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– A Study of the Link Between Corruption and Poverty

4.  A relação entre corrupção e pobreza Risco de não efetivação das promessas constitucionais

4.3.  Impactos da corrupção na governança

Primeiramente, cabe destacar que a expressão governança (governance) foi cunhada a partir de provocações titularizadas pelo Banco Mundial, objetivando alcançar o necessário conhecimento e implementação das condições garantidoras da eficiência estatal. O professor Alcindo Gonçalves, Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, e titular do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Católica de Santos, escreveu artigo8 dedicado a dissecar o conteúdo jurídico de governança

tendo asseverado que:

“Segundo o Banco Mundial, em seu documento Governance and Development, de 1992, a definição geral de governança é “o exercício da autoridade, controle, administração, poder de governo”. Precisando melhor, “é a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país visando o desenvolvimento”, implicando ainda “a capacidade dos governos de planejar, formular e implementar políticas e cumprir funções”

Em um ambiente em que a corrupção está invariavelmente presente, ela assume uma dinâmica epidêmica, contagiando não apenas o mercado, mas também o próprio funcionamento do Estado, desvirtuando o processo decisório, distorcendo as escolhas, invertendo prioridades, o que faz com que as atividades estatais, das mais singelas, como limpeza urbana, às mais complexas, como o processo legislativo, sejam exercidas sob influência 8 In CONCEITO DE GOVERNANÇA. Disponível em http://www.publicadireito.com.

de processos corruptivos, e, consequentemente, sem compromisso com a eficiência e com o seu próprio propósito institucional, como o bem comum.

O que se quer dizer é que quando a corrupção integra o dia a dia das organizações estatais, ela, em alguma medida, intervém na forma como o poder é exercido e no processo por meio do qual as escolhas são realizadas, o que significa dizer que causa dano à governança e impacta diretamente nos serviços públicos colocados à disposição da população.

Ressalte-se que as populações mais pobres, em regra, por falta de poder econômico, não têm outra opção senão buscar os serviços ofertados pelo Estado. Nesse sentido, quando governança se vê afetada pela corrupção, são essas comunidades menos favorecidas que mais sentirão os efeitos deletérios das más escolhas.

Não raras vezes, presente a corrupção, as decisões no sentido de se implementar determinadas políticas públicas e/ou quanto ao aporte de recursos são adotadas apenas para gerar oportunidade de desvio de valores ou concessão de benefícios mútuos entre os envolvidos, sem haver qualquer preocupação real com sua eficiência, necessidade e efetivo atendimento da população (vide os casos concretos citados adiante). Em outras oportunidades, os serviços públicos mais elementares, que haveriam de ser disponibilizados graciosamente às pessoas, apenas são realizados mediante pagamentos ou ante a troca de favores, como o caso denunciado pela imprensa de médicos públicos que cobravam por procedimentos9.

A conduta dos agentes públicos desonestos, ou inseridos em organismos estatais contaminados pela corrupção, deixa de ser regida pelo interesse público e pelas promessas constitucionais inerentes ao bem comum, para se estabelecer com base em uma nociva relação regida pela troca de favores, que, obviamente, não comporta a presença das camadas desfavorecidas da sociedade.

Cria-se, assim, pouco a pouco, um mecanismo que além de gerar ine- ficiência, consolida uma cultura de exclusão dos menos favorecidos, um sentimento de que o estado das coisas não pode ser diferente, agravando o processo de marginalização e de indignidade social dos mais pobres, que sequer reconhecem em si mesmo a condição de titulares de direitos.

9 http://g1.globo.com/hora1/noticia/2016/11/medicos-do-sus-sao-denunciados-por-

Ou seja, os mais pobres, exatamente os que mais dependem da proteção e dos serviços disponibilizados pelo Estado, como forma de efetivação dos seus direitos e garantias fundamentais, são excluídos pelo desumano processo instaurado a partir das relações não ortodoxas estabelecidas no seio das instituições públicas, aspecto esse que agrava a situação de indignidade humana.

