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Breves linhas sobre o constitucionalismo da União Europeia

e os instrumentos de controle da corrupção Brief appointments on the european legal system

2.  Breves linhas sobre o constitucionalismo da União Europeia

Muito se discute, em comparação ao Direito Constitucional clássico, sobre a existência de uma Constituição Europeia, muito embora tenha ocorrido o fracasso do Tratado Constitucional de Roma de 29 de outubro de 2004.

Sob uma perspectiva formal e material de Constituição, poderíamos definir alguns elementos que seriam comuns dentro da conceituação tradicional do tema:

1. a existência de um ou mais documentos que codificam a maior parte de um Direito Constitucional;

2. hierarquia ou possibilidade de coerção em relação ao restante da legislação;

3. fruto da manifestação do poder constituinte originário, um dos elementos formadores do Estado, o povo, e;

4. conjunto de normas que definem os valores, fins, objetivos, direitos e garantias fundamentas, seja em face dos demais indivíduos, seja em face do Estado, bem como formatam o Ente estatal, definindo seus órgãos e funções.

Ainda com foco na perspectiva material, a função da Constituição2

prende-se à formatação de instituições da máquina governamental, com o 2 Entendemos como Constituição, o conjunto de regras fundamentais com uma força

respeito a determinados valores e princípios consagrados pelos documentos instituidores.

Colocadas tais premissas, neste contexto, continua a ser problemático individualizar no direito da União Europeia uma Constituição no sentido de um instrumento criado por um poder constituinte originário, proveniente de um povo em um determinado momento histórico, com representantes previamente escolhidos para tal finalidade nos moldes de uma tradicional assembleia nacional constituinte.

Igualmente é certo que as atuais Constituições, mesmo considerando os modelos clássicos, admitem a inserção de normas, de igual grandeza, até mesmo colocadas em posição de destaque no contexto do texto, mesmo que não proveniente do poder constituinte originário,3 mas por procedimentos

específicos dos poderes instituídos.

Por outro lado, encontra-se, certamente, no direito da União Europeia, um conjunto de regras e princípios básicos relativos aos três poderes públicos – legislativo, executivo e judiciário – bem como um conjunto de regras e princípios, atinentes aos direitos dos cidadãos.

O TUE (Tratado da União Europeia) indica explicitamente no seu artigo 2º,4 a base valorativa da União, com vinculação do legislador e do

administrador da União e dos seus Estados, inclusive dos Tribunais da União e dos Tribunais nacionais. Neste ponto, identificamos valores eleitos como o respeito pela dignidade humana, a liberdade, democracia, igualdade, do Estado de direito, o respeito as minorias, similares aos consagrados tradicionalmente pelas Constituições dos Estados.

O artigo 3º do TUE prevê os fins da União que coincidem com as finali- dades dos Estados que compõem o bloco. Seriam eles, a promoção da paz,

de uma comunidade política ou de uma pluralidade de comunidades políticas integradas num todo mais vasto.

3 A título de exemplo, cito o artigo 5º, parágrafo 3º da Constituição Brasileira:

“§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem apro- vados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

4 A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da demo-

cracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres.

dos seus valores e do bem-estar dos povos (nº 1); a liberdade, a segurança e a justiça (nº 2); O desenvolvimento sustentável, face num crescimento econômico equilibrado, o pleno emprego e o progresso social e a melhoria da qualidade do ambiente (nº 3, par. 1º); o combate à exclusão social e às discriminações, a promoção da justiça e da proteção social, a igualdade entre homens e mulheres, a solidariedade entre gerações e a proteção dos direitos das crianças (nº 3, par. 2º), caminham no sentido dos bens e inte- resses comuns, tradicionalmente adotados em constituições dos Estados. Os órgãos da União, que possuem personalidade jurídica própria,5 dentro

da sua atual estrutura e atribuição, devem respeitar os valores consagrados quando editam atos legislativos ou administrativos. Tais fatores são coloca- dos pelo TUE desde as práticas administrativas internas até a sua atuação externa (artigos 3º, nº 5, e 21º, nº 1, e nº 2, al. a).

