• Nenhum resultado encontrado

Da legitimidade para o acordo de leniência no âmbito do poder executivo federal e os efeitos jurídicos do acordo celebrado pelo

pelo ministério público federal: análise da decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região

6.  Da legitimidade para o acordo de leniência no âmbito do poder executivo federal e os efeitos jurídicos do acordo celebrado pelo

ministério público à luz da decisão do TRF4

Muito embora, como visto acima, de acordo com a Lei 12.846/2013, a legitimidade para a celebração desse acordo é da Controladoria-Geral da União11, o ponto nodal do processo judicial que suscitou o estudo proposto

neste artigo foi o fato de o Ministério Público Federal, no decorrer da ação de improbidade proposta pela União, ter firmado com as empresas do

Salgado e Ronaldo Pinheiro de Queiroz, Editora JusPodvium, Salvador-Bahia, 2015, p. 457

10 Outro debate, que não diz respeito especificamente à discussão proposta neste artigo,

liga-se à antinomia entre a LIA e a LAC no que tange à responsabilização objetiva da pessoa jurídica pelo ato de corrupção, pois alguns autores sustentam que a LIA já era suficientemente clara ao dispor sobre a responsabilidade subjetiva, sendo que o ilícito é rigorosamente o mesmo. Neste sentido escreveu Mauro Roberto Gomes de Mattos, em artigo publicado em 01.05.2015.

grupo ODEBRECHT acordos de leniência, nos quais se fez constar cláusula prevendo o compromisso do MPF em requerer o levantamento das ordens de bloqueio de bens da empresa, a fim de não intervir no cumprimento do pagamento da indenização acordada.

Em um primeiro momento, o relator responsável pelo recebimento do agravo no Tribunal Regional Federal, Des. Fed. Fernando Quadros da Silva (que não se manteve relator porquanto havia assumido a função por conta das férias do relator principal), concedeu efeito suspensivo ao agravo, sustentando que o acordo de leniência firmado pelo MPF não era válido e que, portanto, o bloqueio feito inicialmente e posteriormente revogado em decorrência do pacto firmado entre a empresa e o MPF deveria ser mantido.

Na oportunidade, a decisão foi assim fundamentada:

Ocorre que o art. 17, §1º, da Lei 8.429/1992 veda a transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade administrativa.

A intenção do legislador foi vedar a aplicação direta das sanções previstas no artigo 12 do mencionado diploma legal (Émerson Garcia e Rogério Pacheco Alves. Improbidade Administrativa. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002). Contudo, não existe impedimento ao estabelecimento de condições, por meio de transação, no que se refere à forma de reparação do dano, estando seu alcance restrito ao ressarcimento ao erário, que deve ser integral, não alcançando as demais sanções previstas na lei, inclusive no que se refere à multa civil, bem como não inviabilizando o ajuizamento ou prosseguimento da ação de improbidade.

Neste aspecto, o Acordo de Leniência deveria restringir-se a promover o integral ressarcimento ao erário, isso porque o direito patrimonial em questão é de ordem indisponível, sendo certo que o acordo não pode dispor a respeito das demais sanções de natureza civil, previstas no art. 12 da Lei 8.429/1992. A decisão, contudo, embora tecnicamente perfeita, pois aplica irres- tritamente as normas que dispõem sobre a impossibilidade de acordo, transação ou conciliação nas ações de improbidade e a ilegitimidade do MPF para os acordos de leniência, não se coaduna com a noção, vista acima, de um microssistema de combate à corrupção formado pelas legislações já citadas, dentre as quais se incluem a Lei de Improbidade Administrativa e a Lei Anticorrupção.

Com efeito, o acordo de leniência vem se revelando, especialmente no âmbito da “Operação Lava-Jato”, importante mecanismo de combate à corrupção, no sentido de que permite maior agilidade na apuração das infrações, na produção de provas fundamentais para as investigações, aptas a comprovarem a prática dos atos ilícitos, assim como possibilita a identificação de outros envolvidos nestes ilícitos. Os acordos de leniência e os acordos de colaboração premiada, na “Operação Lava-Jato”, foram fundamentais para a efetividade na coleta das provas e na celeridade na apuração dos ilícitos criminais e identificação de empresários e políticos envolvidos no escândalo.