E essa perversa mecânica, tal qual constatado pela pesquisadora DEEPA NARAYAN, citada em artigo referido acima, sedimenta nos mais pobres a percepção de que não são detentores de direitos, que suas vozes não têm valor e que suas aflições são desimportantes, o que tem o efeito de agravar suas condições sociais, tornando-os, ainda, mais vulneráveis a abusos de autoridade, a negligência com sua saúde, a segurança, etc. Os desfavore- cidos, que imprescidem de uma conduta proativa do Estado no sentido do resgate de sua dignidade, são os primeiros a serem excluídos do sistema pelos processos corruptivos.

São diversos os papers, artigos e estudos que analisam a conexão entre corrupção associando a corrupção à violação ou não efetivação dos direitos humanos básicos. Nesse ponto, vale citar manifestações das Nações Unidas sobre o tema:

Human rights are indivisible and interdependent, and the consequences of corrupt governance are multiple and touch on all human rights — civil, political, economic, social and cultural, as well as the right to development. Corruption leads to violation of the government’s human rights obligation “to take steps… to the maximum of its available resources, with a view to achieving progressively the full realization of the rights recognized in the [International] Covenant [on Economic, Social and Cultural Rights]”. The corrupt manage- ment of public resources compromises the government’s ability to deliver an array of services, including health, educational and welfare services, which are essential for the realization of economic, social and cultural rights. Also, the prevalence of corruption creates discrimination in access to public services in favour of those able to influence the authorities to act in their personal interest, including by offering bribes. The economically and politically disadvantaged suffer disproportionately from the consequences of corruption, because they are particularly dependent on public goods.

Corruption may also affect the enjoyment of civil and political rights. Corruption may weaken democratic institutions both in new and in

long-established democracies. When corruption is prevalent, those in public positions fail to take decisions with the interests of society in mind. As a result, corruption damages the legitimacy of a democratic regime in the eyes of the public and leads to a loss of public support for democratic institutions. People become discouraged from exercising their civil and political rights and from demanding that these rights be respected.10

É importante destacar que a questão não se resume apenas a uma argumentação teórica. Nossa experiência profissional na área já demons- trou situações que se enquadram exatamente no que acima foi descrito. Citamos alguns exemplos:

• Operação Sanguessuga da Policia Federal em que se descobriu um esquema envolvendo um grupo empresarial, parlamentares federais, servidores públicos e prefeitos municipais que desviavam recursos do Ministério da Saúde sob a justificativa de compra de Unidades 10 Em livre tradução: Os direitos humanos são indivisíveis e interdependentes, e as conse-

quências da governança corrupta são múltiplas e abordam todos os direitos humanos – civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, bem como o direito ao desenvolvimento. A corrupção leva à inobservância da obroigação governamental em relação aos diretos humanos de “tomar medidas ... até o máximo de seus recursos disponíveis, com o objetivo de alcançar progressi- vamente a plena realização dos direitos reconhecidos no Pacto Internacional [sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais] “. A gestão corrupta dos recursos públicos compromete a capacidade do governo de oferecer uma variedade de serviços, incluindo serviços de saúde, educação e assistência social, que são essenciais para a realização de direitos econômicos, sociais e culturais. Além disso, a prevalência da corrupção cria discriminação no acesso aos serviços públicos em favor daqueles que podem influenciar as autoridades para atuarem em seu interesse pessoal, inclusive oferecendo subornos. Os economicamente e politicamente desfavorecidos sofrem desproporcionalmente as consequências da corrupção, porque são particularmente dependentes dos serviços públicos.

A corrupção também pode afetar o gozo dos direitos civis e políticos. Corrupção pode enfraquecer instituições democráticas, tanto em democracias novas como nas antigas. Quando a corrupção prevalece, muitos que ocupam cargos públicos não tomam decisões com os inte- resses da sociedade em mente. Como resultado, a corrupção danifica a legitimidade de um regime democrático aos olhos do público, e leva a uma perda de apoio público às instituições democráticas. As pessoas desanimam de exercer os seus direitos civis e políticos e de exigir que estes direitos sejam respeitados. Fraude eleitoral e corrupção no financiamento dos partidos políticos são outras práticas corruptas, mais diretamente relacionados com o gozo dos direitos civis e políticos”

Móveis de Saúde para atender a população dos municípios. Na verdade, percebeu-se que o principal propósito do esquema era viabilizar o recebimento de propinas pelos parlamentares envolvidos, e que seriam pagas por meio do grupo empresarial toda vez que conseguissem concretizar uma venda, e não o efetivo atendimento da população. Em alguns casos detectou-se que o veículo entregue estava sem uso, abandonado, tendo sido seus equipamentos retirados. Algumas prefeituras receberam veículos sem sequer possuir uma equipe para operá-lo11;

