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A corrupção transnacional na América do Sul: especialmente o caso Odebrecht

Reflections for the Union of South American Nations

2.  A corrupção transnacional na América do Sul: especialmente o caso Odebrecht

A breve e panorâmica análise do caso Odebrecht, conglomerado brasi- leiro de capital fechado que atua em diversas partes do mundo nas áreas de construção e engenharia, químicos e petroquímicos, energia, saneamento, entre outros, tem o propósito de ilustrar, a partir de um caso concreto, o problema que ora se debruça neste trabalho, como base para reflexões sobre futuras ações transformadoras.

A OCDE concluiu que o Brasil possui um sólido arcabouço legislativo no que se refere ao suborno estrangeiro1. Recentemente, o Brasil deu um

passo significativo promulgando a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), que permite que as empresas brasileiras (e não apenas as pessoas físicas) sejam responsabilizadas, objetivamente, por atos de corrupção.

Contudo, o fenômeno da corrupção é transfronteiriço, e exige esforços transnacionais, como demonstra o Caso Odebrecht. A dimensão do caso tem sido compreendida e enfrentada, em muito, por conta de atos concertados 1 OECD (2014), Phase 3 Report on Implementing the OECD Anti- Bribery Convention in

Brazil, OECD Publishing. <http://www.oecd. org/daf/anti-bribery/Brazil-Phase-3-Report-EN. pdf>. Acesso em 19 de dezembro de 2017.

entre países cooperantes, como Brasil, Suíça e Estados Unidos, e, também, pelo largo uso da técnica da colaboração premiada, procedimento previsto no Brasil pela Lei 12.850/2013, que prevê medidas de combate às organi- zações criminosas, usada abundantemente no âmbito da Operação Lava Jato, no Brasil.

Contudo, como será visto a seguir, a atuação danosa da empresa alastrou- -se por diversos países, como Argentina, Colômbia, Peru e Venezuela, que tratarão da questão aplicando seus respectivos Direitos Internos, suas próprias regulações e regimes de responsabilização, muito diferentes entre si, muito longe de uma solução regional uniforme e efetiva.

Assim, enquanto perdurar essa heterogeneidade de regulações e regimes de prevenção e responsabilização no âmbito regional, as empresas corrup- tófilas manter-se-ão, na América do Sul, lançando mão de suas práticas vis para acesso e manutenção indevidos de contratos públicos, bem como desenvolvimento antidemocrático de agendas políticas voltadas aos seus interesses.

Daí a importância de, partindo de uma caso concreto, compreender a dimensão da corrupção transacional, com fito de refletir, sobre uma base paupável, acerca de ações transformadores necessárias e possíveis.

De acordo com o Relatório de Informações publicado pelo Department

of Justice (DOJ), órgão investigador e acusatório dos Estados Unidos, entre

2001 e 2016, a Odebrecht, pelos seus diretores, corromperam pagando centenas de milhões de dólares e outras vantagens em favor de agentes públicos, políticos e partidos políticos para obter e manter contratos públicos em 12 países, metade nações da América do Sul.2

No Brasil, no contexto da operação Lava Jato, 78 executivos do Grupo Odebrecht assinaram acordos de delação premiada, com base na referida Lei 12.850/2013, inaugurando-se uma nova etapa no combate à corrupção e captura política na América do Sul.3

2 CAPERS, Robert L., WEISSMANN, Andrew. Information Cr nº 16-643 (RJD) (T.18,

U.S.C., §§371 and 3551 et seq.), USA x ODEBRECHT SA (F.#2016R00709), USDC-Eastern District of New York, p.11.

3 AMADO, Guilherme. As revelações da Odebrecht na América Latina. O GLOBO. Rio

de Janeiro. Disponível em < https://oglobo.globo.com/brasil/as-revelacoes-da-odebrecht-na- -america-latina-21665147>. Acesso em 04 de dezembro de 2017.

