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O “transplante jurídico” dos programas de compliance anticorrupção Hodiernamente, enfrenta-se a corrupção transnacional por meio do

Legal deontology of chief compliance officer in Brazil: articulation between public and private actors in the

2.2.  O “transplante jurídico” dos programas de compliance anticorrupção Hodiernamente, enfrenta-se a corrupção transnacional por meio do

intercâmbio de experiências e harmonização de legislações nacionais de diversos países, a fim de evitar a criação de zonas de impunidade e compro- meter o equilíbrio de mercado. Em que pese a uniformidade regulatória se colocar como necessidade dos agentes econômicos no ambiente de interdependência global, o “transplante” de instrumentos forjados em sistemas estrangeiros suscita questionamentos e desafios.

Fala-se em transplante legal37 dos programas de compliance por se

tratar de instrumento de política de origem norte-americana, surgido no contexto pós-crise de 1929. O termo “compliance” deriva da tradução literal do verbo anglo-saxão “to comply”, cujo sentido parece expressar uma obviedade – o dever de agir conforme uma regra, um comando e/ou regulamento. Etimologicamente, a palavra deriva do latim complere, cujo significado está atrelado à vontade de fazer o que foi pedido, ou de agir ou estar em concordância com regras, normas, condições.38

37 Parte da literatura cita como marco normativo expresso da existência de normas de

compliance em nosso ordenamento jurídico a Resolução do Banco Central n. 2.554/98, que

pôs em prática as Recomendações da Basiléia I, no ambiente das instituições finanneiras e combate à lavagem de Dinheiro. A título ilustrativo, vide CARDOSO, Débora Motta. Criminal

Compliance na perspectiva da Lei de Lavagem de dinheiro. São Paulo: LiberArs, 2015, 208p.

38 BLANCO CORDERO, Isidoro. Eficacia del sistema de prevención del blanqueo de

capitales estúdio del cumplimiento normativo (compliance) desde uma perspectiva crimi- nológica. Eguzkilore Cuadernos del Instituto Vasco de Criminologia, n.23, p.120.

Note-se, pois, que a palavra compliance traduz certa ambivalência: em sentido estrito, denota o dever de observância da normativa legal pertinente; em sentido amplo, esboça o caráter ético e de governança empresarial. Adota-se neste artigo a acepção ampla, por ressaltar o conteúdo ético e de responsabilidade social atrelado à incorporação de programas de compliance pelas empresas. Afora isso, auxilia na compreensão da prática de corrupção transnacional como indicativo de falha de governança pública e/ou privada.

O “transplante” de instrumentos de políticas públicas pode suscitar três ordens de problemas: 1) ineficiência, inadequação e insuficiência do sistema vigente; 2) esforço de alinhamento com as premissas que lastreiam o mecanismo; 3) distorções na adaptação do mecanismo estrangeiro, quando a harmonização constitui premissa da transplantação39.

A incorporação dos programas de compliance anticorrupção fora extraída do desenho de política contido nas convenções internacionais ratificadas pelo Brasil (hard Law) e nos dados coletados por organizações não governamentais (soft Law). A ratificação e promulgação da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais pelo Brasil – OCDE, representou a construção de um novo paradigma regulatório e de controle40bem como

39 WATSON, Alan. Op.cit.p, 21ss.

40 Art.3º da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos

Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais – OCDE: 1 A corrupção de um fun- cionário público estrangeiro deverá ser punível com penas criminais efetivas, proporcionais

e dissuasivas. A extensão das penas deverá ser comparável àquela aplicada à corrupção do

próprio funcionário público da Parte e, em caso de pessoas físicas, deverá incluir a privação da liberdade por período suficiente a permitir a efetiva assistência jurídica recíproca e a extradição. 2 Caso a responsabilidade criminal, sob o sistema jurídico da Parte, não se aplique a pessoas jurídicas, a Parte deverá assegurar que as pessoas jurídicas estarão sujeitas a sanções

não-criminais efetivas, proporcionais e dissuasivas contra a corrupção de funcionário público estrangeiro, inclusive sanções financeiras.

