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O presente estudo resulta dum trabalho realizado em três fases interconectadas. A primeira consistiu na pesquisa bibliográfica, cuja revisão da literatura enriqueceu o nosso quadro teórico e permitiu a elaboração do projeto de investigação que nos conduziu à segunda fase – a pesquisa empírica, vulgo trabalho de campo. Nesta, realizámos entrevistas exploratórias através das quais delimitámos o campo de análise – a Cidade de Maputo no contexto do regime da democracia multipartidária estabelecida oficialmente pela Constituição da República de Moçambique no ano de 1990.

O universo de estudo foi constituído pela diversidade das organizações da sociedade civil, com particular incidência para as associações de “tipo religioso” e de “tipo político” que perfazem, segundo o censo nacional, mais de 75% da população alvo (INE, 2006). Para definição das unidades amostrais usámos a técnica de amostragem intencional do método não probabilístico que se afigurou pertinente para a realização do estudo.

Elaborámos e administrámos entrevistas semiestruturadas em diferentes fases da elaboração da tese, onde colhemos dados fundamentais para a testagem das nossas premissas e a satisfação dos objetivos do trabalho. Após a conclusão da recolha dos dados pertinentes, efetuámos a análise de conteúdo e a elaboração do presente relatório.

Todo o aparato utilizado na construção dos dispositivos de recolha de informação e posteriormente da análise, interpretação e discussão dos dados pertinentes baseou-se no

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exercício da interdisciplinaridade e da triangulação teórica, técnica e metodológica, cujos detalhes apresentamos no Anexo A - Métodos e Técnicas do Trabalho de Investigação.

Como vimos, nas secções anteriores desta introdução estabelecemos três pontos principais. No primeiro anunciámos o objetivo do estudo e debatemos a problemática da autonomia/dependência, que nos permitiu definir o nosso objeto de estudo, a pergunta de partida e respetivas linhas de análise; no segundo, apresentámos as perspetivas teóricas que sustentam o estudo, destaque para a articulação entre filosofia política, economia política e sociologia política, donde derivamos o approach do campo político que orienta, particularmente, o argumento central; e, nesta terceira secção falámos da metodologia usada para a realização do trabalho. Em seguida, estruturamos o relatório em cinco capítulos, começando pelo da contextualização da sociedade civil.

Efetivamente, o primeiro capítulo aborda a sociedade civil em Moçambique tendo em conta os fatores que propiciaram a sua emergência e promoção, destacando-se aqui o valor da ajuda externa. Evidências teóricas e empíricas mostram que a ajuda externa jogou um papel fundamental no processo da transição democrática e intervenção pública de várias organizações da sociedade civil desde os anos 1990. A propósito, levanta-se o debate da relação entre ajuda externa, democracia e desenvolvimento humano, onde figuram entendimentos desavindos sobre a questão. Enfim, a sociedade civil é concebida como um importante agente no processo de luta pelas liberdades substantivas dos indivíduos e não se concorda com a posição daqueles que afirmam ser puro conceito ocidental e, por isso, inapropriado para contextos africanos.

Para sustentar nossa discordância com tal posição, o segundo capítulo da tese discorre com pormenor as principais abordagens teóricas sobre o conceito de sociedade civil desde o contexto do seu surgimento até a sua apropriação na África subsaariana, incluindo Moçambique. Vários estudos teóricos e empíricos foram realizados por diversos autores em diferentes realidades tendo chegado à conclusão de que o conceito de sociedade civil não só era aplicável aos contextos africanos como também se afigurava incontornável para a análise da relação entre o Estado e a sociedade no processo de desenvolvimento. Esta constatação encaminha o debate para a matéria do terceiro capítulo.

Fundamentalmente, o terceiro capítulo problematiza estudos como os de Patrick Chabal que afirmam, expeditamente, que a sociedade civil na África contemporânea não passa de uma ilusão na medida em que, por depender da ajuda externa, não possui qualquer autonomia. Para contrariarmos a posição de Chabal e sustentarmos o argumento segundo o qual, mesmo dependendo da ajuda externa as organizações da sociedade civil possuem autonomia que a

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efetivam na arena pública com vista a satisfação de seus interesses, expusemos sete evidências empíricas, nomeadamente, a dinâmica da sociedade civil sul-africana, zimbabweana, zambiana, malawiana, tswana, angolana e moçambicana.

Na sequência do anterior, o quarto capítulo busca aprofundar a análise da dinâmica das organizações da sociedade civil moçambicana com recurso à averiguação de pormenores nos seus fundamentos e atuação cívica. Assim, apresentamos os contornos da sua intervenção no Observatório da Pobreza/Desenvolvimento, fórum constituído para o tratamento tripartido (governo, agências doadoras e OSC) das políticas públicas de desenvolvimento. Neste quadro, analisamos as potencialidades e limitações do observatório como espaço de participação cívica; debatemos a influência da visão patrimonial do Estado que nele vigora; e, enfim, analisamos a racionalidade política partilhada pelos principais intervenientes nas sessões preparatórias e plenárias daquele fórum público.