Registre-se que tais documentos estão sob sigilo legal, contudo órgãos de imprensa4 acessaram os processos e publicaram as informações,

que serviram de base para o presente trabalho, ao lado do Relatório de Informação do DOJ.

Dos 78 executivos da Odebrecht, 15 admitiram ao Ministério público Federal brasileiro a prática de uma série de crimes em diversos países, dentro eles, Argentina, Brasil, Colômbia, Peru e Venezuela. No contexto da colaboração, eles revelaram fraudes em contratações públicas e financia- mento ilegal de campanhas eleitorais com finalidade de financiar projetos de poder político que se coadunam com os interesses econômicos da empresa.5

Vejamos, panoramicamente, o modus operandi da Odebrecht nos países da América do Sul que mantinha operação relevante, a partir das informações e documentos reunidos pelos órgãos de imprensa e DOJ.

Começaremos pelo país que sedia a empresa.

Brasil

A Operação Lava Jato, força tarefa pluri-institucional que investiga, denuncia e julga, subdividida em fases, esquemas de corrupção que unia as principais construtoras do país à Petrobras, estatal petrolífera brasileira, apurou indícios de fraudes concorrenciais a licitações, irregularidades ao longo do cumprimento de contratos e até financiamento irregulares de campanhas, partidos e políticos perpetradas pela Odebrecht.

Na 23ª fase da Operação, batizada de Acarajé, a força tarefa prendeu cautelarmente Maria Lucia Tavares, então secretária de Marcelo Odebrecht, presidente da empresa. Com a prisão, a força tarefa concluiu que a empresa tinha criado um setor exclusivamente para fazer pagamentos ilegais para políticos e funcionários da Petrobras. O setor existia oficialmente no organograma da empresa e chamado de “Departamento de Operações Estruturadas”. Maria Lucia deu os detalhes de como funcionava e entregou planilhas com registros de repasses.6

4 O GLOBO (Brasil), IDL-Reporteros (Peru), La Nación (Argentina), Sudestada (Uruguai),

Armando.info (Venezuela), La Prensa (Panamá) e Quinto Elemento Lab (México).

5 AMADO, Guilherme, op. cit.

6 BRASIL, Gioconda. Delações da Odebrecht: entenda o maior escândalo de corrupção do

país. O GLOBO. Brasília. Disponível em < http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2017/04/ delacoes-da-odebrecht-entenda-o-maior-escandalo-de-corrupcao-do-pais.html>. Acesso em 22 de dezembro de 2017.

No final de 2016 a empresa assinou um acordo de leniência, instrumento previsto pela legislação brasileira anticorrupção acerca da responsabilização da pessoa jurídica, e aceitou devolver R$ 6,8 bilhões. Concomitantemente, 78 executivos e ex-executivos da empresa, com funções diretivas em vários países da América do Sul, assinaram acordos de colaboração premiada, confessando os atos de corrupção em 12 países, metade deles na América do Sul.

Argentina

Entre 2007 e 2014, a empresa pagou US$35 milhões em vantagens indevidas a agentes públicos argentinos, por meio de intermediários, valores relacionados a, pelo menos, três contratações públicas de infraestrutura que rendeu à empresa US$278 milhões.7

Para uma ilustração mais concreta, agentes públicos do Ministério do Planejamento e da estatal Água e Saneamento Argentino (Aysa) receberam US$ 14 milhões para que a Odebrecht ganhasse a licitação do projeto Água Potável Paraná de las Palmas, de limpeza de água para consumo humano, na capital.8

Colombia

Entre 2009 e 2014, a empresa pagou US$11 milhões em vantagens indevidas a agentes públicos colombianos, valores relacionados a contratos que renderem à empresa mais de US$50 milhões.9

No início de 2017, a Suprema Corte da Colômbia começou a avaliar se há indícios suficientes para abrir um “inquérito preliminar” contra quatro senadores e um deputado possivelmente beneficiados pelas operações irregulares.10

7 CAPERS, Robert L., WEISSMANN, Andrew, op cit., p. 18.

8 BARCA, Antonio Jiménez. Qué es el ‘caso Odebrecht’ y cómo afecta a cada país de América

Latina. El País. Buenos Aires. Disponível em < https://elpais.com/internacional/2017/02/08/ actualidad/1486547703_321746.html>. Acesso em 9 de dezembro de 2017.