Não se demonstrava adequada, portanto, do ponto de vista sistêmico, a decisão que meramente afastava o acordo de leniência firmado pelo Ministério Público Federal por rigorismo legal, ou seja, por uma interpre- tação literal dos dispositivos de lei aplicáveis ao caso concreto. Era preciso compatibilizar o acordo de leniência e a proposta do Ministério Público Federal com os objetivos da União com a propositura da ação de improbi- dade, quais sejam, a punição dos agentes ímprobos e o ressarcimento dos danos causados à PETROBRÁS pelas ações concatenadas e delituosas dos réus desta ação civil pública.

A União, em suas manifestações nos autos, buscou demonstrar a neces- sidade de visão sistêmica dos mecanismos de combate à corrupção, pois defendeu a eficácia limitada do acordo de leniência firmado pelo MPF com a empresa causadora de lesão ao erário, ou seja, ao mesmo tempo em que sustentou a existência do acordo e a importância da sua celebração, buscou também defender uma espécie de eficácia limitada a este acordo, pela ausência de legitimidade do MPF e diante da ausência de participação da UNIÃO e da PETROBRÁS na avença, através da CGU. Para a União, o acordo somente poderia ter eficácia entre as partes signatárias, ou seja, não remanesceria ao MPF competência para requerer o desbloqueio da indisponibilidade de bens determinada na ação de improbidade. Para a plena validade dos seus efeitos, ele teria de ser obtido apenas após sua celebração perante a CGU.

É compreensível a manifestação ambígua da União, reconhecendo a existência e a validade dos acordos celebrados pelo MPF, mas propondo a limitação dos efeitos às partes signatárias, pois a importância do acordo para o levantamento de provas robustas na “Operação Lava-Jato” e para a recu- peração do patrimônio público desviado em propinas e superfaturamento

de obras públicas não pode ser ignorada pela União e tampouco pela PETROBRÁS, ao fim e ao cabo, maior interessada na apuração das ilicitudes e na recomposição dos danos materiais causados ao longo de tantos anos de corrupção. Isso porque o referido acordo, além de ter propiciado a revelação de outros ilícitos praticados pela própria empresa, impôs o pagamento de multa na ordem de mais de seis bilhões de reais.

Diante desse impasse, a decisão da relatora do agravo de instrumento ora estudado, que foi seguida por unanimidade pelos demais integrantes da Terceira Turma do TRF4, ao buscar decidir definitivamente o feito, trouxe uma terceira via de interpretação ao condicionar a eficácia do acordo de leniência celebrado pelo MPF com a ODEBRECHT a uma espécie de re-ratificação pela CGU, fundamentando-se em interpretação sistemática de todas as leis que compõem o microssistema de combate à corrupção.

Nesse sentido, assim pontuou a Des. Fed. Vânia Hack de Almeida: Há que se considerar, entretanto, que a assertiva – vedação de transação, acordo ou conciliação em ação de improbidade – era perfeitamente justifi- cável à época da edição do diploma legislativo – 1992. Inadmissível, naquele momento, frente ao direito positivo de então, sequer cogitar-se de qualquer forma de negociação entre autoridades e réus ou suspeitos. Por outro lado, a interpretação isolada do dispositivo também poderia levar a conclusão similar.

No entanto, há que se buscar, pela interpretação sistemática dos diplomas legais no microssistema em que inserido, como demonstrado, além de unicidade e coerência, atualidade, ou seja, adequação interpretativa à dinâmica própria do direito, à luz de sua própria evolução.

Também é essa a lição de Fredie Didier Junior e Daniela Santos Bonfim12,

para os quais as soluções negociadas são uma novidade no sistema jurídico brasileiro, que vêm sendo construídas ao longo dos anos e que culminaram com a edição do novo CPC de 2015, o “código das partes”. Os autores defen- dem que a proibição de negociação na Lei de Improbidade Administrativa era um reflexo da proibição na esfera penal. Assim, se até mesmo na esfera penal foram ampliadas as possibilidades de negociação inclusive para extinção 12 A colaboração premiada como negócio jurídico processual atípico nas demandas de

improbidade administrativa. A&C – Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Belo Horizonte, ano 17, n. 67, jan/mar 2017

de punibilidade (transação penal e suspensão condicional do processo, inseridas com a Lei 9099/95, e colaboração premiada, consagrada na Lei 12.850/2013), há amplo espaço para permitir negócios jurídicos, soluções consensuais, também no âmbito das ações de improbidade administrativa.

Ressaltando a importância do acordo de leniência como importante mecanismo de combate à corrupção, arrematou a desembargadora relatora a questão ao proclamar ser incoerente, em um mesmo sistema jurídico, admitir-se, “de um lado, a transação na LAC” e impedir, “de outro, na LIA, até porque atos de corrupção são, em regra, mais gravosos que determina- dos atos de improbidade administrativa, como por exemplo, aqueles que atentem contra princípios, sem lesão ao erário ou enriquecimento ilícito”.

