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3. Atuação de Associações de “Tipo Religioso” e de “Tipo Político”

3.1. O Conselho Cristão de Moçambique

0,4 11,3 2 25,2 53,4 91,9 0 20 40 60 80 100 Outros ONGs Estrangeiras ONGs Nacionais Fundacões Outras associacões Educacão Política Religiosas Associacões

Figura 3.12. Percentagem das associações (“tipo religioso” e “tipo político”). Fonte: INE (2006)

3.1. O Conselho Cristão de Moçambique

O Conselho Cristão de Moçambique (CCM) tem como principal objetivo servir as igrejas e associações membros, promover na sociedade a justiça socioeconómica e consolidar a unidade cristã e o ecumenismo através de programas participativos e sustentáveis na área do desenvolvimento humano.

Os princípios que orientam as atividades do CCM consubstanciam-se nos valores da vida em unidade; ecumenismo entre as igrejas e religiões; organização eficaz, transparente e

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honesta; abordagem participativa; justiça social e económica; diaconia e amor ao próximo; evangelização; capacidade de intervenção na sociedade; igualdade de direitos e oportunidades entre os cidadãos.

Para melhor direcionamento no desempenho de suas atividades, o CCM definiu como grupo-alvo as igrejas membros, as comunidades mais necessitadas e a sociedade moçambicana em geral. Assim, sua visão contempla força e autossuficiência para facilitar a expressão do Evangelho com a sua vertente social, bem como a implantação dos seus órgãos desde o nível nacional ao nível local de modo a contribuir na efetivação da Justiça que promove a Santidade da vida e os Direitos Humanos.

De uma forma geral, o histórico do CCM revela como principais eventos os seguintes: 1949-1973 – Desenvolvimento das igrejas; definição da formação como estratégia da luta anticolonial; decisão de encontrar todas as formas possíveis para apoiar a luta de libertação de Moçambique e outros países da região;

1987 – Início do processo de expansão territorial do Conselho Cristão de Moçambique para as regiões Centro e Norte do país;

1987-1992 – CCM contribuiu de forma significativa na busca de financiamento para o programa de emergência, com vista a apoiar as vítimas da guerra e de calamidades;

1990-1992 – Envolvimento do CCM no processo de busca da paz para Moçambique; 1992-1993 – Introdução do espírito de inclusão de insumos agrícolas (sementes e instrumentos de produção) nos programas de assistência humanitária;

1990-1994 – Iniciativa do CCM na preparação do povo para a paz e educação cívica para as eleições multipartidárias no país;

1993-1994 – Participação no processo de repatriamento e reassentamento dos então refugiados e deslocados de guerra nas suas zonas de origem ou de escolha;

1994 – Participação como observador nas primeiras eleições gerais em Moçambique;

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1995 – Lançamento do projeto “Troca de Armas por Enxadas (TAE)” com o objetivo de contribuir para a introdução da cultura de paz na sociedade moçambicana, através da recolha de armas em mãos alheias e incentivo à produção alimentar nas comunidades;

Figura 3.14. Secretário-geral do CCM falando do impacto do projeto TAE.

1998 – Participação nas primeiras eleições municipais como observadores; 1999 – Participação como observadores nas segundas eleições gerais; 2000-2001 – Participação ativa no apoio às vítimas das cheias;

2003, 2008 e 2013 – Participação como observadores nas eleições municipais; 2004, 2009 e 2014 – Participação como observadores nas eleições gerais.

Em entrevista que nos concedeu Titos Macie, um dos diretores do CCM, começou por nos dizer que a sua instituição foi fundada em 1948 por missionários (suíços, americanos, ingleses, suecos) com o objetivo de congregar as igrejas protestantes para a sua sobrevivência no contexto colonial onde vigorava a igreja católica. Atualmente congrega 24 membros, dentre eles 22 denominações (igrejas) e duas associações (Sociedade Bíblica de Moçambique e a União Bíblica de Moçambique). Todas as denominações são protestantes. Estando a sua sede situada em Maputo, a estrutura do CCM cobre todas as províncias do país.

No período de carências que o país atravessou, o Conselho Cristão de Moçambique foi dando conta da miséria da população através dos pastores que trabalhavam nas diferentes zonas. O CCM reivindicou a necessidade de assistência a essas populações porque entende que a boa nova (bíblica) só é percebida quando as populações têm boas condições espirituais e materiais. A política do CCM defende que para além do apoio de emergência é necessário oferecer condições às populações para que elas produzam pessoalmente seus meios de subsistência visando o desenvolvimento integrado das comunidades.

