• Nenhum resultado encontrado

Para um Tratamento Científico da Sociedade Civil em Alexander

Alexander (1998) sugere que a sociedade civil tem sido concebida em três tipos ideais que se sucederam ao longo da história do conceito. O primeiro tipo remete para um conceito abrangente de sociedade civil que inclui o extenso conjunto de instituições diferentes do Estado, tais sejam o mercado capitalista, as religiões, associações e organizações públicas e privadas, todas as formas de relações sociais de cooperação baseada na confiança, espaços de opinião pública, instituições de direito legal e partidos políticos. O autor considera importante observar que neste primeiro tipo de entendimento a sociedade civil foi dotada de uma forte componente ética e moral.

No segundo tipo ideal a sociedade civil é pejorativa e estritamente associada ao mercado capitalista. Os escritos de Marx entre 1842 e 1845 refletiram e cristalizaram esta perspetiva reducionista. A sociedade civil passou a ser considerada um simples campo de jogos egoístas, onde os indivíduos se reuniam motivados pelos seus puros interesses privados e que suas

90

instituições políticas e legais não passavam de um disfarçado mecanismo orientado para a garantia do predomínio da classe capitalista.

Neste período, as atenções sociais e intelectuais viraram-se para o Estado. As questões das igualdades sociais substantivas mais do que formais passaram para a ordem do dia. Temas como liberdade e participação democráticas na medida em que eram concebidos como inerentes à questão das igualdades sociais, tornaram-se menos importantes. Deu-se então a emergência das grandes teorias do Estado que defendiam a regulamentação burocrática como uma indispensável força de equilíbrio contra as instabilidades e desumanidades características do livre mercado capitalista.

Posteriormente, eventos revolucionários a nível social e cultural criaram oportunidades para um renovado interesse intelectual pela sociedade civil. As grandes teorias do Estado perderam prestígio devido, por um lado, ao insucesso económico originado pela queda de produtividade das economias centralmente planificadas e, por outro, ao fracasso político e moral que se verificou com o declínio do Estado comunista e regimes burocráticos autoritários.

No âmbito das ciências sociais começou a notar-se um grande interesse pelas redes informais entre os indivíduos, relacionamentos íntimos, confiança, processos culturais e simbólicos, e pelas instituições da vida pública. No plano da filosofia política e moral, observou-se o retorno às teorias democráticas e às investigações hermenêuticas das redes corriqueiras de comunidades e culturas locais.

Estes desenvolvimentos teóricos, e os processos sociais que eles deram forma e refletiram, permitiram um novo e claro entendimento da sociedade civil. Trata-se do terceiro tipo-ideal, mais preciso e específico em relação ao caráter generalista do primeiro e, por outro lado, mais geral e inclusivo quando comparado com o caráter estritamente reducionista do segundo. Este terceiro tipo-ideal da sociedade civil remete para o conceito de uma esfera que é analiticamente independente e, em graus variáveis, empiricamente diferente não só do Estado como também de outras esferas sociais. Assim, para Alexander,

Civil society should be conceived as a solidary sphere in which a certain kind of universalizing community comes gradually to be defined and to some degree enforced. To the degree this solidary community exists, it is exhibited by ‘public opinion’, possesses its own cultural codes and narratives in a democratic idiom, is patterned by a set of peculiar institutions, most notably legal and journalistic ones, and is visible in historically distinctive sets of interactional practices like civility, equality, criticism, and respect. This kind of civil community can never exist as such; it can exist only ‘to one degree or another’. One reason is that it is always interconnected with, and

91 interpenetrated by, other more and less differentiated spheres which have their own criteria of justice and their own system of rewards (Alexander, 1998: 7/8).

Neste quadro faz-se necessário mostrar que para um realístico tratamento sociológico do conceito de sociedade civil há que separá-lo com rigor de outras esferas que se interpenetram com ele criando confusão e podendo mesmo comprometer sua vitalidade. Nestes termos, de acordo com Alexander, o Estado e o Mercado não são as únicas nem as piores instituições que podem ameaçar a subsistência ou protagonismo da sociedade civil. Outras esferas também já constituíram e podem sempre constituir esse perigo. A título de exemplo, citam-se casos de fundamentalismo e intolerância que ao caracterizarem algumas religiões comprometem princípios de liberdade e pluralidade de opiniões, elementos que norteiam o conceito de sociedade civil; casos de comunidades patriarcais que relegam o estatuto de mulher para a inferioridade limitando desta forma seus direitos de manifestação pública e protagonismo político; casos de corporações profissionais e científicas que podem monopolizar a expressão de ideias em espaços públicos como as assembleias, conferências, meios de comunicação social, entre outros; e, casos de comunidades étnicas e raciais que podem criar mecanismos de exclusão social na base do etnocentrismo. A lista podia continuar. Porém, para efeitos deste trabalho, o mais importante é a advertência feita sobre a necessidade de redobrada cautela e maior rigor no processo de caracterização e conceptualização científica da sociedade civil.

Não obstante concordarmos com Alexander sobre a necessidade de conceptualizar a sociedade civil tendo em conta as fronteiras entre ela e as diversas esferas, reconhecemos que tal exercício não é tarefa fácil se considerarmos a complexidade das relações entre a sociedade civil e tais esferas, como se nota no conteúdo da definição da sociedade civil que apresentamos na secção introdutória, de acordo com a qual,

Civil society refers to the arena of uncoerced collective action around shared interests, purposes and values. In theory, its institutional forms are distinct from those of the state, family and market, though in practice, the boundaries between state, civil society, family and market are often complex, blurred and negotiated. Civil society commonly embraces a diversity of spaces, actors and institutional forms, varying in their degree of formality, autonomy and power. Civil societies are often populated by organizations such as registered charities, development non-governmental organizations, community groups, women’s organizations, faith-based organizations, professional associations, trade unions, self-help groups, social movements, business associations, coalitions and advocacy groups.

92

Tendo em conta esta definição e outras conceções em torno da sociedade civil anteriormente vistas, avançamos para o ponto seguinte, onde trazemos uma discussão sobre as condições de possibilidade de operacionalização do conceito para efeito de análise empírica em África.