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Um breve relato da ação civil pública de improbidade administra tiva objeto de estudo

pelo ministério público federal: análise da decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região

2.  Um breve relato da ação civil pública de improbidade administra tiva objeto de estudo

Inicialmente, para contextualizar e melhor adequar a análise que se pro- põe a fazer neste artigo, cumpre-se fazer um breve relato – não aos moldes de relatório de decisão judicial – do processo judicial objeto deste estudo.

A União, através do seu órgão de representação, a Advocacia-Geral da União, ajuizou, em 30.05.2016, ação civil pública de improbidade adminis- trativa em face de pessoas físicas (agentes públicos) e jurídicas envolvidas em um dos braços da Operação Lava-Jato, em que objetiva a condenação dos réus ao ressarcimento dos danos materiais causados pela atuação de Cartel formado pelas empresas e do proveito econômico por eles obtido decorrente de obras realizadas em duas refinarias e dois gasodutos da PETROBRÁS, quais sejam, a Refinaria Getúlio Vargas (REPAR), Refinaria Abreu e Lima (RENEST), Gasoduto Pilar-Ipojuca e Gasoduto GLP Duto Urucu-Coari. Calcada em provas e documentos obtidos nas investigações levadas a cabo pela Polícia Federal e em decisões judiciais já proferidas nas ações criminais propostas pelo Ministério Público Federal, assim como nos fatos relatados em acordos de colaboração premiada, a União busca demonstrar na petição inicial a existência de atos de improbidade administrativa, a for- mação de Cartel entre as pessoas jurídicas envolvidas (“ajuste prévio entre as empreiteiras para, em conluio com agentes públicos, afastar qualquer concorrência real para as contratações com a empresa petrolífera”3) e, para

esses contratos específicos, um desvio de patrimônio público (superfatura- mento de obras e propina) em valor estimado de R$ 1.533.745.705,42 (um bilhão, quinhentos e trinta e três milhões, setecentos e quarenta e cinco mil, setecentos e cinco reais e quarenta e dois centavos), requerendo sejam os réus condenados a ressarcir o dano apurado.

Requereu a União, também, a condenação dos réus pessoas físicas e jurí- dicas ao pagamento de multa civil equivalente a três vezes o dano material apurado, ou seja, em valor superior a quatro bilhões de reais, assim como das pessoas físicas agentes públicos envolvidos às penalidades previstas no artigo 12 da Lei 8.429/92 (LIA).

Depois do ajuizamento do feito, sobreveio Acórdão do Tribunal de Contas da União (nº 2.109/2016), em que se apurou desvio de mais de dois bilhões de reais em dois, dos três contratos objeto da Ação Civil Pública em questão, razão pela qual a União requereu, como medida cautelar preparatória à satisfação do objeto final da ação, a decretação da indisponibilidade dos bens dos réus, tendo por fundamento jurídico os artigos 7º, da Lei 8.429/92, e os artigos 294, 300 e 301 do Código de Processo Civil.

Em histórica decisão permeada por fundamentos jurídicos, fáticos e históricos4 o juiz Federal Friedmann Anderson Wendpap decretou, em

novembro de 2016, a:

indisponibilidade de todos os bens imóveis das pessoas jurídicas rés no Brasil e no exterior; (...) indisponibilidade de metais e pedras preciosas, obras de arte, antiguidades, objetos raros, titularizados pelas empresas rés; (...) a indis- ponibilidade de veículos titularizados pelas empresas e que não se prestem à execução do objeto social, tais como barcos, aviões, automóveis para passageiros de valor superior a cem mil reais.

Determinou-se, ainda, o depósito mensal de parte do faturamento das empresas rés, a fim de acautelar o pagamento do dano já apurado e dos futuros valores que porventura venham a ser detectados como desviados também no decorrer da ação de improbidade.

O Ministério Público Federal, em sua promoção nos autos, noticiou a existência de acordo de colaboração premiada com alguns dos réus pessoas físicas e de acordos de leniência com réus pessoas jurídicas, dentre os quais a ODEBRECHT S/A, em que foram aplicadas sanções pecuniárias que se sobreporiam à condenação requerida pela União na Ação Civil Pública (compromisso de pagamento de oito bilhões e quinhentos e doze milhões de reais, dos quais 97,5% serão destinados aos entes e entidades públicas 4 Do corpo da decisão interlocutória extrai-se, por exemplo, o seguinte: “As cilhas tem-