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Para contribuir no plano de infraestruturas educacionais, o CCM construía escolas e entregava ao Ministério da Educação para sua gestão. O mesmo acontecia com hospitais e sua entrega ao Ministério da Saúde. O CCM envolveu-se igualmente na luta pela não privatização da terra como forma de defender a sua posse e uso pelas populações mais vulneráveis. O entrevistado afirmou que tal tarefa não foi fácil pois, o mundo empresarial era a favor da privatização e o governo tinha interesses tanto económicos quanto sociais, relativos ao bem- estar da população. Enfim, Macie afirma que a Lei da Terra conseguida é uma boa referência e, apesar de contínuos conflitos em torno da terra em diversas regiões do país, ela foi o melhor que se conseguiu e continua a ser um bom instrumento.

Após o alívio da dívida moçambicana pela comunidade internacional, o CCM achou fundamental encontrar espaço para monitoria das políticas públicas de maneira a evitar o descontrole da dívida entre outras possíveis situações que perigariam o desenvolvimento do país, daí a sua ligação com o Grupo Moçambicano da Dívida (organização da sociedade civil de que falaremos mais adiante). O CCM criou igualmente mecanismos de trabalho com as comunidades dando as capacidades necessárias para a formulação de suas exigências tendo em conta o progresso e o timing do processamento institucional das matérias.

No momento da constituição da Plataforma da sociedade civil (G20)95 o CCM usou o setor de “justiça económica e social” para o efeito e não tendo um gabinete de estudos de políticas públicas tratou de mobilizar outras entidades mais capacitadas para juntos trabalharem e apresentarem o seu posicionamento perante o governo.

De acordo com o nosso entrevistado, para o surgimento da plataforma G20 contou imenso o condicionalismo da comunidade internacional que exigia um programa de luta contra a pobreza legitimado pela sociedade civil. No Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta (PARPA I) os inputs da sociedade civil foram mínimos pois, não estava constituído um mecanismo para o efeito. O G20 surge como resposta a necessidade de mais intervenção conjunta da sociedade civil. Deste modo, na subsequente política pública (PARPA II)96 as organizações da sociedade civil intervieram significativamente, afirmou Macie. A plataforma G20 começou a fazer a sua própria avaliação (independente do governo) para aferir a real situação da população. O CCM, por exemplo, procurou por essa via humanizar os números e, nos termos do entrevistado, colocava questões de fundo como, por exemplo, a de saber “se o crescimento económico contribuía para a melhoria das condições de vida do povo?”.

95 No capítulo seguinte trataremos com detalhes a matéria sobre a Plataforma G20.

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Devido a essa participação, Macie entende que o PARPA II contemplou muitas das ideias trazidas pelas organizações da sociedade civil. Porém, reconheceu terem existido também sugestões da sociedade civil que não foram contempladas na elaboração final do documento. Tais situações, na análise do entrevistado, deveram-se à não concordância do governo e, eventualmente, aos compromissos com os doadores97. Quando confrontado com a questão da autonomia/dependência no CCM Macie respondeu nos seguintes termos,

“A questão da autonomia e da dependência é tratada pelo CCM tendo em conta a

existência de vários financiadores, facto que permite escolher os doadores que partilham dos objetivos da nossa organização (…) Mas o CCM está ciente de que as agências doadoras dependem dos seus governos e quando estes mudam de política isso afeta os financiamentos. Assim, o CCM, como outras organizações do género, tenta encontrar formas alternativas de financiamento para aumentar a sua autonomia” (extrato da entrevista com Macie, CCM).

Para o entrevistado, o CCM lida com a democracia na componente educação cívica das populações, daí ter investido muito nessa área que complementa a paz. Foi um dos pioneiros no processo da busca pela paz em Moçambique. Começou essa luta pela paz tentando convencer o então presidente da República Popular de Moçambique, Samora Machel, para o diálogo com a Renamo e esse processo continuou com o seu sucessor, o presidente Joaquim Chissano. O CCM procurou as lideranças da Renamo para que houvesse diálogo com o governo da Frelimo. Macie salienta, no entanto, que o processo foi longo e complicado.

Posteriormente, o CCM avançou com a “preparação do povo para a paz” através da educação cívica das populações de maneira a poderem conviver cordialmente após as atrocidades que se tinham cometido outrora entre as partes em conflito. Na sequência, veio a educação cívica para o processo eleitoral que deu lugar ao surgimento do Centro de Estudos de Democracia e Desenvolvimento (CEDE), que atualmente usa a rede do CCM para monitorar o processo eleitoral nas comunidades.

