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Direito fundamental a uma existência livre de corrupção

– A Study of the Link Between Corruption and Poverty

5.  Direito fundamental a uma existência livre de corrupção

No já referido trabalho denominado Corruption and Human Rights: Making

the Connection há uma passagem, que embora secundária, merece referência,

eis que acopla perfeitamente ao presente estudo:

Alguns estudiosos defendem o reconhecimento de um direito de viver em um mundo livre de corrupção. Eles tomam por base o fato de que a corrupção endêmica destrói os valores fundamentais da dignidade humana e da igualdade 16 Em livre tradução: “Como identificado pelo relatório do ICHRP, são os vulneráveis e

marginalizados – mulheres, crianças e grupos minoritários – que frequentemente sofrem as mais duras consequências da corrupção. Nas relações com a polícia, com juízes, hospitais, escolas e outros serviços públicos básicos, os pobres tendem a sofrer mais violações do que os ricos e vem uma grande parte dos seus recursos sendo consumidos. No México, é estimado que aproximadamente 25% da renda das famílias pobres é perdida para pequenos atos de corrupção. Aqueles com menor influência ficam com poucos recursos frente ao suborno. Em Bangladesh, dados demonstram que aproximadamente 1/3 das meninas que tentam obter subsídios do governo para alunos extremamente pobres foi obrigado que pagar propina, enquanto a metade tinha que fazer um “pagamento” antes de usufruir de sua bolsa de estudos. Em Madagascar, ¼ das famílias são obrigadas a pagar taxa de “inscrição” nas escolas, muito embora o ensino primário seja gratuito.”

Aqueles que cometeram atos de corrupção vão tentar proteger a si mesmos da prisão e manter suas posições de poder. Ao fazê-lo, é provável que continuem a oprimir pessoas que não estão em posições de poder, incluindo a maioria dos membros dos grupos listados acima. Estes últimos tendem a ser mais explorados, e menos capazes de se defender: neste sentido, a corrupção reforça sua exclusão e a discriminação a que estão expostos. Disponível em http:// www.ichrp.org/files/reports/40/131_web.pdf. Consultado em 24/12/2017.

política, tornando impossível garantir os direitos à vida, à dignidade pessoal e à igualdade, e muitos outros direitos” (tradução livre)

Em março de 2013 na cidade de Genebra, a ONU emitiu o Relatório A/HRC/23/26, no qual se confirma a corrupção como um grave atentado aos Direitos Humanos17:

“Durante el debate, todos los oradores hicieron hincapié en los vínculos entre la corrupción y los derechos humanos, desde los efectos negativos de la corrupción en una amplia gama de derechos humanos hasta la importancia de los derechos humanos en el fortalecimiento de las actividades anticorrup- ción. Muchos reconocieron que la corrupción afectaba a todos los países y subrayaron la necesidad de combatirla en los planos nacional e internacional con un enfoque integral y una mayor cooperación. La corrupción generaba injusticia y obstaculizaba el ejercicio de los derechos humanos, la consecución del desarrollo y de los ODM, entre otras cosas, la erradicación de la pobreza y del hambre y la prestación de servicios básicos. También limitaba gravemente la capacidad de la administración pública para garantizar el disfrute de los derechos humanos. La lucha contra la corrupción era un aspecto importante para la garantía de los derechos humanos y se necesitaban esfuerzos concertados para combatir la corrupción y sus manifestaciones.”18

17 A esse respeito, veja-se ONU. Asamblea General. Consejo de Derechos Humanos.

Informe resumido acerca de la mesa redonda sobre las consecuencias negativas de la corrupción en el disfrute de los derechos humanos. Mesa redonda celebrada en Ginebra el 13 de marzo de 2013

(A/HRC/23/26).