O quinto e último capítulo trata do debate sobre o envolvimento da sociedade civil no processo de desenvolvimento humano em Moçambique e procura averiguar o sentido de autonomia/dependência presente nas relações de poder que se estabelecem entre as organizações da sociedade civil, o governo e os parceiros de cooperação internacional, tanto em espaços formais quanto informais da arena pública nacional. Tendo em conta a complexidade e multidimensionalidade do conceito de desenvolvimento humano, apresentamos o ambiente em que a sociedade civil opera, as condicionantes estruturais que a afetam, os valores e interesses que a movem, as lógicas de ação mobilizadas na arena pública para influenciar o sentido das decisões políticas. Enfim, abordamos a noção de autonomia

dependente que envolve a relação daqueles agentes de desenvolvimento humano e, para

fechar a secção, apresentamos resultados de dez casos de intervenção pública mobilizada por organizações da sociedade civil com recurso ao princípio da homologia de dis/posições.

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Capítulo I

SOBRE A SOCIEDADE CIVIL EM MOÇAMBIQUE

Neste capítulo fazemos a contextualização da sociedade civil em Moçambique. Falamos do seu surgimento, seus principais tipos, algumas características marcantes, onde se destaca a ajuda externa, fator que contribuiu significativamente para a transição democrática e fomentou a criação e exposição de múltiplas organizações da sociedade civil de abrangência internacional, nacional e local. Neste quadro, debatemos a questão das relações de cooperação que envolvem a ajuda externa, sociedade civil, democracia e desenvolvimento humano.

De acordo com o único e abrangente censo nacional sobre a sociedade civil em Moçambique, realizado pelo INE22, grande parte do movimento associativo surgiu após o ano de 1990, com o estabelecimento da nova Constituição da República23. Na altura do levantamento foram identificadas cerca de 5000 organizações da sociedade civil, cifra que tem vindo a ser ultrapassada com a criação de novas associações.

As organizações da sociedade civil moçambicana são maioritariamente formadas no campo por indivíduos que se associam visando a melhoria de suas condições de subsistência e o bem- estar das comunidades. Como ilustra a figura 1.1. seguinte, contra a perceção generalizada, grande parte das organizações da sociedade civil funcionam ao nível das comunidades locais e distritais24 onde se localizam mais de 75%. De facto, esta distribuição geográfica das organizações da sociedade civil infirma categoricamente a ideia de que elas estão largamente concentradas nas grandes cidades ou circunscritas em áreas urbanas.

Outra informação rejeitada pelos resultados do censo em questão foi a tendência de pensar que as organizações não-governamentais (ONGs) predominam no seio da sociedade civil. Os

22 Para mais informação vide: INE (2006), As Instituições sem fins lucrativos em Moçambique: Resultado do Primeiro Censo Nacional (2004-2005). Maputo: INE

23 A Constituição de 1990 marcou a transição do regime monopartidário para o regime da democracia

multipartidária em Moçambique. Ela abriu uma nova etapa nas relações políticas, sociais e económicas ao enquadrar a proteção e respeito pelas liberdades de associação (capítulo II, artigo 52), de expressão e de imprensa (capítulo II, artigo 48), de participação política (capítulo II, artigo 53), o direito à propriedade privada (capítulo V, artigo 82), entre outras garantias legais que se distanciavam do regime precedente (Para mais detalhes vide: Assembleia da República (1990), Constituição de 02 de novembro de 1990. BR nº 048, I Série, 3º Supl. de 29 de novembro de 1990).

24 A distribuição territorial das organizações da sociedade civil é muito heterogénea; cerca de 70% estão

concentradas em cinco das 11 províncias (Nampula, Inhambane, Gaza, Maputo província e Cidade de Maputo); a maioria dessas organizações são de tipo religioso (52%) e a segunda maior fasquia (25%) foca explicitamente matérias de ordem política (INE, 2006).

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dados pertinentes revelam, entretanto, que do universo das organizações da sociedade civil recenseadas, a grande maioria são associações de diversa natureza. As ONGs nacionais e internacionais são menos de 10%. Contudo, as ONGs concentram mais de metade dos recursos humanos e financeiros o que as confere uma enorme visibilidade que contrasta com a “invisibilidade” das imensas associações que operam nas localidades e distritos. Aqui se encontra uma explicação para aquela perceção deturpada sobre o sentido da distribuição geográfica das organizações da sociedade civil no país (Francisco, 2010: 76).

42,2 33,5 6,6 6,7 4 5,7 1,1 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45

Figura 1.1. Localização das organizações da sociedade civil. Fonte: INE, 2006