• Em outro caso, descobriu-se um esquema envolvendo agentes muni- cipais, particulares e entidade do 3º setor concebido para desviar recursos do Ministério da Saúde. No caso, uma ONG foi contra- tada para administrar serviços municipais de saúde, os quais não foram disponibilizados à população. Nos trabalhos de investigação descobriu-se que ONG, embora tenha recebido milhões de reais, teve apenas um funcionário integrante dos seus quadros por um período de apenas 2 meses. O município em tela possui um dos menores IDHs do Estado do Paraná (307º entre 399 – dados de 2010);12-13

• Um terceiro esquema envolveu desvio de recursos destinados à aquisição de medicamentos para assistência farmacêutica básica por prefeitos municipais. Nesse caso, constatou-se concorrências públicas e contratos simulados, montados apenas para justificar a movimentação dos recursos. Auditorias realizadas detectaram que os medicamentos jamais foram entregues;14

• Um quarto exemplo envolveu um esquema que desviou alguns milhões de um programa de inclusão digital de crianças carentes. Tratou-se de uma parceria firmada com uma fundação privada que previu a criação de 5 centros de informática móveis, que deveriam 11 http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/125453 e http://www.agu.

gov.br/page/content/detail/id_conteudo/80480. Consultas realizadas no dia 29/12/2017.

12 http://www.agu.gov.br/noticia/improbidade-agu-ajuiza-acao-contra-acusados-de- -desviar-mais-de-r-1-milhao-da-saude--418797. Consultado em 29/12/2017. 13 http://www.ipardes.gov.br/pdf/indices/IDHM_municipios_pr.pdf. Consultado em 29/12/2017. 14 http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/571224. Consultado em 29/12/2017.

se deslocar nos bolsões onde viviam as pessoas mais pobres, e um fixo. Constatou-se que os computadores novos previstos no programa nunca foram adquiridos e que os veículos onde seriam instalados os centros móveis foram objeto de aquisição simulada;15

Os exemplos acima demostram violações a serviços públicos ligados às necessidades básicas das populações mais carentes, como saúde e educação, o que agrava a situação de pobreza econômica já enfrentada por estas pessoas e suas famílias, importando em severa violação de seus direitos humanos. Importante destacar que essas consequências que a corrupção impõe sobre os direitos fundamentais não são uma exclusividade do Brasil, tratando de percepções comuns a todos os Estados que sofrem com o fenômeno. Nesse sentido, destaco relevante trabalho desenvolvido conjuntamente pelo

International Council on Human Rights Policy e pela Transparency International,

denominado Corruption and Human Rights: Making the Connection:

As identified in the ICHRP report, it is the vulnerable and marginalised – women, children and minority groups – who often suffer corruption’s harshest consequences. In dealings with police, judges, hospitals, schools and other basic public services, poor citizens tend to suffer more violations than the rich and see a larger share of their resources eaten away. In Mexico, it is estimated that approximately 25 percent of the income earned by poor households is lost to petty corruption.

Those with the least influence are left with little recourse against bribery. In Bangladesh, surveys show that nearly one-third of girls trying to enrol in a government stipend scheme for extremely poor students had to pay a bribe, while half had to make a ‘payment’ before collecting their awarded scholar- ship. In Madagascar, one-quarter of all households are forced to cover school ‘enrolment’ fees although all primary education is ‘free’.

...

Those who commit corrupt acts will attempt to protect themselves from detection and maintain their positions of power. In doing so, they are likely to further oppress people who are not in positions of power, including most 15 http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/568211. Consultado em

members of the groups listed above. The latter tend both to be more exploited, and less able to defend themselves: in this sense, corruption reinforces their exclusion and the discrimination to which they are exposed.16

Como se observa, a corrupção além de reduzir as possibilidades de desenvolvimento econômico, o que atinge com maior rigor os grupos menos favorecidos, também tem o efeito de inibir a gozo de direitos por esta mesma parcela da humanidade, que, por substancialmente dependente dos serviços públicos, vê agravada a sua situação de pobreza.

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