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Os debates atuais em torno das questões curriculares estão, maioritariamente, relacionados com os temas sobre a autonomia, a descentralização, a responsabilidade e, não menos importante, a prestação de contas, este último mais preocupado com a eficácia da ação das escolas e do professor. A necessidade partilhada de descentralização alterou as relações entre o Estado e a escola e gerou o cenário da autonomia curricular. Redimensionou-se o papel do Estado, cabe-lhe a função de garantir o bem comum, a educação e o dever de “fiscalizar

equilibradamente e com mestria os modelos educativos assegurando a competência profissional dos professores, salvaguardando sempre os interesses da sociedade” (Morgado,

2000:12). Foi com base neste movimento que alguns países tentaram minimizar o controlo do sistema educativo por parte do centro e esforçaram-se por envolver as outras estruturas mais à periferia nomeadamente as regionais e locais, e promover o envolvimento de diferentes atores na planificação e desenvolvimento curricular (Sarmento, 1993). Essas estruturas regionais, locais e ainda as centrais são, segundo Pacheco (1996), território de decisão curricular cada um dos quais com diferentes funções, sendo que à administração central cabe a responsabilidade do planeamento do currículo enquanto aos outros níveis de decisão curricular, territorializados na escola e na sala de aula, cabe a função verdadeira de flexibilização curricular através dos mecanismos de organização do PEE e PAT. Deixando de fora a análise das competências curriculares do nível central e local, debruçamo-nos agora sobre as competências ao nível da sala de aula ou seja do professor elencadas por Pacheco. São competências curriculares do professor, o mesmo que dizer o professor na sua ação quotidiana tem autonomia nas seguintes ações:

Operacionalização dos objetivos de aprendizagem tendo em conta os objetivos curriculares; Sequencialização e gestão da extensão e da profundidade dos conteúdos; organização de situações de aprendizagem: escolha de métodos, técnicas e atividade;utilização e produção de materiais curriculares; manipulação dos recursos educativos; implementação de procedimentos de avaliação(Pacheco,2006:103) .

Pelo exposto anteriormente se conclui que, nas decisões relativas a quem e ao como ensinar, o professor tem um papel preponderante e plena autonomia de escolha de métodos e técnicas de ensino. Só a sua responsabilidade, preparação pessoal e profissional em fazer melhorar a aprendizagem podem constringir essa autonomia. Pacheco acrescenta que o professor é “o

molda-o à sua medida e, não menos, à medida dos aprendentes, não obstante os referenciais que são impostos à sua ação, mas que para além de a influenciarem funcionam meramente como referenciais de ação. Assim, o professor tem autonomia referenciada nos seguintes aspetos: objetivos-autonomia colegial trocada com os outros professores; conteúdos- ausência de autonomia devido à existência de programas previamente prescritos; atividades e recursos didáticos- ampla autonomia; Manuais escolares ou livros de texto-autonomia partilhada no que diz respeito à escolha; avaliação do rendimento dos alunos-autonomia colegial no que diz respeito a modalidades e procedimentos avaliativos (ibidem).

No que concerne à valorização que os professores atribuem às suas competências curriculares, atribuídas no âmbito da autonomia curricular, Morgado (2000) constata que estes, de uma maneira geral, são ambíguos nas suas conceções. Balançam entre posições favoráveis e defensoras da autonomia do professor e, por outro lado, reclamam mais intervenção da administração central. Analisando em forma de exemplo a avaliação do rendimento dos alunos, os professores são defensores da autonomia colegial e consideram que é ao Conselho de Docentes ou Conselho Pedagógico que cabe a responsabilidade de definição dos moldes que orientam a decisão de progressão dos alunos. Por outro lado, reclamam da administração central a definição de critérios de avaliação uniformes e a existência de exames nacionais.

Também sobre o currículo nacional semelhante ambiguidade é apontada por Morgado (2000) e Pacheco (2002): os professores não são indiferentes à importância da autonomia e flexibilização e defendem a existência de um currículo nacional definido pela administração central.

A mesma ambiguidade observa-se no tema da seleção dos manuais escolares. Os professores consideram esta competência essencial e exclusiva, no entanto, também defendem que a administração central deveria fazer uma pré-seleção a partir da qual os professores pudessem escolher os manuais mais convenientes. Nesta e noutras situações em que o professor goza de autonomia existe uma distinção clara entre o plano das intenções e a realidade prática. A autonomia teórica é mais evidente, mas na prática, a dificuldade em assumir a autonomia com responsabilidade, leva os professores a “escudarem-se nas competências da administração

central, corroborando o estilo centralista que esta sempre assumiu e assume relativamente à uniformização de procedimentos e de controlo curricular” (Morgado, 2000:144).

