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A questão dos métodos de ensino mais adequados e com melhores resultados na aprendizagem ocupou muitos teóricos durante todo o séc. XX, sem que se tenha chegado a um consenso. A falta de conclusões sobre a melhor forma de iniciar o ensino da leitura deve-se ao facto de todas as teorias, e mesmo a prática, terem demonstrado que todos os métodos têm os seus méritos, mas não se adequam a todas as situações. “Tanto a prática pedagógica como a

investigação comprovam que todos os métodos de ensino da leitura podem funcionar com êxito com algumas crianças, mas nenhum método se pode generalizar a todas as crianças, dada a sua diversidade” (Rebelo; Marques & Costa, 2000:125).

Os modelos de aprendizagem da leitura apresentados no capítulo anterior servem para distinguir entre os processos de aprendizagem do sujeito e os métodos de ensino- aprendizagem correspondentes. Os diferentes modelos de aprendizagem assentam em diversas competências do sujeito aprendente e é sobre elas e a relação com os métodos de ensino- aprendizagem da leitura que se debruça este capítulo.

Os métodos ascendentes, que correspondem aos métodos sintéticos de ensino da leitura, conceptualizam a aprendizagem como um processo que progride das unidades mais simples (fonemas e letras) até às unidades mais complexas (palavras e textos), sendo os processos cognitivos utilizados pelo aprendiz a discriminação e a identificação quer visual quer auditiva. O método, nas suas diferentes variações, alfabética, fonémica ou silábica trabalha sistematicamente a correspondência grafema-fonema e a ênfase é colocada na análise auditiva (Viana & Teixeira, 2002). Segundo os defensores deste método de aprendizagem o bom leitor é aquele que domina o processo de descodificação e as dificuldades de aprendizagem residem na fraca capacidade de descodificação. Apesar das objeções que alguns autores possam colocar

à eficácia do método como as do próprio João de Deus e Gonçalves (1967) que consideravam a aprendizagem pelos métodos fónicos enfadonha e irracional por se centrarem nas letras, unidades abstratas, existem aspetos positivos numa abordagem da iniciação da escrita que contemple o treino fonológico.

Alguns autores nacionais, tais como Corte-Real, (2004; Cruz, 2007; Viana & Teixeira, 2002; 2007 Martins & Niza, 1998; Rebelo, 1993; Sim-Sim, 1997), concordam que as competências fonológicas são um requisito importante para a aprendizagem da língua escrita, senão mesmo um forte preditivo de sucesso na aprendizagem. As crianças em idade pré-escolar com bons resultados nas tarefas de consciência fonológica estarão, posteriormente, quando iniciarem a educação formal da leitura, entre os melhores leitores. Paralelamente, os que iniciam a escolaridade com fracos resultados na consciência fonológica serão os futuros maus leitores (Viana, 2001). Também na América o NRP(2000) avaliou as medidas mais eficazes para a promoção e prevenção das dificuldades de aprendizagem da leitura e considerou serem as abordagens com treino fonológico as que trazem melhores resultados, mesmo para as crianças provenientes de meios desfavorecidos. O debate do NRP (2000:2) organizou-se em volta de questões-chave, consideradas relevantes para o sucesso da aprendizagem da leitura, designadamente: treino da consciência fonológica (Phonemic Awareness Instruction); instrução fonética (phonics instruction); fluência (fluency); compreensão (comprehension), formação de professores para o ensino da leitura (Teacher education and reading instruction);e, finalmente, as tecnologias de informação e comunicação e a aprendizagem da leitura (computer

tecnology and reading instruction).

As conclusões do NRP indicam que as atividades de manipulação dos fonemas nas palavras eram altamente eficazes e contribuíam significativamente para melhorar a leitura, contrariamente a abordagens que não privilegiam o treino fonológico. Acrescentam que o treino fonológico aumentou a capacidade de soletração e que os efeitos do treino se mantiveram muito depois de terminados os programas de estimulação. No entanto, para os maus leitores o programa de treino fonológico não influenciou a sua capacidade de soletração o que, segundo o NRP, se revelou consistente com estudos que diziam que os maus leitores têm dificuldades em soletrar. As atividades sugeridas para o treino fonológico devem ser ensinadas de forma explícita e sistemática, de modo a que as crianças percebam a forma de converter letras em sons e depois combiná-los para formar palavras. Relativamente à instrução fonémica, (phonics

Phonics Instruction is a way of teaching reading that stresses the acquisition of letter-sound correspondances and their use in reading and spelling. The primary focus of phonics instruction is to help beginning readers understand how letters are linked to sounds( phonemes) to form letter-sound correspondences and spelling patterns and to help them learn how to apply this knowleddge in their reading. ( NRP, 2000:8)

As estratégias incluídas no treino fonológico incluem: ensinar aos alunos palavras desconhecidas por analogia com palavras conhecidas; treinar a correspondência letra-som em palavras conhecidas e evitar fazê-lo em situações isoladas; treinar a segmentação de palavras em fonemas e depois escolher as letras para formar os fonemas; treinar a conversão letra-som e depois uni-los de modo a reconhecer a palavra.

