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3. Ajuda Externa, Cooperação e Sub/desenvolvimento

3.1. Implicações da Ajuda Externa

Desde a Primeira Guerra Mundial os Estados Unidos da América entendem que o mundo ficaria mais seguro com o estabelecimento de sistemas democráticos. No período pós Guerra- fria a promoção da democracia passou a figurar como um princípio fundamental da política externa dos Estados Unidos que, como vimos acima, fornecia ajuda externa aos países que aceitassem adotar a democracia para regime político. Através da USAID (agência dos Estados Unidos para o desenvolvimento internacional) o governo americano desembolsou avultados fundos para o financiamento e promoção do processo de transição democrática em vários países do mundo incluindo Moçambique.

A democracia multipartidária que vigora atualmente no país é assim um importante resultado do sistema da ajuda externa. No entanto, este tem falhado na materialização do prometido desenvolvimento. Como afirmam Hanlon e Smart (2008), a ajuda externa que Moçambique recebe tem contribuído muito pouco para elevar os rendimentos e os padrões de vida da população, sobretudo, nas áreas rurais. Sem negarem os ganhos advindos de

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investimentos em certas infraestruturas, os autores constatam que a maioria da população moçambicana continua muito pobre42.

Na mesma esteira, Arndt et. al. (2006) mostram que a despeito dos resultados alcançados desde o fim do conflito armado, para os quais a ajuda externa jogou um papel fundamental, não há espaço para uma satisfação pois, Moçambique continua um dos países mais pobres do mundo e a sua economia é caracterizada como, na melhor das hipóteses, um incipiente setor privado de negócios43. A população continua maioritariamente rural, dependendo da agricultura de subsistência altamente vulnerável às crises climáticas. Sem contar com os megaprojetos, há uma limitada penetração no mercado mundial e as importações são financiadas pela ajuda externa, o que coloca o país numa situação de extrema dependência44.

A Análise Independente da Apropriação e Prestação de Contas no Sistema de Ajuda ao Desenvolvimento feita pelo IPAM (2008) salientou que durante décadas mais de 50% do Orçamento do Estado provinha do financiamento externo. O Estudo de base do MASC (2008) sobre a Monitoria da Governação em Moçambique constatou que devido ao controlo dos recursos orçamentais, os doadores têm contribuído para a deturpação dos mecanismos formais de prestação de contas ao forçarem o governo a ser mais responsável perante eles, ao invés de o ser para os atores institucionais como os órgãos legislativos e os cidadãos em geral45. E Macamo (2006) observou que, apesar do regime multipartidário ter aberto espaço para a competição e participação política, as dinâmicas do sistema de tomada de decisões, controlo e verificações ao girarem, regra geral, em torno do governo e da comunidade internacional

42 Para mais informação sobre o debate em torno da eficácia ou não da ajuda externa vide: Moyo, Dambisa

(2009). Dead Aid. Why Aid is not Working and how there is another way for Africa; Calderisi, Robert (2007).

The Trouble with Africa. Why Foreign Aid isn’t Working; Awortwi, Nicholas e Nuvunga, Adriano

(ed.)(2008). Ajuda Externa, Governação e Desenvolvimento Institucional em Moçambique.

43 Para um debate alargado sobre os fatores que levam certos países a serem tão pobres enquanto outros ficam

muito ricos vide: Landes, David (2005). A Riqueza e a Pobreza das Nações. Por que são algumas tão ricas e

outras tão pobres.

44 Para mais detalhes vide “caráter multidimensional, estrutural e dinâmico da dependência externa em

Moçambique (Castel-Branco, 2011). Arndt et.al. (2006), para dar uma ideia do nível de dependência mostra que na década passada, o país recebeu de ajuda pública ao desenvolvimento valores avaliados na ordem de US$ 65.6 per capita por ano, o correspondente a cerca de 40% da renda nacional.

45 Esta questão pode ser explicada pela teoria racional do Principal-Agente, que trataremos com detalhe nos

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revela deficiências do sistema democrático no país46, facto que tem afetado o processo de desenvolvimento como liberdade e bem-estar.

Genericamente, Nascimento (2008) observa que muitos anos após as independências os países africanos não conseguiram definir e aplicar um modelo próprio de desenvolvimento, situação cuja responsabilidade faz recair principalmente aos governos e suas respetivas elites, mesmo quando existe o peso da influência externa na elaboração e implementação das estratégias económicas47. De acordo com o autor, importa mencionar aqui a atitude dos governos que normalmente encaram a ajuda externa e a cooperação técnica como donativos, esquecendo-se que ocorrem custos diretos e indiretos48.

A nível externo, no que à cooperação diz respeito, para além das referidas questões geoestratégicas, da estruturação do sistema político-económico mundial e do tipo de relações bilaterais e multilaterais, verifica-se que por cada US$100 disponibilizados, US$80 são afetos aos salários dos técnicos expatriados, o que significa que pelo menos 80% dos fundos regressam aos países doadores (Nascimento, 2008; Cf. Bartoli, 1999).

No entender de Nascimento, este facto podia ter levado os países beneficiários a programarem, de forma rigorosa, as modalidades de assistência técnica, de modo a que indo o dinheiro ficasse a capacidade técnica nacional. Noutros termos, a ajuda externa podia ser mais encarada na ótica da constituição de fundos estruturais para o desenvolvimento, fundos capazes de estabelecer setores decisivos como o da valorização dos recursos humanos, o do desenvolvimento tecnológico, o das infraestruturas e redes de comunicação.

Se por um lado os fundos da ajuda externa são desejados pelos governos africanos, algumas exigências que a acompanham criam constrangimentos. Trata-se especificamente das exigências de boa governação, transparência, Direitos Humanos e apoio a uma maior

46Esta situação banaliza o protagonismo político, eclipsa o sentido de cidadania e avilta a dignidade do povo ao relegá-lo para um plano marginal do processo de tomada de decisões sobre questões nacionais que lhes dizem diretamente respeito. Mas sobre quem recai a principal responsabilidade pela manutenção do quadro? Recairá sobre o Governo do dia? Sobre as agências doadoras da comunidade internacional? Ou sobre os próprios cidadãos moçambicanos?

47 Trata-se aqui do peso relevante tanto das escolhas e padrões definidos durante a colonização, como dos modelos que de forma mais ou menos explícita o Norte “exportou” para África no contexto da complexa geo- estratégia da “guerra-fria” (o modelo liberal capitalista contra o socialista), assim como as subsequentes políticas de cooperação internacional e da chamada ajuda pública ao desenvolvimento.

48Os custos diretos derivam da circunstância de uma parte significativa dessa ajuda ser concedida a título de empréstimos, reembolsáveis num prazo mais ou menos alargado, e os indiretos estão relacionados com o alojamento dos expatriados, seus salários e benefícios, e custos de oportunidade decorrentes de alternativas de aplicação dos fundos da ajuda, provavelmente, mais consentâneas com um desenvolvimento sustentável.

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participação da sociedade civil na gestão da coisa pública (Dias, 2011). Implícito a este condicionalismo está a ideia de que a governação democrática com aquelas características reduz a pobreza e promove o desenvolvimento, pressupostos que discutimos em seguida49.