Sem declarar a inconstitucionalidade ou ilegalidade do dispositivo da Lei de Improbidade Administrativa que veda a celebração de acordo e tampouco a sua incompatibilidade, mas, sim, a necessidade de interpretação sistêmica e porque não dizer histórica e teleológica das normas aplicáveis, coadunando-a com os demais preceitos do microssistema de combate à corrupção, o TRF4 manteve o acordo de leniência firmado pelo MPF com a ODEBRECHT, mas fixou algumas condicionantes.

Com efeito, havia ainda a necessidade de superar o dispositivo legal que atribui à Controladoria-Geral da União, e não ao MPF, a competência para a celebração do acordo de leniência.

Conforme consta da decisão em estudo, em regra, as competências são distribuídas com vistas ao propósito a que se destinam as soluções consensu- ais previstas na legislação anticorrupção. Nesse contexto, considerando que o acordo de leniência é uma solução de âmbito administrativo, a autoridade competente para celebrá-lo deve integrar a Administração Pública; já o acordo de colaboração premiada, porque tem efeitos criminais e alcança as pessoas físicas envolvidas, deve ser celebrado pelo Ministério Público, titular da ação penal.

Em ambos os casos, contudo, a participação de todos os órgãos que sentirão os reflexos do acordo é de extrema importância para a sua eficácia, segundo interpretação dada pelo TRF4. No acordo de leniência, cuja com- petência no âmbito federal é da CGU, há necessidade de participação, para “responsabilização única e integral”, da participação da Advocacia-Geral da União, do Ministério Público e do Tribunal de Contas.

Nesse sentido, tendo em vista ter sido o acordo de leniência com o Grupo Odebrecht celebrado exclusivamente pelo MPF, concluiu a relatora pela

existência de vício, qual seja, a ausência de participação dos órgãos federais diretamente interessados na solução consensual da controvérsia – AGU, CGU e TCU, não possuindo plena validade e eficácia, por lhe faltarem requisitos de ordem formal. Entretanto, dada sua importância, não poderia ser, de imediato, declarado nulo de forma absoluta, mas, sim, proposta a sua ratificação pelos demais órgãos interessados, especialmente pela autoridade competente para firmá-lo, nos termos do §10 do artigo 16 da LAC.

Com isso, “afasta-se a nulidade absoluta do negócio jurídico também em respeito ao princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, conforme acima mencionado. O acordo de leniência firmado não pode ser uma armadilha para a empresa que recebe o lenitivo” (excerto do já citado voto da relatora).

Com essas conclusões, a Terceira Turma do TRF4 manteve o bloqueio dos bens da ODEBRECHT até que se faça a ratificação do acordo pelos órgãos legitimados, seja apurado o montante efetivamente devido pela empresa em decorrência dos ilícitos praticados, bem como efetuados os pagamentos aos quais comprometeu-se a infratora.

O julgamento, contudo, não findou, pois a solução adotada pelo TRF4, de condicionar a eficácia e plena validade do acordo de leniência à ratifi- cação pelos órgãos acima referidos13, suscita a possibilidade de, uma vez

não havendo a concordância desses entes, ser reconhecida a nulidade do acordo de leniência firmado pelo MPF.

Por essa razão, o órgão ministerial opôs embargos declaratórios, ale- gando ser a ratificação do acordo de leniência pela AGU, CGU e TCU um ato discricionário, portanto, de voluntariedade própria de cada órgão, não podendo o MPF interferir na tomada de decisão. Isso poderá resultar, segundo o MPF, caso não haja a ratificação exigida pelo TRF4, na nulidade do acordo, colocando em risco “inúmeras ações (judiciais e extrajudiciais) 13 O acórdão exarado pelo TRF4 foi assim ementado: “12. O Acordo de Leniência fir-

mado pelo Grupo Odebrecht no âmbito administrativo necessita ser re-ratificado pelo ente competente, com participação dos demais entes, levando-se em conta o ressarcimento ao erário e a multa, sob pena de não ensejar efeitos jurídicos válidos. 13. Enquanto não houver a re-ratificação do acordo de leniência, a empresa deverá permanecer na ação de improbidade, persistindo o interesse no bloqueio de bens, não porque o MP pode transacionar sobre as penas, mas porque o referido acordo possui vícios que precisam ser sanados para que resulte íntegra sua validade, gerando os efeitos previstos naquele ato negocial.”

Outline

Documentos relacionados