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A Plataforma Inter-religiosa para Governação Participativa

3. Atuação de Associações de “Tipo Religioso” e de “Tipo Político”

3.2. A Plataforma Inter-religiosa para Governação Participativa

De acordo com a mensagem da cerimónia de lançamento da Plataforma Inter-religiosa para a Governação Participativa, em junho de 2012, a história de Moçambique, e não só, tem dado evidências de que os processos sociopolíticos não são de domínio exclusivo dos governantes, académicos e organizações de cariz secular.

A celeridade e sustentabilidade do difícil processo que conduziu a assinatura dos Acordos Gerais de Paz em Roma, a reconciliação nacional, os apelos à transparência e observação eleitorais, as ações de resgate e apoio às vítimas das calamidades naturais e assistência social constituem exemplos elucidativos de quão a intervenção das confissões religiosas contribui para a paz e desenvolvimento de Moçambique.

A solução de uns problemas representa uma oportunidade para que outros desafios mereçam atenção das confissões religiosas. O acompanhamento dos processos de planificação

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e implementação das estratégias de desenvolvimento, bem como a emissão de posicionamentos conjuntos das confissões religiosas sobre o estado da governação e desenvolvimento em Moçambique, apresentam-se como áreas fundamentais para a consolidação dos ganhos da paz, justiça, equidade e progresso no país.

Cumprindo com sua vocação espiritual, cívica e social manifesta pela participação cada vez mais ativa das confissões religiosas na vida pública, a igreja católica (Dioceses de Maputo, Quelimane e Pemba), o Conselho Cristão de Moçambique (CCM) e o Conselho Islâmico de Moçambique (CISLAMO) lançaram, em 2006, um fórum de monitoria de políticas públicas cujo objetivo central era contribuir para a criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento sustentável e inclusivo no país.

O programa contou com o apoio de agências internacionais de caráter religioso, nomeadamente a Trocaire (Agência Católica Irlandesa para o Desenvolvimento) e a Christian Aid (Agência Cristã Inglesa para o Desenvolvimento), para além das autoridades governamentais moçambicanas que naquela época promoviam a participação de toda a sociedade na implementação e monitoria do Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta (PARPA II) que foi posteriormente substituído pelo PARP.

Para melhor sistematizar as intervenções das confissões religiosas em matéria de monitoria da governação, traçar regras de trabalho, assegurar mais visibilidade e sustentabilidade das realizações; para se firmarem parcerias com entidades nacionais e internacionais; e, para se obter o reconhecimento formal por parte do Estado se fez necessário o registo da iniciativa da instituição, sua constituição em organismo de âmbito nacional, com um caráter autónomo administrativa e financeiramente. Neste quadro, entre outras tantas atividades desenvolvidas pela Plataforma Inter-religiosa mencionamos as seguintes:

- Estabelecimento e capacitação dos Comités Distritais de Monitoria de Políticas Públicas; - Participação no processo de elaboração dos Planos Económicos e Sociais e Orçamentos Distritais, procurando assegurar que as comunidades são auscultadas, tecem comentários sobre os aspetos que merecem prioridade e maior afetação de recursos, e contribuem ativamente para o conteúdo dos documentos finais;

- Condução de estudos de caso sobre o grau de implementação e progresso do PARPA II, dos Planos Económicos e Sociais e dos Orçamentos Distritais na área social;

- Visitas aos provedores de serviços públicos com vista a perceber o seu funcionamento e o grau de satisfação dos utentes;

- Ofícios dirigidos aos governos locais buscando informação sobre a evolução das questões de governação nas localidades visitadas;

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- Audiências feitas aos principais decisores políticos, nomeadamente: Diretores Distritais, Secretários Permanentes, Administradores Distritais, Governadores Provinciais;

- Estabelecimento de parcerias com rádios comunitárias (Tumbine, Gurúe e Moamba) para massificar a difusão de mensagens sobre o estado de governação e progressos nos setores cobertos pela monitoria;

- Disseminação do conteúdo das políticas públicas, da Constituição da República, das Leis sobre os Órgãos Locais do Estado, Lei da Família, Lei de Terras, Política Nacional de Águas, legislação sobre proteção da criança, entre outros documentos;

- Disseminação de cópias dos relatórios de Balanço dos Planos Económico e Social e dos Orçamentos Distritais (semestrais e anuais) de modo a promover discussões públicas e maior envolvimento da população no conceito de governação participativa.