Como atesta um Relatório de Avaliação de Desenvolvimento Institucional, que o entrevistado Macie nos facultou, de modo a intervir nas transformações socioeconómicas que

97Macie apontou que por orientação do escritório do Banco Mundial em Moçambique, por vezes, a sociedade civil era chamada para ser ouvida antes de serem publicadas as estratégias de assistência ao país. Quando enfim o documento saía e não refletia certas exigências das organizações da sociedade civil os funcionários do Banco Mundial interpelados defendiam que o governo não tinha a obrigação de incluir o conteúdo das exigências da sociedade civil nos seus documentos. Todavia, nalgumas vezes, a comunidade internacional e o governo reconheciam a pertinência dessas exigências das OSC e as acautelavam nas políticas públicas mesmo quando elas não eram à partida previstas e pretendidas por eles.

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vem ocorrendo no país, a missão do CCM evoluiu bastante nas últimas duas décadas. De uma organização criada inicialmente para expandir a Boa Nova, o Evangelho de Cristo aos povos, encontramos hoje um CCM que intervém em ações de redução da pobreza absoluta, mitigação de riscos de calamidades, prevenção, mitigação e resolução de conflitos, assim como de educação para a formação e desenvolvimento (CCM, s.a.).

Sedeado na Cidade de Maputo onde funciona o secretariado-geral, o CCM encontra-se presente em todas as províncias de Moçambique onde se faz representar por delegações provinciais. Note-se que a natureza da missão do CCM impõe que as suas ações se façam sentir localmente junto das comunidades que mais necessitam de apoio, daí encontrarmos na estrutura desta instituição as delegações distritais.

Notou-se que os líderes religiosos e comunitários, membros das igrejas e das comunidades contribuem para um aproveitamento eficiente da terra reduzindo deste modo as carências alimentares. Estas ações são desenvolvidas com a participação dos nativos e parceiros de desenvolvimento local, incluindo o governo.

A sua intervenção na gestão de conflitos, sendo estes motivados pelo ódio, disputas de terra, ciúme, má gestão de recursos de poder, baseia-se em metodologias participativas em que as partes opostas entram num processo de diálogo para a mudança de suas opiniões contraditórias, assumindo deste modo posições de reconciliação rumo a uma convivência em ambiente de paz e harmonia.

Nos encontros nacionais, os delegados provinciais, gestores e oficiais de programas e projetos fazem a planificação das suas atividades de acordo com os recursos disponíveis. Essa planificação é estratégica e operacional onde identificam os resultados pretendidos, cronograma das atividades a desenvolver, indicadores de monitoria, sistemas de avaliação, meios de verificação e atribuição de responsabilidades.

Nos encontros com líderes dos partidos políticos, o CCM criou um clima de confiança, segurança e paz nos distritos de Mocimboa da Praia e Montepuez, Província de Cabo Delgado, usando como instrumentos principais a tolerância, aconselhamento, participação e divulgação da boa nova, o Evangelho de Cristo.

Nas visitas às zonas com focos de conflito, o CCM demonstrou às comunidades que o motor principal do seu desenvolvimento é a paz, amor e harmonia e que sem estes pressupostos há sempre desorganização, desentendimento, guerra, pranto e fome. E a partir dessas visitas as comunidades afiliadas aos diversos partidos políticos estão cada vez mais unidas e defendem o mesmo interesse – a Paz e segurança social, constata o referido relatório.

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As capacitações levadas a cabo pela instituição respondem às necessidades particulares das comunidades e nos locais onde o CCM interveio verificam-se grandes transformações como, por exemplo, a resolução de conflitos políticos na sequência das eleições municipais de 2004, nos mencionados distritos de Montepuez e Mocimboa da Praia.

Inúmeros são os exemplos de projetos desenvolvidos nas localidades e distritos, tal o caso de Massangena no norte da província de Gaza que se beneficiou de um projeto de produção alimentar incluindo a construção de uma padaria agora gerida por um comité local; e o caso da província de Cabo Delgado nos distritos de Namule, Chiúre, Balama, Mocimboa da Praia, Montepuez, onde a comunidade foi envolvida e apropriou-se do desenvolvimento da área de aconselhamento e testagem de saúde comunitária.

Em Sofala, com apoio de agências doadoras, a delegação do CCM desenvolve vários projetos nos distritos de Chemba e Maríngue, com destaque para o domínio da água e saneamento, segurança alimentar e proteção do meio ambiente. Os gestores destes projetos revelaram que grandes transformações estão a ocorrer na vida das populações locais como resultado da sua implementação e colaboração. Neste sentido, as realizações do projeto provocaram efeitos multiplicadores ao ponto de se fazerem sentir nos diferentes níveis de gestão e de intervenção do CCM, particularmente junto das comunidades mais necessitadas.

Enfim, o relatório revela que tem-se notado uma nova dinâmica no papel dos líderes (religiosos, comunitários e políticos) que passaram a entender cada vez melhor o seu papel na manutenção de um clima de concórdia, tanto assim que as soluções dos problemas começam a ser tratados localmente e sem se esperar pela intervenção direta da sede do CCM.