Pelo apresentado se conclui que estas atividades se referem a um modo de aprender a ler que enfatiza a aquisição letra-som e a sua funcionalidade na leitura numa conceção marcadamente ascendente e com ênfase na via fonológica. As operações cognitivas envolvidas caminham das mais complexas para as mais simples, ou seja, da síntese para a generalização. Tal como afirma o NRP o treino fonológico e fonético melhorou a capacidade de soletração para os leitores normais, mas não trouxe vantagens para os maus leitores como a seguir se cita.

PA (Phonological Awareness) instruction also helped normally achieving childreen learn to spell, and the effects lasted well beyond the end of training. However, the instruction was not effective for improving spelling in disabled readers. This is consistent with other research showing that disabled readers have difficulty learning how to spell.”(ibidem, p.8)

Um outro estudo longitudinal de Torgesen (1994) sobre a consciência fonológica em crianças em idade pré-escolar mostrou que as que tinham bons níveis de consciência fonológica não só se tornaram boas leitoras iniciantes, como mantiveram boas capacidades na continuação da aprendizagem da língua. Mais recentemente e orientado para a prevenção das dificuldades de aprendizagem em crianças de risco, Cihon; Gardner; Morrison & Paul (2008) desenvolveram um trabalho de investigação cujos resultados apontam para a eficácia das abordagens fónicas associadas a sinais gestuais e corporais como forma de representar os fonemas e ultrapassar a dificuldade que algumas crianças sentem em representá-los, tal é a sua abstração. Os estudos foram realizados em crianças com problemas de audição e revelaram que, mesmo com esta população, provavelmente a mais difícil de ensinar fonemas, tiveram ganhos em termos de

ortografia. Ressalva-se, no entanto, que a abordagem foi mista, com atividades gestuais e quinestésicas que procuravam representar os fonemas através de gestos e do controle dos órgãos fonadores.

A comunidade científica americana preocupada com as questões da literacia admite, de uma forma generalizada, que a consciência fonológica e as relações letra-som constituem uma poderosa forma de potenciar a aprendizagem da leitura. Para confirmar esta afirmação, se procurarmos na base de dados ERIC onde se registam todos os trabalhos de investigação produzidos, encontramos cerca de cinquenta autores para a categoria consciência fonológica e aprendizagem da leitura e um total de (1300) mil e trezentos resultados.

Se a consciência fonológica é considerada entre os investigadores estrangeiros e portugueses uma das competências básicas para a aprendizagem, havendo de entre eles os que afirmam ser um dos melhores preditores para a aprendizagem com sucesso, nenhum, de entre os que foi possível consultar, afirma com legitimidade que esta competência antecede necessariamente a aprendizagem. A este grande movimento orientado para a importância da consciência fonológica opôs-se uma questão de fundo: a consciência fonológica é uma competência que precede a aquisição da leitura, havendo então necessidade de se intensificar o ensino sobre ela ou, por outro lado, será um resultado da aprendizagem da leitura? Dito de outra forma a competência para analisar a relação letra-som vem antes da aprendizagem formal da leitura, ou é um resultado dela?

Esta questão de fundo tem impedido a comunidade académica de generalizar e associar a aquisição das competências fonológicas à aprendizagem da leitura, numa relação quase de dependência da segunda sob a primeira. Em Portugal um estudo significativo elaborado pelos investigadores Alexandra Reis e Castro-Caldas (2003) recorreu a estudos anatómicos e à imagiologia cerebral que permitia visualizar a ativação do cérebro durante as tarefas fonológicas. Comprovaram que a aprendizagem formal da língua escrita e, em particular a ortografia, introduz no cérebro novas estratégias para tratar a informação, em especial as relacionadas com tarefas fonológicas. Assim, a capacidade para analisar fonologicamente a língua pode ser um subproduto da aprendizagem da leitura.

