNI está atualmente a implementar projetos no âmbito de acordos com a Concern Universal. Existe também o caso da plataforma PLASOC, na Província de Manica, que já não funciona bem devido a outro tipo de problemas: falta de definição do papel específico e conflitos internos, falta de envolvimento das OSC associadas nos meandros da tomada de decisão (Topsoe-Jensen et. al. 2015).

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tal o exemplo do sistema de fundo rotativo conhecido por xitique e praticado em todo país; f) Esquemas de poupança de sociedades mutuárias para apoio aos funerais, uma prática comum nas províncias do sul de Moçambique; g) estratégia de reserva de alimentos por um membro indicado pela comunidade. Por exemplo, na província de Niassa, existe uma pessoa de confiança conhecida como nsugatchuma (guarda das mercadorias) que se responsabiliza pela proteção dum fundo de seguros da aldeia, ao qual os contribuintes podem recorrer em momentos de crise ou necessidade alimentar. Embora os laços familiares constituam a base privilegiada da ajuda mútua, a troca recíproca de poder de trabalho nas pequenas comunidades realiza-se igualmente via congregação religiosa.

1.11. Grupos de Parentesco Fictício

Nesta estratégia associativa, pais sob pressão socioeconómica procuram alargar as suas opções de subsistência adquirindo direitos e obrigações junto de pessoas sem laços de parentesco, mas com vontade e poder para prestar apoio. Os indivíduos envolvidos nesta não- parentela tornam-se com o passar do tempo parentes fictícios. Em Maputo, estes incluem os

vamaseve (conhecidos com boa posição social), vamalume (procurados horizontalmente

dentre os vizinhos, amigos e colegas de serviço), vaswali (identificados verticalmente dentre os vizinhos e colegas de serviço bem-sucedidos). Esta parentela fictícia constitui uma rede social protetora. Ela proporciona cuidados das crianças, consolo, informação, dinheiro e às vezes oportunidades de trabalho. Em momentos de crise crónica por que o país passou, esta extensão de parentesco ajudou milhares de dependentes a sobreviverem (Cf. Sogge, op.cit.).

1.12. Grupos de Expressão Cultural

Este tipo de associações constitui uma iniciativa de moçambicanos que organizam passatempos culturais. Os passatempos na área da música e da dança estão bem difundidos em todo o país. As competições entre grupos de artes dramáticas, entre outras, realizam-se entre povoações rurais a uma grande distância umas das outras. Muitos desses eventos que criam importantes laços de solidariedade realizam-se sem ajuda externa nem subsídios locais.

1.13. Associações dos amigos e naturais de…

Este tipo de organização surge entre profissionais e empresários com laços de interesse e lealdade a um determinado local de proveniência. Ela cresce normalmente na cidade capital, entre as redes sociais dos amigos e conterrâneos e mais tarde atrai membros localizados na zona de origem. Associações desta natureza expandiram-se rapidamente desde 1992. Tem

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como objetivo identificar recursos e servir de intermediário para a realização de projetos de melhorias nos locais de origem. Elas confiam sobretudo nos contactos dos seus membros para mobilizar recursos tanto a nível interno como externo. De acordo com Sogge (op.cit.), a Associação dos Naturais e Amigos da Ilha de Moçambique é a mais antiga e foi criada com o aval do governo em 1982.

As tarefas que as associações de amigos e naturais fixam para si podem ultrapassar as melhorias materiais e atingir domínios como advocacia e gestão de conflitos. Por exemplo, no distrito de Maracuene, imediatamente a norte de Maputo, a Associação de Amigos e Originários de Marracuene tem desempenhado o papel de intermediário com as autoridades governamentais na resolução de problemas ligados aos pequenos proprietários locais ameaçados com a perda dos seus terrenos.

1.14. Associações de Promotores de Conhecimento

São associações constituídas para promover conhecimentos diversos de ciência, arte e cultura tais como pesquisa educacional, fotografia, literatura, entre outros. Este ramo da vida associativa está baseado principalmente no meio urbano. Seus membros, normalmente, com boa educação, dependem do voluntarismo e recursos próprios. Em geral, esse espírito de empenho voluntário é uma fonte de força e longevidade com que outros, tais como as ONG, não podem contar na mesma medida. No entender de Sogge (op.cit.), associações deste tipo podem tornar-se pontes interessantes para a cooperação Sul-Sul ou Norte-Sul, por linhas mais horizontais do que as estabelecidas no sistema de ajuda externa.

De acordo com Matsinhe (2005), o ambiente político que propiciou a atuação destas organizações da sociedade civil moçambicana, e não só, foi estabelecido após a independência nacional e, particularmente, na sequência das reformas políticas exigidas pelas instituições de Bretton Woods como pré-condição para o fornecimento da ajuda externa solicitada pelo governo moçambicano face a crise socioeconómica que assolou o país na década de 1980.

Efetivamente, tais reformas desenhadas para acompanhar de perto a transição democrática em finais dessa década foram responsáveis pela promoção da intervenção pública de várias das organizações acima expostas, e não só, que passaram a contar com os fundos da ajuda externa para buscarem fortalecer a democracia pluralista no país.

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