18 Em tradução livre: “Durante o debate, todos os oradores enfatizaram os vínculos

entre corrupção e direitos humanos, desde os efeitos negativos da corrupção em uma ampla gama de direitos humanos e da importância dos direitos humanos no fortalecimento das atividades de combate à corrupção. Muitos reconheceram que a corrupção afeta todos os países e enfatizaram a necessidade de a combater nos níveis nacional e internacional com uma abordagem abrangente e uma maior cooperação. A corrupção gera injustiça e impede o exercício dos direitos humanos, a realização do desenvolvimento e os ODM [Objetivos do Milênio], dentre outras coisas, a erradicação da pobreza e da fome e a prestação de serviços básicos. Também limitou severamente a capacidade da administração pública para garantir o gozo dos direitos humanos. A luta contra a corrupção constitui um aspecto importante para garantir os direitos humanos e são necessários esforços concentrados para combater a corrupção e suas manifestações”.

Com fundamento no Relatório da referida Conferência, o Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU editou a Resolução 23/9, de 20 de junho de 2013 (A/HRC/RES/23/9). Por meio dela foi solicitado ao Comitê Assessor a apresentação de um relatório de investigação sobre as consequências negativas da corrupção no gozo dos Direitos Humanos.

Como resultado dessa pesquisa, o Comitê Assessor do CDH da ONU elaborou o Relatório Final A/HRC/28/7319, de 05 de janeiro de 2015. Este

documento foi construído com base nas respostas a um questionário por 73 instituições, sendo 37 países, 16 instituições de Direitos Humanos, 14 organizações não governamentais ou sociedade civil, e 6 organizações internacionais ou regionais e instituições acadêmicas. No referido Relatório, o Comitê Assessor do CDH da ONU afirma que:

“18. Esta visão é apoiada por muitas das respostas ao questionário, por diferentes partes interessadas. As respostas deixam claro que a corrupção tem um impacto negativo sobre o gozo dos direitos humanos. Eles mencionam uma ampla gama de direitos humanos que podem ser violados pela corrupção. Estes incluem os direitos econômicos e sociais, tais como o direito ao trabalho, o direito à alimentação, o direito à moradia, o direito à saúde, o direito à edu- cação, bem como o direito aos serviços públicos; o direito ao desenvolvimento; o princípio da não-discriminação; e direitos civis e políticos, como o direito a um julgamento justo e o direito à participação do público. Esta visão geral ilustra a tese acima referida, que quase todos os direitos humanos podem ser afetados por corrupção;” (tradução livre)

Portanto, na visão das Nações Unidas, a corrupção, com efeito, tem a capacidade de, direta ou indiretamente, causar relevante abalos ao nasci- mento e ao gozo dos direitos fundamentais, bem como aos serviços públicos indispensáveis a sua concreção.

No âmbito da ordem econômica, como já visto, a corrupção prejudica o desenvolvimento inibindo que ele, na forma do artigo 170 da Constituição, crie condições para uma existência digna para todos, tendo ainda o perverso efeito de causar desigualdades sociais.

No condizente à governança, a corrupção passa a influenciar na forma como o poder é exercido e como as escolhas são tomadas, causando prejuí- zos aos serviços públicos e danos aos seus usuários, como maior relevância os menos favorecidos economicamente, eis que mais dependentes das prestações públicas.

Ora, se a corrupção se contrapõe aos direitos fundamentais, é correto dizer que estando o Estado e a sociedade livre de tal mal, estarão esta- belecidas, em grande parte, as condições para que os direitos e garantias fundamentais se efetivem, aprimorando a qualidade de vida de todas as pessoas. Em outras palavras, é correto afirmar que se qualificam dentre os Direitos Fundamentais a expectativa de viver em um mundo livre de corrupção.

E aqui somos forçados a invocar a previsão constitucional presente no parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Brasileira, que estabelece que

“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

Ou seja, os direitos fundamentais não são apenas aqueles que se encon- tram referidos no texto constitucional, já que podem ser os decorrentes do seu regime e dos princípios adotados pela Carta, mesmo que escritos. Ressalte-se, inclusive, que pelos textos transcritos acima, parece-me haver uma tendência das Nações Unidas em fixar o direito a um mundo livre de corrupção no rol dos Direitos Humanos.

Nesse contexto, sendo certo que tudo aquilo que densifica e aprimora os direitos fundamentais, passam a gozar do mesmo status normativo, tem-se que um Estado e uma sociedade livres de corrupção, assim como os mecanismos legais concebidos para garantir esta condição, constituem direito fundamental titularizado pela sociedade brasileira.