O estudo de Ouzoulias (1995) pretendia dar luz sobre o tema da consciência fonológica e a sua relação com os métodos de ensino. O objetivo inicial era saber se a consciência fonológica se desenvolvia mesmo se o método de ensino não privilegiasse as correspondências grafema- fonema de forma direta e explícita. O estudo debruçou-se sobre várias turmas de iniciação,

sendo que um grupo era alfabetizado pelo método de análise dos fonemas logo desde a iniciação e outro grupo era ensinado com um método globalizante, de análise de sílabas e formação de palavras por analogia, o equivalente ao método das 28 palavras. O desempenho das crianças fez-se em dois momentos distintos, no início do ano letivo e a meados do ano. A tarefa consistia numa prova de consciência fonémica. Os resultados mostraram que as diferenças entre os dois grupos de alunos não eram significativas o que tornou evidente que a consciência fonémica pode desenvolver-se sem instrução direta e sistemática.

Um estudo de Cardoso-Martins (2006) realizado com crianças brasileiras que aprendiam a ler segundo métodos diferentes, o fónico e o global/silábico, pretendia mostrar quais as relações da consciência fonémica com os métodos de ensino e com a aprendizagem da leitura. As crianças foram previamente avaliadas na área da consciência fonémica. Os resultados mostraram que a consciência fonémica é um bom preditor do futuro desempenho na leitura, se o método utilizado for o método fonémico. A consciência fonémica não exerce grande influência quando o método utilizado é o global /silábico. As crianças que aprenderam a ler com o método silábico tiveram claramente resultados superiores na leitura e na escrita. As diferenças substanciais entre os dois grupos evidenciaram-se na leitura de não-palavras e pseudopalavras, onde as crianças alfabetizadas segundo o método fónico têm claramente vantagem por utilizarem o princípio alfabético. Os resultados sugerem que as crianças com menor desenvolvimento da consciência fonémica podem, igualmente, obter sucesso na aprendizagem da linguagem escrita em português se o método de ensino utilizado for o silábico. Quando o método de instrução é o fonémico entram em jogo as diferenças individuais de análise fonémica. Estes resultados estão em consonância com o estudo de Grampone (1967) que afirmou que o ensino da leitura através do método global era menos afetado pelas condições socioculturais das famílias, contrariamente ao ensino pelo método fónico onde se observava que os resultados eram melhores nas classes mais privilegiadas.

Um outro estudo, mais atual e orientado para a comparação entre o método das vinte e oito palavras e o método fónico foi realizado em Portugal por Valente & Martins (2004). O estudo pretendia conhecer como evoluíam as competências metalinguísticas (consciência silábica, consciência fonémica e o conhecimento do nome das letras) ao longo do 1.º ano de escolaridade em função do método de ensino da leitura. A segunda questão pretendia conhecer como se processava a relação entre a consciência linguística e os métodos de ensino da leitura em diferentes momentos do processo de aprendizagem. Relativamente ao conhecimento do nome

das letras, o estudo concluiu que este item não apresentou diferenças de progresso que se pudessem relacionar com o método de aprendizagem. A consciência silábica e fonémica apresentaram o mesmo padrão de desenvolvimento nos dois métodos. A análise dos dados permitiu, ainda, concluir que o método silábico promove mais a consciência silábica e também a fonémica.

Respetivamente ao modo como a consciência fonológica evolui, esta está fortemente relacionada com atividades de leitura isolada de palavras logo desde os momentos iniciais da aprendizagem, sendo esta, portanto, a forma privilegiada de treino fonológico. O método silábico, segundo os resultados da investigação, é o que mais desenvolve a consciência silábica e fonémica, sendo que a primeira se adquire em meados do ano letivo e a consciência fonémica assume influência determinante no final do ano letivo. De uma forma geral, a autora concluiu, sobre a eficácia dos dois métodos que estes valorizam de forma diferente as competências prévias que os alunos trazem ao iniciar a escolaridade e cujo desenvolvimento está geralmente associado à sua origem sociocultural. Por considerar importante que o método de ensinar deve facilitar a tarefa de aprender, um princípio já defendido por Comenius na Didáctica Magna, apresenta-se de seguida a muito pertinente conclusão final das autoras do estudo.

O método silábico responde melhor à necessidade de desenvolvimento das duas competências fonológicas (silábica e fonémica), evita o aumento da influência das diferenças individuais nessas competências sobre o desempenho em leitura e, pelas razões inversas, o método fonémico acentua a influência das referidas diferenças na leitura. (Valente & Martins, 2004, p. 210)