Pelas situações atrás elencadas, o mesmo autor afirma que os professores assumem posições contraditórias e não aproveitam a autonomia que lhes é concedida. Esta ambiguidade poderá

relacionar-se com o receio dos professores em assumir mais responsabilidades, o que ressalta que o processo de autonomização das escolas e dos professores é um processo complexo que exige alterações estruturais e normativas, mas também uma mudança cultural e de mentalidades que conduza necessariamente à confiança do professor no uso da sua autonomia (ibidem).

Semelhante posição assume Varela de Freitas (2001) que no seu convívio com centenas de professores, enquanto docente do ensino superior, observou que no campo do discurso todos os professores anseiam e reclamam mais autonomia, mas têm um grande receio dela por terem medo de assumir a responsabilidade inerente a esse ato. Afirma que este desejo é, de facto, a tendência atual em todo o mundo, uma vez que se concluiu que os currículos uniformes não têm gerado sucesso, que a escola inclusiva necessita que os alunos sejam considerados individualmente e que a globalização e a circulação de pessoas tornam impossível a implementação de currículos iguais para crianças diferentes. Reitera que a escola deve tratar todos os alunos como indivíduos e não só os portadores de deficiência, uma vez que cada aluno é único com estilos de inteligência próprios como confirma a teoria de Gardner (1983). Ademais, como poderá a escola ter currículos uniformes e intemporais se a realidade social é diariamente alterada com o uso das novas tecnologias? Segundo o autor o currículo flexível poderá ser a resposta.

Mas o movimento de descentralização do centro para a periferia não é, de todo, um processo pacífico. Pacheco (2000) considera-o um processo desarmonioso que evolui através de movimentos de descentralização seguidos de recentralização do currículo. A título de exemplo, a administração central permite a flexibilização curricular através da elaboração de projetos mas, por outro lado, estabelece-lhes normas e limites. Este movimento incerto entre a descentralização e a recentralização poderá ser a explicação para a ambiguidade detetada por Morgado (2000). Designa-se de autonomia de negação a que “ existe a partir do momento em

que o professor dispõe de toda a liberdade para alterar as suas práticas mas que pelos constrangimentos escolares e curriculares as mantém” ( Pacheco, 2000:134).

A definição de um currículo nacional referente, simbólico da identidade coletiva, constitui um instrumento de formulação de objetivos e conteúdos de aprendizagem e organização do conhecimento oficial, mas também uma forma poderosa de estabelecimento de critérios de regulação dos alunos e professores. O currículo nacional é, assim, um instrumento de controlo do que se aprende na escola e quanto mais homogéneos forem os objetivos de aprendizagem mais se produz segregação e discriminação dos percursos escolares, pois “a pior discriminação

dos alunos é aquela que é praticada em nome da igualdade de direitos e da uniformização de conhecimentos” (ibidem, p.88).

O mesmo considera Apple (1997) quando diz que a política de um conhecimento oficial legitimado pelo currículo nacional representativo da cultura comum a todos os cidadãos não é senão a cultura que alguém selecionou como conhecimento do seu grupo e que deseja ver perpetuado. Então, os indivíduos desfavorecidos cultural e socialmente, e até individualmente, devem fazer um esforço de adaptação à cultura comum, ou estarão irremediavelmente colocados à margem da sociedade. Daí que a diferenciação pedagógica, muito mais do que a diferenciação curricular que ainda é controlada pelos movimentos de descentralização e recentralização do currículo, poderá ser um meio de atender a todos os indivíduos considerando- os como tal.

O desafio atual das políticas de qualquer país interessado em promover o sucesso do seu sistema educativo consiste numa mudança cultural que reconheça a heterogeneidade dos alunos como um recurso muito para além da ideia de heterogeneidade-problema. Trata-se de uma mudança cultural que tem de ser efetuada a nível da decisão central, através da valorização dos poderes periféricos e da consideração da autonomia e participação dos alunos e professores. Estamos perante a necessidade de mudanças nas representações dos professores e na própria relação que estes têm com o currículo. As representações que pretendam manter a igualdade através de tratamentos uniformes para públicos diferentes deixaram de ser eficazes e não têm feito mais do que acentuar as assimetrias sociais. Os professores cujas perceções sejam, de facto, a equidade social exigem que se diferencie o currículo para assegurar que todos aprendam mais e melhor e implica a capacidade de diferenciar e adaptar o ensino aos alunos (Barroso, 1999).

4. A nova profissionalidade docente: o professor crítico, reflexivo e