9 CAPERS, Robert L., WEISSMANN, Andrew, op cit., p.23. 10 AMADO, Guilherme, op cit.

Equador

Entre 2007 e 2016, a empresa pagou US$33.5 milhões em vantagens indevidas a agentes públicos equatorianos, valores relacionados a contratos que renderem à empresa mais de US$116 milhões.11

O vice-presidente do Equador, Jorge Glas, preso preventivamente, é suspeito de receber propina da Odebrecht para favorecer a empreiteira brasileira em contratos com o governo equatoriano.12

Segundo o periódico brasileiro O GLOBO, a operação corruptiva da empresa no Equador rendeu lucros milionários, permitindo que a empresa conquistasse projetos como a construção da Hidrelétrica Manduriaco, um contrato de US$ 124,8 milhões; o projeto de irrigação Trasvase Daule Vinces, um contrato de US$ 190,9 milhões; a terraplanagem da Refinaria do Pacífico, de US$ 299,9 milhões; a construção do Aqueduto La Esperanza, US$ 259,9 milhões, e o Poliduto Pascuales-Cuenca, para transportar gasolina e diesel, de US$ 369,9 milhões.13

Peru

Entre 2005 e 2014, a empresa pagou US$29 milhões em vantagens indevidas a agentes públicos peruanos, valores relacionados a contratos que renderem à empresa mais de US$143 milhões.14

Os colaboradores da Lava Jato, no Brasil, forneceram detalhes de ope- rações de financiamento ilícitos de campanha. Na colaboração há ainda relatos de pagamentos de propina para que a Odebrecht conquistasse, além de dois trechos da Interoceânica, a linha 1 do metrô de Lima, o trecho no estado Callao da estrada Vía Costa Verde, uma estrada em Cusco, na região dos Andes, e outra no estrado Carhuaz.15

11 CAPERS, Robert L., WEISSMANN, Andrew. op cit., p.29.

12 BRIEGER, Pedro. Ecuador: detienen al vicepresidente Jorge Glas por corrupción

en el caso Odebrecht. NODAL. Quito. Disponível em< http://www.nodal.ec/2017/10/ ecuador-detienen-al-vicepresidente-jorge-glas-corrupcion-caso-odebrecht/>. Acesso em 20 de dezembro de 2017.

13 AMADO, Guilherme, op cit.

14 CAPERS, Robert L., WEISSMANN, Andrew, op cit., 34. 15 AMADO, Guilherme, op cit.

Venezuela

Entre 2006 e 2015, a empresa pagou US$98 milhões em vantagens indevidas a agentes públicos venezuelanos e seus intermediários.16

Segundo as investigações do DOJ e Operação Lava Jato, Venezuela é o segundo país o qual a empresa mais converteu dinheiro em subornos e financiamento político ilegal, mormente para obter e manter contratos de obras públicas.17

A Odebrecht gozava da possibilidade de contratação direta junto ao governo venezuelano, sem necessidade de participar de concorrências conforme a legislação contratual pública venezuelana, que permite a con- tratação de uma empreiteira sem licitação, desde que haja um acordo de cooperação técnica com o país de origem da empresa. Brasil e Venezuela têm um termo de cooperação como este desde 1992. Deste modo a Odebrecht foi contratada para fazer, por licitação ou por contratação direta, 32 obras na Venezuela.18

Eis o panorama de atuação da Odebrecht na América do Sul, cuja gra- vidade exige uma homogeneidade normativa regional e efetiva em termos de regulação das relações entre empresas fornecedoras e poder público e regimes de responsabilização das mesmas, para uma eficaz proteção da integridade, da democracia e do desenvolvimento inclusivo na região.

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