pranas do dever jurídico e moral de restituírem ao País a riqueza que subtraíram em jocosas transações servirão para denotar que não quedarão como potro folgazão que foge da baia e troteia como se nada houvera acontecido, gazeando enquanto as vítimas do dano laboram para construir boa-fé nas relações políticas, econômicas e jurídicas. A confiança é virtude social ensejadora da prosperidade. A contrição de quem pecou é parte do comportamento que se espera no caminho da redenção. O Padre Antônio Vieira dizia que no nascimento somos filhos de nossos genitores e na ressurreição, de nossas obras. Esse é o iter exigível de quem se acumpliciou para o aluimento da democracia. As pessoas físicas e jurídicas que participaram da ruína ética do País têm o dever cívico de obrar pela edificação. O Brasil institucionalista deve se afirmar ante o Brasil patrimonialista. O Brasil que sonha assemelhar-se às democracias europeias, distanciando-se das tragicômicas republiquetas que perpetuam a miséria, deve dizer que a honestidade no trato dos bens públicos é direito fundamental da cidadania. Os acionistas minoritários da Petrobrás tiveram seus direitos humanos (art. 17 da Declaração Universal dos Direitos Humanos) conspurcados pela ilicitude que drenava os recursos da empresa para o enriquecimento de oligarcas políticos e empresariais enquanto empobrecia milhares de vítimas inscientes e incapazes de se defender.”

lesadas) e que, permanecendo a indisponibilidade dos bens, estaria ocor- rendo bis in idem, pois as empresas signatárias do acordo de leniência estariam sendo duplamente responsabilizadas financeiramente pelo mesmo evento danoso, assim como havia, no acordo, cláusula impeditiva da cobrança de outras sanções aos então colaboradores.

Instaurou-se, no feito, um debate acerca dos efeitos dos acordos de leniência firmados pelo MPF com as pessoas jurídicas envolvidas nos ilícitos apurados no âmbito da “Operação Lava-jato” no tocante ao ressarcimento dos danos causados ao erário, sustentando a União a impossibilidade de extensão “de modo automático e obrigatório aos demais órgãos da União (AGU, CGU, TCU) [d]as condições e valores acordados nas negociações por ele conduzidas de modo isolado”, pois “nenhum destes órgãos participou efetivamente das negociações ou pôde influenciá-las de modo decisivo e por isso mesmo não se vincularam aos termos em que elas foram concluídas” (excerto extraído de petição protocolada nos autos em referência).

O juiz de primeiro grau, entendendo que o Ministério Público, ao firmar o acordo de leniência, age visando o interesse primário da Administração Pública Federal e que, portanto, manter o bloqueio dos bens da referida pessoa jurídica implicaria negar eficácia ao acordo celebrado “por mera dissidência entre órgãos que compõem o Estado em si (unitariamente concebido)”, assim como porque o valor pactuado excederia o montante informado pela União a título de dano a ser ressarcido na ação de impro- bidade, revogou a medida cautelar de decretação de indisponibilidade de bens das empresas do Grupo Odebrecht.

Em face dessa decisão, a União interpôs agravo de instrumento (AI 5023972-66.2017.4.04.0000) e o Tribunal Regional Federal da 4ª região, em julgamento realizado em 22.08.2017, reformou a decisão de primeiro grau e, sob o fundamento de que, para plena validade e eficácia do acordo de leniência firmado entre o Ministério Público Federal e o Grupo Odebrecht haveria necessidade de “re-ratificação” no âmbito administrativo pelos demais entes interessados, quais sejam, a Controladoria-Geral da União, a Advocacia-Geral da União e o Tribunal de Contas da União, manteve o bloqueio dos bens do grupo5 e a penhora de parte do faturamento das

empresas rés.

5 Antes, porém, em 29.05.2017, ao receber a petição inicial de agravo de instrumento,

A decisão não é definitiva, pois ainda estão pendentes de julgamento os embargos de declaração opostos pelo MPF e pela empresa inte- ressada.

Eis, portanto, o embate surgido a partir dos fatos constantes dos autos e que cercam a figura do acordo de leniência: qual é a autoridade competente para firmar acordo de leniência no âmbito do Poder Executivo Federal? O acordo de leniência pode ser entabulado exclusivamente pelo Ministério Público Federal? Há autorização legislativa que o legitime? Há antinomia entre as determinações legais da LIA e da LAC no que tange às sanções aplicáveis às pessoas físicas e às pessoas jurídicas de direito privado? A decisão tomada pelo TRF4 neste caso, até o momento, revela-se adequada à solução da controvérsia instalada?

Tentaremos responder a essas perguntas no decorrer deste artigo, a partir das conclusões lançadas pelo Tribunal na decisão proferida.6

fundamento de que a LIA não admite acordo em relação ao seu objeto e que, portanto, o acordo de leniência seria inválido para os fins buscados na ação de improbidade, o que será abordado adiante.

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