Os Estados, igualmente, devem respeitar valores eleitos da União. Segundo o artigo 49º6 do TUE, a adesão à União de um novo Estado-membro

depende, antes de qualquer coisa, do respeito dos valores referidos no artigo 2º do mesmo Tratado. Ainda de acordo com o artigo 7º7 a existência de

violação ou até mesmo o risco de violação dos valores referidos no artigo 2º, pode levar à suspensão de certos direitos dos Estados. A repercussão

5 Artigo 47º: A União tem personalidade jurídica. TUE. Disponível em: <https://www.

parlamento.pt/europa/Documents/Tratado_Versao_Consolidada.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2018.

6 Qualquer Estado europeu que respeite os valores referidos no artigo 2º e esteja empe-

nhado em promovê-los pode pedir para se tornar membro da União. O Parlamento Europeu e os Parlamentos nacionais são informados desse pedido. O Estado requerente dirige o seu pedido ao Conselho, que se pronuncia por unanimidade, após ter consultado a Comissão e após aprovação do Parlamento Europeu, que se pronunciará por maioria dos membros que o compõem. São tidos em conta os critérios de elegibilidade aprovados pelo Conselho Europeu. As condições de admissão e as adaptações dos Tratados em que se funda a União, decorrentes dessa admissão, serão objeto de acordo entre os Estados-Membros e o Estado peticionário. Esse acordo será submetido à ratificação de todos os Estados Contratantes, de acordo com as respetivas normas constitucionais.

7 Sob proposta fundamentada de um terço dos Estados-Membros, do Parlamento Europeu

ou da Comissão Europeia, o Conselho, deliberando por maioria qualificada de quatro quintos dos seus membros, e após aprovação do Parlamento Europeu, pode verificar a existência de um risco manifesto de violação grave dos valores referidos no artigo 2º, por parte de um Estado- Membro. Antes de proceder a essa constatação, o Conselho deve ouvir o Estado-Membro em questão e pode dirigir-lhe recomendações, deliberando segundo o mesmo processo.

de eventual suspensão pode atingir o direito de voto8 do representante

desse Estado no Conselho.

No entanto, a alteração introduzida pelo Tratado de Lisboa (TL), de 13 de dezembro de 2007, foi, sem dúvida, a mais impactante, do ponto de vista do aqui denominado constitucionalismo da União Europeia. Houve o reconhecimento dos direitos, liberdades e princípios contidos na CDFUE (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) com valor jurídico idêntico ao dos Tratados, artigo 6º nº 19 do TUE, considerando as fontes

do direito Europeu.

Parte da doutrina, inclusive, afirma que o TL teve por missão integrar a substância do rejeitado tratado constitucional de 2004.10

Por conseguinte, a União passou a dispor de um catálogo de direitos fundamentais, o qual pode ser invocado no Tribunal de Justiça da União Europeia e nos Tribunais nacionais.

O TL alargou igualmente as possibilidades de acesso dos indivíduos aos Tribunais da União Europeia.

Neste contexto vislumbramos características de um constitucionalismo,11

de modo a termos um conjunto de valores e fins, uma estrutura organi- zada, princípios interpretativos, salvaguarda de Direitos Fundamentais e, especialmente, com mecanismos que façam valer a autoridade de suas escolhas, com as características próprias que o bloco vem construindo ao longo de anos.

8 Se tiver sido verificada a existência da violação a que se refere o n. 2, o Conselho,

deliberando por maioria qualificada, pode decidir suspender alguns dos direitos decorren- tes da aplicação dos Tratados ao Estado-Membro em causa, incluindo o direito de voto do representante do Governo desse Estado-Membro no Conselho. Ao fazê-lo, o Conselho terá em conta as eventuais consequências dessa suspensão nos direitos e obrigações das pessoas singulares e coletivas.

9 A União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta dos

Direitos Fundamentais da União Europeia, de 07 de dezembro de 2000, com as adaptações que lhe foram introduzidas em 12 de dezembro de 2007, em Estrasburgo, e que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados.

10 Autores como Paulo de Pitta e Cunha preferem dar ao tratado a adjetivação de “res-

suscitador da Constituição Européia” (2008, p. 35).

11 O TJUE já definiu os tratados da União como a “carta constitucional de base de uma

Comunidade de Direito”, no acordão de 23 de abril de 1986, Os Verdes/Parlamento, 294/83, Colect. 1986, p. 1339, e por último o de 10 de julho de 2003, Comissão/BEI, C 15/00, Colect.2003, Pi7281, N. 75.

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