3 Cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias a garantir que o suborno e o

produto da corrupção de um funcionário público estrangeiro, ou o valor dos bens corres-

pondentes a tal produto, estejam sujeitos a retenção e confisco ou que sanções financeiras

de efeito equivalente sejam aplicáveis.

4 Cada Parte deverá considerar a imposição de sanções civis ou administrativas adicionais à pessoa sobre a qual recaiam sanções por corrupção de funcionário público estrangeiro. Disponível em: <www.cgu.gov.br/assuntos/articulacao-internacional/imagens/convencao- -da.../pdf>. Acesso em: 19 de set. 2015.

o compromisso com a efetividade e equivalência dos instrumentos de implementação.

A abertura da agenda brasileira promovida pela Convenção da OCDE41

fomentou a participação brasileira em inúmeros tratados regionais anti- corrupção, dentre os quais, destacam-se a Convenção Interamericana contra a Corrupção no âmbito da Organização dos Estados Americanos – OEA, assinada em 1997 e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, assinada em 09 de dezembro de 2003 na cidade de Mérida, no México. No plano normativo, legitimada pelo quantitativo expressivo de Estados participantes, a Convenção de Mérida fixou relevantes diretrizes de política, consubstanciando uma tomada de decisão global pelo trato político-criminal e cooperativo de enfrentamento do problema público corrupção.

Evidente que para assegurar a legitimidade dos tratados internacionais, as normativas fixadas nesses fóruns não podem ser reduzidas a meras cartas de boas intenções. Adquirir efetividade é, sobretudo, acompanhar a implementação das medidas, ocupar-se dos resultados alcançados, assegurar transparência e accountability.

Extraem-se desses documentos o fomento à adoção de medidas preventi- vas, de perfil dissuasório, em contraponto as medidas repressivas, post facto, voltadas especialmente a recuperação futura dos prejuízos suportados pelo dinheiro público desviado. Importante destacar que a busca por efetividade no enfrentamento da corrupção não reflete apenas uma demanda do Estado (dada à ineficiência demonstrada no controle pontual deste problema público), mas, sobretudo uma demanda do setor privado interessado em se manter integrado, em condições equilibradas no ambiente comercial global e resguardado em termos reputacionais.

Sem embargo da influência norte-americana na concepção dos programas de compliance anticorrupção, são claras as irritações jurídicas provocadas pela tentativa de se reproduzir fielmente institutos do sistema anglo-saxão em um sistema de civil Law, e que precisam ser superadas. Para os críticos da tese de Watson acerca de “transplantes jurídicos”, as diferenças exis- tentes entre os sistemas jurídicos anglo-saxão (EUA) e romano-germânico (Brasil) desaconselhariam o transplante legal dos programas de compliance 41 LEAHY, Joe. Brazil: The creaking champions. Financial Times, 2013, conforme terceiro

anticorrupção, dada a impossibilidade de transposição do instrumento “puro”, desconectado dos valores sociais que o conformam.

Sem embargo do paralelo infeliz que a expressão “transplante jurídico” induz, o que justifica o transplante jurídico dos programas de compliance é justamente o sentido de mudança e aperfeiçoamento da política, seja pela ineficiência dos mecanismos então vigentes no Brasil, seja pela necessi- dade de integração e coordenação global com os propósitos da política. Nesse sentido, irritações jurídicas provocadas pelo transplante, ainda que decorrentes dos valores sociais que lhes são subjacentes, são desejáveis e até esperadas.

Nesta senda, fundamental que o processo de transplantação guarde consonância com as premissas do instituto adotadas no país de origem e com as finalidades que motivaram a transplantação42. Bem por isso, não

cabe aqui construir um programa de compliance à brasileira, totalmente apartado das diretrizes que justificaram sua criação. Impõe-se a harmo- nização de ordenamentos. Nessa senda, o Chief Compliance Officer deve assumir o protagonismo no processo de implementação dos programas de compliance anticorrupção.

2.3.  O Chief Compliance Officer enquanto ator privado-público

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