O reconhecimento deste status ao Direito a uma vida livre de corrupção tem grande importância jurídico-constitucional, porquanto passam as políticas públicas tendentes a limpar o Estado a ser regidas pelo princípio

constitucional da vedação de retrocesso, não podendo ser atacadas,

revogadas ou desconstituídas por aqueles que integram um Poder conta- minado pela corrupção.

Sabidamente, em momentos de descoberta de grandes escândalos de corrupção, forças obscuras, advindas das classes que se beneficiam dos imbróglios, iniciam movimento para atacar tanto os agentes responsáveis

pelas investigações, suas instituições e o próprio arcabouço normativo que legitima as ações anticorrupção, pelo que a construção de uma blindagem se faz necessária.

Assim, esse imoral movimento, à luz do princípio da vedação de retrocesso, não teria condições constitucionais de se efetivar, porquanto representaria um ataque a ferramentas legalmente instituídas para garantir o Direto Fundamental a uma vida livre de corrupção. E, como qualquer ataque a uma garantia ou a um Direito Fundamental, ou mesmo a uma ferramenta que o densifica, o retrocesso afigurar-se-ia inconstitucional.

A mesma força normativa da constituição que se aplica aos Direitos Fundamentais deve ser estendida aos comportamentos que atentem contra suas ferramentas defesa, motivo pelo qual é correto classificar o Direito a um Estado e a uma sociedade livre de corrupção dentre os Direitos e Garantias Fundamentais.

6. Conclusões

Ante a análise realizada no presente artigo, podemos concluir que: a) A corrupção gera evidentes impactos sobre o desenvolvimento eco-

nômico, porquanto tem o efeito de subverter os pilares que sustentam a ordem econômica, tais como a livre concorrência, a vedação de favorecimento concorrencial e controle artificial de preços, dentre outros;

b) Prejuízos ao desenvolvimento econômico, inibem a concreção do primado constitucional presente no artigo 170, CF, no sentido de que a Ordem Econômica “tem por fim assegurar a todos existência digna,

conforme os ditames da justiça social”. De fato, ao distorcer os princípios

sustentadores da Ordem Econômica, a corrupção tem o efeito de reduzir a criação de riqueza e sua difusão sobre toda a sociedade, gerando não apenas pobreza, mas também concentração da riqueza produzida;

c) No âmbito do Estado, a corrupção impacta negativamente na governança, fazendo que o exercício do poder não se dê segundo os propósitos constitucionais, e que o processo de tomadas de decisões não tenha como norte orientador único o bem comum.

d) O impacto negativo sobre a governança gera serviços públicos deficitários e ineficientes, com maior impacto sobre as populações menos favorecidas, que se afiguram mais dependentes das prestações públicas do que as de melhor renda. Com isso, os mais pobres, pro- vavelmente já vitimados pelo esfacelamento que a corrupção impôs sobre a Ordem Econômica, não são eficazmente protegidos pelo Estado, não detendo perspectiva para a efetivação de seus Direitos Fundamentais e para a melhoria de suas condições de vida;

e) Por gerar reflexos prejudiciais aos Diretos e Garantias Fundamentais, a corrupção deve ser compreendida como um atentado a tais prerrogativas. Por outro lado, o sistema normativo concebido para combater a corrupção e garantir um Estado e uma sociedade limpa, bem como seus instrumentos de efetivação, integram o mesmo espectro de Direitos Fundamentais, pelo que se submetem ao princípio constitucional da vedação de retrocesso.

Assim, pode-se afirmar que a corrupção atinge duplamente os mais pobres; causa pobreza por desestruturar a Ordem Econômica, e prejudica lhes a oferta e qualidade dos serviços públicos indispensáveis a sua digni- dade. Dessa forma, os instrumentos de combate à corrupção, por atacarem um fenômeno que atenta contra os Direitos Humanos Fundamentais, devem ostentar tratamento normativo mais robusto, de modo a se manterem hígidos mesmo diante de investidas promovidas por integrantes de um Poder Público contaminado pela corrupção.

Referências

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e os instrumentos de controle da corrupção

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