Figura 3.15. Envolvimento da população visando uma governação participativa

- Série de formações em matéria de descentralização, monitoria do PARPA II, dos Planos Económicos e Sociais, do Orçamento dos Distritos e a Advocacia buscando, entre outros, a integração da proteção da criança nas políticas públicas;

- Troca de experiência com outras organizações (nacionais e estrangeiras) que trabalham na área de monitoria da governação;

- Promoção da justiça ambiental e defesa do direito à terra produtiva em Socone (Distrito do Ile na Província da Zambézia);

- Luta por maior acesso à água potável e serviços de saúde (especialmente redes mosquiteiras nos postos de saúde para mulheres grávidas e bebés recém-nascidos) com impacto na redução da morbi-mortalidade materno-infantil nos grupos mais vulneráveis nos distritos de Moamba, Matutuine, Namuno e Mocimboa da Praia;

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- Maior regularidade no atendimento num posto de saúde em Namarrói;

- Melhoria das condições de higiene pessoal, saúde, alimentação, e alívio da lotação nas prisões em Matutuine e Milange;

- Aumento no número de idosos contemplados na lista dos beneficiários do subsídio de assistência social básica no distrito de Milange;

- Maior supervisão do processo de construção de escolas e diminuição de casos de abandono escolar em Matutuine e Moamba;

- Reconhecimento dos Conselhos Distritais para monitoria de políticas públicas pelos governos distritais como intermediários dos grupos vulneráveis passando, por isso, a receber convites para as sessões do Conselho Consultivo, presidências abertas e outras reuniões públicas relevantes para a materialização da governação participativa.

De acordo com Boaventura Veja, coordenador da Plataforma Inter-religiosa para a Governação Participativa, em entrevista que nos concedeu, a sua instituição surge para suprir o corte que se verificava em relação à intervenção que as confissões religiosas tinham nas diversas áreas de atuação no país. Nos seus termos, a plataforma aborda aspetos de insatisfação da população com o objetivo de contribuir para a criação de um ambiente favorável à redução da pobreza e gozo de bem-estar.

A Plataforma surge para congregar as diferentes orientações religiosas de maneira que não se diga que os católicos, os protestantes ou os islâmicos não se entendem. Tratou-se de uma iniciativa para fazer falar a uma só voz as diferentes orientações religiosas. Numa primeira fase, de acordo com entrevistado, o programa destinava-se aos seminários e conferências para capacitação dos líderes religiosos de maneira a saberem lidar com questões de políticas públicas, governação e desenvolvimento socioeconómico. Neste plano, para além de contribuir para o desenvolvimento a partir da monitoria da governação havia outro ganho colateral positivo que é o do não conflito entre as religiões.

Para o nosso entrevistado, a sociedade civil moçambicana observa um sentido de dependência que afeta igualmente o Estado moçambicano. Todavia, a Plataforma tem expressado a sua autonomia quando busca e publica matérias inerentes à real situação das comunidades locais. Dessa forma procura influenciar políticas no sentido de evitar ou reduzir assimetrias criando-se assim condições para o bem-estar das populações.

Entretanto, Boaventura reconhece que quando a plataforma precisa de financiamento externo procura fazer a cooperação nos pontos de interseção. Nestes termos, não se recebe dinheiro para fazer o que não consta da filosofia da Plataforma. Como consequência desta

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postura, existem atividades importantes que a Plataforma não realiza devido a falta de recursos financeiros, o que acontece sempre que tais atividades não interessem aos doadores.

Segundo Boaventura, a recetividade do governo em relação às contribuições da Plataforma é fraca. Para ele, o principal problema da participação não está na fase de planificação, mas sim na da implementação. O momento da planificação tem sido amigável, com o governo a garantir um ambiente de debate amplo, mas na implementação o governo nem sempre aceita as recomendações das organizações da sociedade civil. Nas suas próprias palavras,

“Tanto o PARPA como o PARP têm metas ambiciosas, com cenários relevantes. Mas na hora de implementação, quando se mostra que estão a verificar-se deturpações, o governo não quer ouvir e rever o que a sociedade civil afirma estar indo mal. Quando confrontado com resultados adversos, o governo resiste em reconhecer os aspetos negativos preferindo para efeitos propagandísticos e eleitoralistas falar exclusivamente do que correu bem. As vezes, tardiamente, o governo cede às observações que outrora recusara-se a aceitar98

(extrato da entrevista com Boaventura veja, Plataforma Inter-religiosa).